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Gabriela Jacinto: Jovem estudante de Artes Performativas em Inglaterra, do TEL para o mundo

Gabriela Jacinto: Jovem estudante de Artes Performativas em Inglaterra, do TEL para o mundo

Gabriela Jacinto, lacobrigense de 21 anos, é filha de pai português e mãe tailandesa, tem 6 irmãos e define-se como «extrovertida» e «ambiciosa». Foi em Lagos que deu os primeiros passos no mundo artístico: «Desde sempre que quis representar e cantar», desvendou.

Beatriz Maio

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O espírito aventureiro de Gabriela e a vontade de seguir os seus sonhos, no âmbito da Representação, levou a que se mudasse para Brighton (Inglaterra) há três anos. Sente-se feliz por «ter ficado perto do mar e fora da confusão de Londres». Nas próprias palavras, Brighton é uma cidade «animada e cheia de cor», um local «repleto de estudantes e pessoas que vestem o que querem, que não temem o preconceito e tanto usam cabelo azul, como rosa ou verde».

Costumava passar o Inverno na Tailândia com os pais antes de começar a Escola Primária. A mãe não tinha família em Portugal e, na altura, os irmãos da parte materna viviam lá. Apesar de a mãe comunicar consigo em tailandês, apenas quando chegou à Tailândia e quis brincar com os irmãos é que começou a falar a língua. Devido à pandemia, há quase dois anos que não visita o país, mas planeia, em Outubro, mudar-se para Banquecoque.

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Quem é a Gabriela?

Nome completo: Gabriela Sofia Yangphimai Jacinto.
Data de nascimento: 1 de Outubro de 1999.
Local de nascimento: Lagos.
Habilitações académicas: 3.º e último ano em Artes Performativas.
Áreas de interesse: Moda, Arte, Performance, Viajar, Feminismo, LGBTQ+.
Passatempos: «Honestamente, passar mil e uma horas na Netflix».

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CL – O que aspiravas ser quando eras mais nova? Quando é que percebeste que o teu caminho poderia passar pelas Artes?

GJ – Segundo os meus pais, quando eu tinha 4 ou 5 anos e estávamos na Tailândia, desapareci para ir cantar com o artista do hotel onde estávamos alojados. Relatam que eu cantava palavras inventadas ao som da guitarra!
Por volta dos 10 anos de idade, idealizava ser cantora. Mais tarde, aos 14, dediquei-me ao Teatro e, por fim, este ano finalizo a minha licenciatura em Artes Performativas, num curso que engloba Teatro, Canto e Dança.

CL – Alguma vez te sentiste dividida quanto ao que querias seguir?

GJ – Honestamente, não me lembro de alguma vez ter ambicionado seguir outra área profissional ou sonhar fazer algo distinto na minha vida. Sempre tive a certeza de que queria cantar e, quando comecei a fazer Teatro, percebi que também adorava representar.

CL – Há quanto tempo estás a estudar fora? Como foi o teu processo de adaptação?

GJ – Há três anos que estou a estudar fora. Porém, com férias e universidade online, pode-se dizer que passo metade do ano em Lagos. Sinto-me sortuda por poder dizer que Lagos é "a minha cidade". Só depois de me mudar para Inglaterra é que comecei a apreciar quão bom é estar em casa. De forma alguma me arrependo de escolher Brighton para estudar. Imigrar é algo que aconselho profundamente, pela experiência, que considero bastante relevante para o crescimento de qualquer indivíduo.

Contudo, a verdade é que morro de saudades de Lagos! Saudades de explorar toda a costa, desde a Praia da Batata até à Ponta da Piedade, seja a caminhar ou a nadar; saudades dos dias mais longos, de ir almoçar com o meu pai à Adega da Marina e da animação nocturna da cidade. Todas estas memórias estarão comigo para sempre.

CL – Como surgiu a ideia de ir estudar para o Reino Unido?

GJ – Inicialmente, candidatei-me para as "Top 5 Drama Schools de Londres" [Escolas de Teatro]. Agora, no meu último ano e com mais conhecimento geral sobre a indústria britânica, percebo que os meus objectivos eram inatingíveis para a minha idade e experiência, na altura.

A percentagem de aceitação destas universidades em relação ao número de candidatos é bastante baixa. A maioria dos caloiros tinha mais do que 23 anos, muitos foram rejeitados nas suas primeiras, segundas, terceiras e quartas audições. Para entrar numa destas Drama Schools, demora-se anos! Eu com 18, e sem alguma vez ter feito uma audição, não consegui entrar em nenhuma dessas Top 5, mas genuinamente não me arrependo de nada. Depois de ter completado 5 audições rejeitadas, surgiu a oportunidade de me candidatar a ICTheatre em Brighton.

CL – Como foi a chegada ao Reino Unido e porquê Brighton?

GJ – Voei para Londres sozinha. Estive num hostel em Holland Park durante 20 dias, onde partilhei o dormitório com 8 mulheres. Não sei qual foi a pior parte… Aquela cama, onde não me conseguia sentar direita porque a minha cabeça batia na cama de cima, ou o "espectáculo de Ópera" – o ressonar que começava sempre antes de conseguir adormecer.

O plano era continuar o meu ano sabático em Brighton. Felizmente, por conseguir falar a língua da minha mãe, consegui arranjar emprego num restaurante tailandês, no centro da cidade.
A vantagem de Brighton é que em menos de uma hora em comboio consigo estar na capital. A proximidade a Londres, o custo de renda inferior e a qualidade de vida levaram-me a perceber que uma grande parte dos profissionais da indústria vive aqui. Quando tive as primeiras aulas, constatei que a maioria dos meus professores, especialmente de Acting [actuação], também ensinam nas universidades em que eu não entrei.

CL – Quais foram as tuas motivações em ir estudar para o estrangeiro?

GJ – Desde miúda que tinha interesse em estudar fora. Dentro da minha área, considero que a melhor experiência que conseguiria adquirir seria em Inglaterra, ou nos Estados Unidos. Reconheço que tenho muita sorte em ter possibilidades financeiras de estudar no estrangeiro e, por isso, tenho que agradecer ao meu pai.

CL – Com que obstáculos/desafios te deparaste no teu percurso?

GJ – Saber gerir dinheiro foi um grande obstáculo, sem dúvida. Tinha 18 anos, estava numa cidade super trendy [da moda] a trabalhar num restaurante tailandês. Tudo o que queria era divertir-me com os meus novos amigos, algo totalmente banal e normal para minha idade.
A língua inglesa para mim nunca foi um obstáculo. Cresci com a minha mãe tailandesa, que não fala português, e o meu pai, natural de Lagos, que tão pouco fala tailandês. Comunicam desde sempre em inglês.

CL – Sentiste-te apoiada por parte dos teus amigos e familiares?

GJ – Em geral, toda a minha vida senti um grande apoio por parte da minha família e amigos, foi sempre algo muito natural.

CL – Que momentos destacas ao longo do teu percurso artístico? Que episódios que te marcaram?

GJ – Entrei no Teatro Experimental de Lagos (TEL) com 14 anos. Anteriormente, tinha apenas participado em espectáculos escolares, como os que se realizam no final do ano lectivo ou nas festas de Natal. Foi no TEL onde me apercebi realmente que me queria dedicar à Representação, tanto em Teatro, como em Cinema.

Foram 4 anos de pura diversão e também aprendizagem! Tenho muito que agradecer à minha professora, Nelda Magalhães, a pessoa que me introduziu ao Teatro. Lembro-me, genuinamente, de pensar que a via como um génio: a capacidade de estar sempre em processo criativo; a paciência para arranjar soluções, a habilidade em manter o grupo focado… Mas, acima de tudo, mantendo sempre a diversão.

O “Auto da Disney” foi a primeira peça que realizei no TEL, inspirada pelo “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente. Esta peça foi criada a partir de improvisação. Em cena havia um Anjo (eu) e um Diabo, e pelo Purgatório passavam personagens como o Chapeleiro Maluco, a Rapunzel, a Bela Adormecida e até a Barbie. A Nelda guiava-nos e apontava todo o diálogo que improvisávamos, a fim de criar um guião.

A data do espectáculo aproximava-se e a Nelda tinha convidado a sua mãe para vir assistir a um ensaio geral, a Dona Silménia, que também participa e cria vários projectos criativos. No decorrer do ensaio, cada fala que eu tinha era parada pela Dona Silménia, que não entendia nada do que eu dizia! A minha articulação era zero, o sotaque algarvio – relativamente presente – e a velocidade no máximo... Lembro-me de chorar em casa e reler todas as minhas falas ar-ti-cu-la-da-men-te, sílaba por sílaba, enquanto andava às voltas no meu quarto.

Passado um ano, e desta vez no Centro Cultural de Lagos, apresentámos outra peça ("As Visitas"), baseada na "Cantora Careca" de Eugêne Ionesco. Após o espectáculo, estava eu ainda dentro do meu figurino, com uma peruca de careca, e vejo a Dona Silménia a caminhar na minha direcção…

Foi um sentimento de grande alívio e, de certa forma, de conquista, ao ver que a crítica tinha mudado de «Não percebo nada do que dizes» para «Gabriela, melhoraste bastante! Acho que devias mesmo seguir Teatro!». Terei sempre um grande carinho e respeito pela Nelda, pela sua mãe e por todos os que estão por detrás destas produções!

CL – Entre tantos talentos, que conselho dás a alguém que pretende conquistar um lugar neste ramo?

GJ – Para quem quiser seguir este ramo, o concelho mais sincero e honesto que alguma vez me deram é: nunca vais ser famoso. Vais ter que arranjar um emprego que não te desmotive, que pague as tuas contas, renda, aulas de voz, de representação… Uma licenciatura de três anos não é suficiente; a práctica é para a vida. Todos têm talento, especialmente em Inglaterra, onde existe um grande acesso ao Ensino. É o tempo e técnica que dedicas para audições que importa!

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In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº366 · ABRIL 2021

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