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Círculos de Cultura com Adriana Xavier: Freelancer, Intérprete e Bailarina

Círculos de Cultura com Adriana Xavier: Freelancer, Intérprete e Bailarina

No âmbito do Dia Mundial da Dança, celebrado a 29 de Abril, o Correio de Lagos impresso realizou entrevista a Adriana Xavier, lacobrigense e trabalhadora independente do sector cultural.

Marta Ferreira

Beatriz Maio

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Adriana licenciou-se em Dança, na Escola Superior de Dança de Lisboa e é, actualmente, Bailarina, Freelancer e Intérprete. Dançava nos eventos da cidade em que a Escola de Dança de Lagos participava, tendo recordado como «levava muito a sério esse “trabalho”» e quão «intenso» era.

Com 27 anos, de regresso a casa e mais focada no seu percurso individual, admite ter perdido demasiado tempo «com frustrações e ansiedades sobre o funcionamento da sociedade». Acredita fazer parte de uma geração «empreendedora, independente» e de «artistas revolucionários», em que a Arte é um sector em constante expansão. Na sua opinião, a competição não é algo positivo; considera-a, por isso, «uma pedra no sapato da energia criativa e do foco no trabalho individual», pelo que ambiciona poder trabalhar com vários artistas e formas de Arte.

Para Adriana, o mundo das Artes é um «constante teste à persistência» devido à instabilidade financeira que apresenta. Reconhece que o Estado não apoia os artistas portugueses e que existe falta de interesse em criar condições para «formar com qualidade» profissionais da Cultura. Da sua vida fazem também parte outras áreas deste sector, entre as quais Cinema, Música, Teatro e Eventos. Interessa-se ainda por Fotografia Analógica e Vídeo, assim como por Pedagogia, Sociologia e Psicologia.

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«Passei algum tempo à deriva e na incerteza do que fazer numa área tão precária como é a Dança»

Correio de Lagos – Conta-nos um pouco sobre ti. Como te defines?

Adriana Xavier Defino-me como sendo uma pessoa privilegiada, pois sou europeia, branca, de classe média, com educação e uma família funcional. Acredito que faço parte duma geração de artistas revolucionários do pensar e do observar o mundo, que de alguma forma se sentem excluídos do sistema político Português e Europeu. Pertenço a uma geração privilegiada, pois nascemos e crescemos na liberdade garantida, filhos da globalização através da Internet e do icónico Euro.

Pertenço a um tempo onde o consumo de Arte começa a ganhar novos sentidos, onde se questiona e evolui cada vez mais o "fazer arte", que começa agora a ser considerada uma actividade em constante expansão, de valor insubstituível para o bem estar duma sociedade, com menos definições e sem necessidade de encaixes nem de estatutos sociais. Considero-me alguém que pertence a um todo e que precisa de ver o todo a funcionar. Hoje em dia consigo focar-me mais no meu caminho individual, pois já perdi muito tempo com frustrações e ansiedades sobre o funcionamento da sociedade.

Acho que a minha geração é mais empreendedora, independente e uma ideologia mais comunitária, com a missão de desconstruir o que é velho e não funciona, contudo, pondo em prática soluções mais justas com um foco mais solidário e igualitário.

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«Tenho de confessar que pensei em desistir muitas vezes e seguir com uma vida mais simples e fácil, sem “luta”»

CL – Quando é que percebeste que a tua profissão iria passar pela Dança?

AX – Quando estava no primeiro ano do curso de Pintura na Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, apercebi-me que não desenhava assim tão bem e que não tinha a maturidade intelectual para entender o que era minha pintura, apesar dos estímulos e da qualidade de ensino. Assim, decidi mudar de curso para a Escola Superior de Dança em Lisboa, porque tinha alguma disponibilidade física e energética para me dedicar a um curso tão exigente fisicamente – e convém aproveitar enquanto o corpo ainda é jovem e forte.

A minha expectativa era que a Escola Superior de Dança tivesse uma abordagem intelectual e artística próxima da que tinha sentido nas Belas Artes, mas desiludi-me. Após a licenciatura, passei algum tempo à deriva e na incerteza do que fazer numa área tão precária como é a Dança. Para não mencionar que o ensino superior em Dança em Portugal é restrito à Escola Superior de Dança e o Mestrado que existe é exclusivamente em Ensino em Dança. Tenho de confessar que pensei em desistir muitas vezes e seguir com uma vida mais simples e fácil, sem “luta”.

Contudo, continuei no caminho e comecei recentemente a investir mais em mim e nas minhas capacidades, que ainda hoje estão por serem levadas ao limite. Comecei a fazer formações, workshops e a participar em quase todas as audições que aparecem e que sinto que podem ser boas para o meu desenvolvimento. Estou agora a começar a obter resultados.

CL – Qual o primeiro contacto profissional que tiveste com o mundo da Dança?

AX – Tive vários primeiros contactos profissionais ao longo da vida, mas ainda não tinha consciência do que é ser trabalhador(a) da Cultura. A primeira peça onde trabalhei depois da licenciatura foi “Num Vale do Aqui”, de Daniel Matos, produção da companhia CAMA, meu amigo, colega de turma, companheiro e irmão da cidade de Lagos a quem agradeço muito as lições humanas, artísticas e de conduta no trabalho. Após isso, desenvolvi trabalho com a Associação Cultural PURGA, onde criei a minha primeira obra em conjunto com Rodrigo Teixeira e com a colaboração da Alice Duarte.

CL – Quais foram as tuas motivações para seguir Dança? Quais as tuas inspirações?

AX – Tem sido um caminho perigoso e de muitos processos internos. Cresço individualmente com o meu trabalho e por isso é que adoro este estilo de vida. O que me inspira mais é quando os processos pessoais afectam e contaminam o processo artístico. Quando se entende isto e se aprende a controlar e comandar as emoções, podemos usar o que está no intimo, entrando em metamorfose e usando essa energia para criar possibilidades e universos, de dentro para fora. Uma vez fora, posso entregar e sugerir a um público pensar sobre o que vem de dentro de mim, que de alguma forma era meu até ao momento de o dar ao espectador.

Neste processo, pode-se dizer que estamos quase no campo do holístico que a Arte tem. A magia, o efeito de espelhamento que acontece quando nos identificamos com algo que faz parecer que pertencemos à obra que nos é dada; o sentir que fazemos parte de algo que não é nosso, faz-nos sentir seguros e menos solitários.

Os artistas da àrea da Dança e do Teatro com quem tenho mais contacto e regularmente aprecio muito do seu trabalho são nacionais, sendo alguns deles: Sara Ribeiro, João Garcia Miguel, Vera Mantero, Madalena Victorino, Tiago Vieira, Ana borralho e João Galante, Tânia Carvalho, Maurícia Neves, Bruno Alexandre, Daniel Matos e Miguel Moreira.

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«O Estado não quer saber dos artistas portugueses nem dos trabalhadores da Cultura»

CL – Que momentos destacas ao longo do teu percurso académico? Quais os maiores obstáculos?

AX – Acho que a questão do academismo me incomoda pessoalmente, pois vivemos num país onde esse conceito está erradamente trabalhado. Então, falo de experiência própria pois foi o meu caso, no estudar Dança em Portugal.

Não temos o número ideal de professores com experiência práctica e funcional nas áreas artísticas; temos teóricos da Dança, ex-profissionais ultrapassados temporalmente e artisticamente, tachos e pseudoprofissionais a ensinar, logo, não acredito num sistema de ensino artístico público que não conta com formadores minimamente profissionais das áreas que leccionam. Na minha licenciatura, tive três ou quatro professores realmente de valor profissional. Não existe nenhum tipo de fiscalização ou procedimentos para avaliar se os cursos artísticos funcionam e se os alunos, durante e após a formação, estão encaminhados e se têm algum tipo de aplicabilidade no mercado do trabalho. Ninguém quer saber, o Estado não quer saber dos artistas portugueses nem dos trabalhadores da Cultura (confirma-se com as não-acções de apoio na pandemia).

Não existe consciência da importância de cultivar os gostos e as escolhas dos portugueses no que diz respeito ao consumo de matérias artísticas. A Arte é uma economia, com uma tendência elitista, sim, porque de alguma forma, se sente cercada por si mesma para poder sobreviver, centralizada.

A Arte deve ser pública, acessível, de direitos iguais para todos. O consumo de Arte não pode, nem deve, ser para as elites que “entendem” os códigos da linguagem artística. Quanto mais se consome, mais poder intelectual se ganha se estimula e mais curiosidades se despertam. Acredito que os estudos académicos necessitam duma reforma activa, preocupada em atingir e aceder às minorias, aos desentendidos e, especialmente, aos cépticos/desinteressados. O maior obstáculo, é a falta de interesse público e estatal em criar as condições para formar com qualidade artistas de todas as áreas.

CL – Consideras que existem ainda padrões estéticos por quebrar?

AX – Acho que a estética é algo muito pessoal de cada criador. Querer compreender uma estética é como compreender uma paisagem: o espectador tem de ver várias paisagens para saber qual é a que se relaciona mais. A estética não se quebra; a estética é o que é, tal como uma paisagem. O que se pode quebrar são os códigos de entendimento do que é “pintado”. Perceber uma estética requer literacia e identificação. Identificarmo-nos requer auto-confiança e auto-consciência por parte de quem é espectador/público/consumidor. Hoje em dia, vivemos uma ditadura do gosto, em que a violência do gosto define se somos ou não entendidos e representados pela Arte que consumimos. Não acredito nesta estrutura segregadora do prazer da apreciação do que é belo ou não. O ver muitas estéticas diferentes faz bem pois deixa-nos mais permeáveis à aventura do ver e saber. Ser espectador é ter um espírito corajoso e aventureiro.

CL – Defines o mundo da Dança como sendo competitivo? Entre tantos talentos, que conselho dás a alguém que pretende conquistar um lugar neste ramo?

AX – Um “lugar” neste ramo é algo relativo. Estar no auge das nossas ambições é sempre muito difícil pois aparecem sempre muitos obstáculos pelo caminho que vão moldando as aspirações possíveis da vida real. O “lugar” que ocupo hoje não é igual aos lugares sonhados do passado, nem é perto daquilo que gostaria de ser no futuro. Um dos conselhos que dou a mim mesma e a quem me quiser ouvir é que não se comparem nem deixem que a comparação (inevitável em alguns momentos) seja um bloqueador da necessidade criativa que vibra dentro de cada um.

A competição é uma pedra no sapato da energia criativa e do foco no trabalho individual. Sentimentos desses só nos atropelam e atrasam, e ter consciência disso é algo que requer maturidade e determinação, acreditar em nós mesmos e não bloquear dentro dos pensamentos redutores de nós mesmos e dos outros. Fazer!

CL – Qual a tua maior ambição profissional? Quais os teus objectivos?

AX – Neste momento estou-me a focar em construir, passo a passo, uma personalidade enquanto intérprete, um tipo de trabalho que me defina de alguma maneira e me permita continuar a aprender sem me limitar a formas fechadas de pensamento. A minha ambição é trabalhar com vários artistas e formas de Arte, pluralizar enquanto artista, obter ferramentas e estar em contacto com maneiras de abordar as questões e o processo artístico variados, de modo a tornar-me multifacetada.

As minhas maiores ambições são lutar pela minha concretização e estabilidade financeira através da Cultura fazendo o que tem de ser feito, pela igualdade no sector cultural português, alertando e despertando a mente curiosa de quem tem menos acesso à Cultura e, talvez, quem sabe, poder vir a criar um trabalho para a comunidade.

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«A Arte na sociedade é utilidade no próprio bem-estar emocional e psicológico de quem a produz e também de quem o recebe»

CL – Quem são os teus maiores suportes?

AX – Eu terei de ser o meu maior suporte sempre. Devo provar a mim mesma que tenho força, coragem e que é possível. É um trabalho de resistência, persistência e de muita crença do motivo maior para se fazer objectos artísticos. A Arte na sociedade é utilidade no próprio bem-estar emocional e psicológico de quem a produz e também de quem o recebe. A verdadeira intenção da Arte não está fechada sobre si mesma; a Arte deve servir, deve procurar ser verdade.

CL – Sentiste receio em “apostar” nesta área?

AX – Senti e sinto. Do ponto de vista de um apostador, é uma aposta arriscada. Todos os dias são eternas dúvidas existenciais, mas o que importa é superá-las, dar o melhor de mim e para mim, sem ter medo de cair. A ideia é trabalhar cada vez mais, mas, se um dia perceber que não me faz bem viver nesta instabilidade financeira, não posso ter medo de reconhecer isso. Acredito que esta área é um constante teste à persistência e à noção do que é ser estável. Neste momento, acredito cada vez mais que a minha personalidade é parte disto e que se construiu de dentro desta luta. Devo dizer que hoje sou mais forte e mais capaz de lidar com os meus medos de "apostar" na Arte.

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«Lembro-me de considerar Lagos uma cidade activa na Cultura, sem limites para novas propostas»

CL – Que memórias levas contigo da tua infância/adolescência em Lagos?

AX – A memória que está sempre presente comigo é o som das gaivotas. Quando me mudei para Lisboa, ouvia uma gaivota de vez em quando e ficava cheia de saudades do ambiente marítimo e isolado que Lagos tem. Uma das memórias que infelizmente não é agradável, são as árvores seculares que foram abatidas na construção da moderna Júlio Dantas, que ficou uma obra desenquadrada com a cidade e teve um orçamento demasiado grande para o que foi o resultado final. Tendo em conta que é a única escola com o curso de Artes Visuais, ficou muito aquém do que são as necessidades desses alunos.

Lembro-me de considerar Lagos uma cidade activa na Cultura, sem limites para novas propostas, com uma programação intensa e com um investimento diversificado. Lembro-me especialmente, da Feira Medieval no Auditório ao ar livre, perto do Convento, que resultou tão bem. Era o lugar perfeito para se fazer esse evento e outros. Uma memória mais antiga foi no 3.º ano da Primária: a minha querida Professora Lígia levou a turma a fazer papel reciclado às antigas oficinas da Escola Secundária Gil Eanes velha, com a professora Joaquina. Tenho também muitas memórias dos tempos em que dançava em todos os eventos da cidade com a Escola de Dança de Lagos, era muito intenso e levava muito a sério esse “trabalho”. Foi uma boa aprendizagem.

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In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº366 · ABRIL 2021

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