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A Ilusão da Normalidade

A Ilusão da Normalidade

Artigo de opinião de HUGO PALMA

(Edição 345 · JULHO 2019)                                                             

“Normal é uma ilusão. O que é normal para uma aranha, é o caos para uma mosca.” M .Addams 

Saudações Lacobrigenses, vivemos numa sociedade em que a lucidez e ilusão de normalidade, está presente em cada momento nas relações que estabelecemos. Existe um diálogo constante no que se considera normal, quando isso depende apenas de critérios singulares e não deveria estar associado a um julgamento das massas. A mudança de paradigmas e dogmas instaurados depende da capacidade de cada um de nós perceber que, a soma das partes faz o todo no que concerne à essência humana. A normalidade e diferença fazem parte da nossa vida diária, será que lidamos com a biodiversidade ou extrapolamos, rejeitamos e criticamos tudo aquilo que desconhecemos… Nas relações que estabelecemos experienciamos emoções, pensamentos, instintos e um vasto leque de elementos que elaboramos sem que possamos interferir, sendo este o principal factor da vivência da experiência da vida em si, nunca conhecemos tudo em nós nem nos outros. Tolerância ao considerado normal pela sociedade e seus pares constitui uma referência comportamental, que associamos à adequação socio-relacional, cultural e física. Tudo o que não se enquadra nas referências e padrões instaurados depende da aceitação e tolerância dos seres humanos ao desconhecido.

A multiplicidade e diversidade existente no mundo não deve ser alvo de ignorância e incompreensão, mas sim de um conhecimento profundo para que possamos evoluir enquanto espécie. Um exemplo da necessidade de compreender a abrangência do conceito de normal na sociedade incide no que concebemos como doença mental,  existe um  estigma relativamente às pessoas que em algum momento da sua vida padeceram desse infortúnio, de sofrer por viver e sentir. Digo isto assim pois um  transtorno mental é  apenas uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflecte uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativa que afectam actividades sociais, profissionais ou outras actividades importantes. Tolerância ao que consideramos doença mental incide na nossa concepção de sofrimento psíquico e o reflexo das suas diversas manifestações. Ao optarmos por uma abordagem factual e objectiva o resultado é um julgamento imediato e incompreensão. No entanto se  escolhermos escutar e decifrar os diversos elementos que estão na base do sofrimento psíquico, adquirimos um potencial de conhecimento que nos ajuda a ultrapassar situações idênticas.

Enfatizando o papel da imaginação estaremos dispostos a novas realidades, a uma maior  capacidade de tolerar a frustração e de lidar com a aleatoriedade da vida,   para que assim não sejamos dominados apenas pela razão. Seguindo a minha linha de pensamento, neste artigo realço a importância de  testemunhos de recuperação em saúde mental na perspectiva dos próprios e/ou pessoas significativas/familiares, que visa disseminar a ideia de que a recuperação em saúde mental não acontece só aos outros e noutros países. A ideia de recuperação em saúde mental é difícil de definir, significando coisas distintas para diferentes pessoas. A evidência científica e vários estudos demonstram que as pessoas não só podem, como recuperam de facto, de problemas de saúde mental graves e/ ou de evolução prolongada. Para algumas destas pessoas o processo pode ser mais longo, lento e demorado do que para outras, mas o facto permanece de que é possível e real! Apesar da natureza única do processo de recuperação (que é distinto para cada pessoa, tão diverso quanto a própria pessoa é das outras), que o torna tão difícil de definir de forma consensual

 Força com Capacidade  (Testemunho)

O meu nome é Fernanda Chaves e tenho 31 anos. Foi-me diagnosticada uma “doença mental” a que se chama de perturbação da personalidade do tipo Borderline, diagnosticada em, aproximadamente, 2001. A minha infância não foi totalmente semelhante à de todas as pessoas com as quais fui convivendo e conhecendo durante o período em que estudei e trabalhei. As dificuldades sempre existiram, apenas se tentava ocultar o que era para mim, como filha, mais monstruoso. O meu comportamento foi sempre regular, até ao momento em que comecei a degradar o meu tipo de alimentação e com a doença crónica que tinha desde os 10 anos de idade, a diabetes, comecei a cometer erros graves no que se refere à administração de insulina. E como é natural os meus pais, com excesso de nervos e preocupação, tinham atitudes um pouco agressivas. Apesar de todos e diferentes problemas vividos, consegui alcançar minúsculos objetivos, como conhecer diferentes géneros de pessoas e, ao mesmo tempo, ir aprendendo algo de útil comparando com a minha pessoa e, apesar de não estar satisfeita com o percurso da minha vida, considero que tenho tentado, pouco a pouco, melhorar a minha vida, em termos salutares, apesar de tal não se verificar com êxito algumas vezes. Mas o que concluo é que apesar de não o demonstrarem de forma apropriada, os meus pais sempre lutaram pela minha saúde. Peço perdão, mas falar sobre este tema frequentemente acaba por me irritar, e não entro em detalhes por isso, não será realmente relevante para quem avalia este tipo de histórias idênticas à minha. Porque eu na verdade não sou uma doente mental, mas infelizmente tive a dignidade de ter de saber aceitar esse tipo de comentários de quem está superior a mim. Eu sou uma pessoa perfeitamente igual a todas as outras que conheço e que têm uma vida activa, sou capaz de trabalhar, apesar de não poder fazer grandes esforços. Sem mais nada a evidenciar, assim me despeço. Sejam fortes!

Testemunho retirado de “Histórias de recuperação pessoal: Testemunhos de Portugal” Propriedade da Comissão Consultiva para a Participação de Utentes e Cuidadores Programa Nacional para a Saúde Mental Direção-Geral da Saúde.

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