(Z1) 2024 - CM de Vila do Bispo - Festival do Perceve
(Z4) 2024 - CM Lagos - Agenda de Eventos

Entrevista Armando Jorge

Entrevista Armando Jorge

A Excelência no Bailado Clássico da Vida 

Comprou a sua casa em Lagos na longínqua década de 80, sendo agora a sua residência principal, um lacobrigense por amor. Tem uma história de vida e carreira fascinante. Ao CL abre as cortinas para mais uma vez nos deslumbrar.
 

"Não sou um homem de descansar, contribuir para a cultura é algo que me faz imensa falta, tenho muita pena de não haver uma coisa que me inspire".

Armando Jorge, nome artístico de Armando da Silva Nunes, nasceu a 22 de Março de 1938, em Lisboa, filho de Mário Victor e Maria da Apresentação (da Silva) Nunes. Dedicou-se à dança, coreografia, ensino, tendo assinado também a colaboração plástica em diversas obras. Figura de relevo no âmbito do bailado em Portugal, destaca-se como o primeiro português a dançar os papéis principais dos bailados clássicos. Diplomou-se em pintura na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Ainda estudante de Belas-Artes, iniciou-se na dança com Margarida de Abreu, tendo feito parte, sucessivamente, do Círculo de Iniciação Coreográfica, do Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, dos Grands Ballets Canadiens e, finalmente, do Ballet Gulbenkian. Na qualidade de bailarino principal destas últimas companhias, distinguiu-se no reportório clássico, tendo assinado na Gulbenkian a coreografia, cenografia e figurinos de diversas peças, entre as quais Canto da Solidão (1972). Como professor, foi chamado a estágios como mestre de bailado dos Grands Ballets Canadiens e foi diretor associado dos Ballets Jazz de Montreal.Armando Jorge foi Director da Companhia Nacional de Bailado (1978-1993), tendo a sua acção sido determinante na consolidação do grupo, para o qual criou algumas obras, nomeadamente Carmina Burana (1979). Também se empenhou na organização de um Centro de Formação de Bailarinos. O ilustre Armando Jorge recebeu por quatro vezes o Prémio Bordalo, todos na categoria de “Bailado”. O primeiro, o Óscar da Imprensa (1962), como bailarino entregue pela Casa da Imprensa, em 1963, que também distinguiu também nessa ocasião, na mesma categoria a bailarina Isabel Santa Rosa e coreógrafa Águeda Sena. O segundo, o Prémio da Imprensa (1969), pela sua actuação nos espectáculos Grands Balllets Canadiens realizados em terras lusas durante o XIII Festival Gulbenkian de Música. Na mesma cerimónia repetiria o par, Isabel Santa Rosa, sendo também homenageados na mesma categoria o coreógrafo Carlos Trincheiras e, como «Prémios Especiais» a bailarina Raquel Roby (Revelação) e Ana Mascolo, pelo seu papel impulsionadora do bailado em Portugal, especialmente pela a sua actividade pedagógica. Por fim dois Prémios da Imprensa (1974) um como bailarino, novamente acompanhado por Isabel Santa Rosa, desta vez pelas suas participações e Giselle, e outro pela coreografia do bailado Canto da Solidão. Ainda nesta categoria foram receberam os “Prémios Revelação” Miguel Lyzarro (bailarino) e Vasco Wellenkamp (coreografia).

O bailarino, coreógrafo, cenógrafo e figurinista foi condecorado por duas vezes por Presidentes da República, em 1983  foi feito Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada a 3 de Agosto e em Novembro de 2008 foi  elevado ao Grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant›Iago da Espada. Comprou a sua casa em Lagos na longínqua década de 80, sendo agora a sua residência principal, um lacobrigense por amor.

Tem uma história de vida e carreira fascinante, ao CL abre as cortinas para mais uma vez nos deslumbrar Com efeito, deparamo-nos com uma moradia acolhedora e imponente, com uma envolvência citadina e de campo na qual se vislumbra um cenário fascinante sobre a baía de Lagos e a fóia de Monchique. Esta reportagem acontece quando o nosso entrevistado completa 81 anos e se comemora o Dia Mundial da Dança.

Correio de Lagos - Antes de mais, por que razão escolheu Lagos para viver?

Armando Jorge - A história de Lagos é engraçada, a primeira vez que vim cá, eu já estava como director da escola nacional de bailado em 1981, tive uma proposta do estado para fazer um bailado comemorativo ligado ao 10 de Junho sobre os descobrimentos e inspirado nas coisas de Camões. Nesse tempo eu como coreografo e dois compositores viemos para aqui para inspirarmo-nos, passeamos  na costa vicentina e por ali. Foi uma situação muito engraçada pois éramos todos artistas, fizemos um libreto e a planificação de um bailado que começou a ser feito, mas não chegou a estrear por mudança do governo. Foi aí que comecei a vir ao Algarve e gostei muito disto, sendo na década de 80 que comprei a casa da praia da Luz.

CL- A Companhia Nacional de Bailados ainda veio actuar em Lagos?

AJ- Eu vim actuar aqui em Lagos com o ballet Gulbenkian, fizemos um espectáculo ao ar livre perto do castelo, nunca mais me esqueço de um pequeno acontecimento muito engraçado. Um rapazinho algarvio que me diz assim, como é que posso ser bailarino? Fiquei muito espantado mas disse-lhe, se quiser vai  à Gulbenkian que temos aulas para rapazes. E assim foi, chama-se António Laginhas, é de Loulé , fez-se bailarino, estudou na América  e hoje trabalha em Algés, tem um centro cultural de arquivo de dança e escreve, tive tantos alunos. Depois vim a Lagos várias vezes com a companhia nacional de bailado ao centro cultural, já eu era director. Hoje em dia é que não fazem nada, estes agrupamentos nacionais, o São Carlos está inactivo e quase sem espectáculos, não fazem nada e ficam todos satisfeitos, são companhias nacionais. Dantes lutávamos para fazer, se nós não temos um número determinado de espetáculos ao ano a companhia não tem razão de existir, os bailarinos não estão em forma, temos que nos movimentar e fazer tournées por todo o país. No princípio da Companhia Nacional de Bailado fui pioneiro pois percorremos todo o país, a estreia foi no Porto para nos distanciarmos da ideia de sermos de Lisboa e fizemos Tournées incríveis. Lembro-me com muita graça de uma apresentação em que explicava o que era a dança com os bailarinos, no dia em que se montava o espectáculo íamos às escolas e usávamos os ginásios para ensaios, às vezes tinha mil alunos, era engraçado sobretudo quando os rapazes viam as raparigas a chegar de collants (riso), tive as coisas mais fantásticas de reacções das pessoas, chegamos a ter o autocarro a sair com os miúdos a correr atrás. Hoje em dia não entendo como basta dizer que não há dinheiro.

CL- Passou ainda pelo Ballet Gulbenkian, Grands Ballets Canadiens e Ballets Jazz de Montreal. Como viveu estas experiências?

AJ - Os bailarinos da minha época sentem muito a ausência do meu modo de funcionar, as características de disciplina que eu impus, o sistema, tem que existir uma lógica de funcionar, eu era austero, disciplinado e muito organizado. Quando fui condecorado pela primeira vez em 1983, Ramalho Eanes perguntou-me com um ar sisudo, se não fosse bailarino o que gostaria de ser? E eu respondi militar, porque acha que fui para o bailado, porque gosto de ordem, disciplina e organização.

CL- Na sua formação inicial estava ligado à pintura, como passa para o bailado?

AJ - Muito curioso, na Escola de Belas Artes tinha uma cadeira de croqui e desenho em movimento, e eu nada melhor, fui a um estúdio de dança da Margarida de Abreu fazer estes trabalhos e todas as pessoas começaram a admirar o meu trabalho. Eu comecei a entusiasmar-me e na quarta vez que fui decidi vestir uns collants e experimentar a fazer. Comecei a fazer dança lá atrás dos outros a copiar, não era um bom método, mas era o que havia, comecei a dança através do desenho. Nesta fase que comecei a aprender dança, fui o primeiro aluno de dança homem do conservatório na época. Nos anos 60 era difícil, estava na Escola de Belas Artes ao mesmo tempo e então comecei a dançar nas óperas como aluno da escola Maria de Abreu e fazia os bailados. O meu primeiro contacto com o teatro foi a dançar nas óperas de São Carlos. Dai continuei na escola, fiz exame do conservatório, fui premiado, tive a melhor nota e ingressei nos antigos bailados Verde Gaio que era a única companhia profissional. Acontece que nessa altura veio convidado para o São Carlos um professor muito famoso, Daniel Selie, que anteriormente pertencia à ópera de Paris, foi realmente o meu professor, foi um plano do antigo director que queria imaginar uma companhia clássica, realmente comecei a ter um treino a sério e com três anos deste rigor, tive dois convites para companhias famosas Cuevas e Rolant Petit. Não pude aceitar, pois, tinha que acabar o curso de belas artes. Esse mestre Daniel Selie foi convidado para o Canadá, e ele disse que só aceitava o convite se me aceitassem a mim pois não me queria perder como aluno. Então fui com ele sem fazer audição e desde aí segui um percurso no qual cheguei a ser cabeça de cartaz no Canadá. É engraçado pois tenho uma relação fantástica com o Museu do Teatro e da Dança e doei todos os meus livros de dança, desenhos de ballet, todas as minhas fotografias e todo o meu espólio para o museu, o doutor Alvarez ficou muito agradecido bem como o museu. Imensas coisas minhas que doei fizeram parte da exposição ballet ruus de villet que fazia 100 anos da sua actuação no São Carlos.

CL- Esse processo não foi assim muito fácil, desfazer-se da sua vasta colecção?

AJ - Foi muito trabalho, é uma questão de personalidade, assim como quando deixei a companhia de bailado “fechou a cortina”. Às vezes os bailarinos que eu ensaiava perguntavam-me como é que fazia? Eu dizia-lhes não interessa como eu fazia, isso acabou e encerrou, só não queria que aquilo se perdesse. Vem um coreógrafo russo do Bolshoi que vai escrever um livro sobre a dança na Europa e vai fazer pesquisa em Lisboa no museu, tenho um retrato meu à entrada do museu feito pelo Teixeira Lopes , que marca o inicio da companhia. É isso que faz a história das pessoas.

CL- Os vários prémios Bordalo, condecorações, medalha ouro da Câmara Municipal de Lisboa e Sintra, o que é que falta ainda? 

AJ - Não sou um homem de descansar, contribuir para a cultura é algo que me faz imensa falta, tenho muita pena de não haver uma coisa que me inspire. Lagos deveria ter uma conotação especial no Algarve em relação àcultura, devia ser capital da cultura. Fiz aqui o maior espectáculo do Algarve, uma Aida fabulosa que trouxe 200 pessoas, trouxe companhias fantásticas. Propunha-me a fazer reabilitar o auditório no Parque das Freiras, o sítio é espectacular, imaginei fazer isso para o Algarve inteiro. Cheguei a promover espectáculos nas feiras de turismo cultural, com imensa gente interessada. Imaginava que se podia fazer uma coisa a sério de nível internacional.

 CL- Radicado em Lagos, já teve oportunidade de conhecer duas referências locais como são os casos da Associação de Dança de Lagos e o Estúdio de Ballet Guenn Morris?

AJ - Tenho estado a tomar contacto, tenho a impressão que conheço, gostava de poder contribuir mais para o desenvolvimento da cultura.

CL - Em relação aos profissionais de Ballet acha que conseguem sobreviver sem ser nos grandes centros urbanos como Lisboa e Porto?

AJ - Conseguem sobreviver em Lisboa porque têm uma companhia que fui eu que fundei, a Companhia Nacional de Bailado, a Companhia Gulbenkian já acabou, as outras companhias são semiprofissionais, não conseguem sobreviver com isso, subsídios são temporários.

"Lagos deveria ter uma conotação especial no Algarve em relação a cultura, devia ser capital da cultura. Fiz aqui o maior espetáculo do Algarve, uma Aida fabulosa que trouxe 200 pessoas, trouxe companhias fantásticas". 

  • PARTILHAR   

Outros Artigos