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Manuel Rafael “Poeta Popular” de Vila do Bispo

Manuel Rafael “Poeta Popular” de Vila do Bispo

O percurso profissional multifacetado, a guerra colonial e a veia cultural , uma reportagem com este genuíno e ilustre homem empreendedor. 

Reportagem Exclusiva e Inédita na Edição 343 · MAIO 2019     

“Quem da verdade se esquece, e anda a mentir na vida, Pode não ser, mas parece, Maluco ou coisa parecida, Alguém que conta um conto, Sobre quem não lhe agradou, Acrescenta mais um ponto, Ao conto quando o contou.”

Quem é este “homem de barba rija”? 

Manuel José Rafael, tem 74 anos de idade, nasceu em São Luís, concelho de Odemira, trabalhou em Lagos durante quase uma década (8 anos) e vive há já 63 anos em Vila do Bispo. E foi no concelho vila-bispense que casou e nasceram quatro filhos (3 homens e uma mulher), tendo já quatro netos. Manuel é um verdadeiro poeta do povo. Com efeito, é o grande impulsionador dos Encontros de Poesia Popular e Fado Amador de Vila do Bispo que vai assinalar a décima edição, e também um escritor que se prepara para atingir a nona obra publicada de poesia popular. Mas este “homem de barba rija, possui igualmente um admirável percurso profissional. Ainda muito jovem já trabalhava na agricultura com o seu pai, no Algarve, junto à Pedralva com 11 anos. Mais tarde, aos 18 anos saiu da casa dos pais, e regressou ao Alentejo, na Zambujeira do Mar onde foi “boieiro” apenas 1 ano, continuando com o mesmo trabalho no Algarve, Vila do Bispo, até ser chamado para o Serviço Militar aos 21 anos. Assentou praça e recruta em Elvas e tirou a especialidade (corneteiro) em Abrantes. Mas como foi mobilizado para a guerra do Ultramar teve de tirar outra especialidade.

Os episódios na tropa

Manuel Rafael menciona, ”fui destacado para Angola quando o meu filho fez 3 meses e quando voltei o meu filho não me reconhecia. Estive 2 anos e dois meses na Guerra do Ultramar, parti a 8 Julho de 1967 rumo a África no Paquete Vera Cruz, levamos 9 dias a navegar até chegar a destino. Iam 3000 homens no navio, este rangia e estávamos todos assustados. Ficámos no quartel de Grafanil, fomos até Nova Lisboa e apanhamos o comboio para o Luso. Nestas viagens levávamos muito tempo.

Fomos destacados para Lucusse e eu estava no  batalhão 1720.” Contou uma história caricata em que alude “havia uma companhia em Ninda na fronteira da Zâmbia, uma zona muito perigosa no cenário de guerra. Os condutores desligavam as viaturas de forma a não sair do quartel, estavam a ser abastecidos por avião. A minha companhia foi destacada para esse local. Tínhamos um Capitão Carlos Pimenta uma excelente criatura, e decidimos mostrar o que era o valor da nossa  companhia 1720. Ao fim de 15 dias as viaturas estavam todas a trabalhar e fomos buscar mantimentos sem precisar de abastecimento aéreo. Tivemos várias emboscadas com feridos e mortos mas cumprimos o nosso objectivo.”

O poeta do povo conta um episódio em que, “de  regresso a Nova Lisboa, a companhia veio separada em duas partes. O alferes do segundo pelotão comandava a 2ª coluna, havia um rapaz que era o único  barbeiro chamavam-lhe  o Lisboa. O moço portou-se mal e o alferes disse, chamem lá o barbeiro que eu quero dar uma carecada a este gajo. Chamem lá o barbeiro, gritaram todos.”

O nosso Homem de Barba Rija, sobreviveu a um incidente no quartel que ficou completamente destruído. Um dos soldados requisitou uma bazuca e acidentalmente tirou a patilha e disparou. 

“A sensação que tive ao voltar foi boa, mas fica sempre uma certa tristeza e saudade pois há sempre caras que nunca mais voltaríamos a ver, pessoas que gostamos” 

Manuel Rafael recorda a chegada a Lisboa e comovido refere, “a abalada era pior que a chegada, estava um pinheiral de gente com as mulheres, familiares com lenços a acenar, a recepção foi com menos pessoas. Deixamos em Angola tudo o que tínhamos, só voltamos com a farda. Eu estava com vontade de ver a minha família  que não via há muito tempo. Recebi a guia de marcha e entreguei a farda, apanhei logo um táxi com um camarada e rumamos ao Algarve. Segui para Vila do Bispo e cheguei às 6 da manhã a minha casa. Disse ao taxista para esperar que já vinha buscar as malas. Vieram todos receber-me em euforia com uma alegria enorme e um grande alarido.”

O trabalhador multifacetado virou empresário de sucesso 

Regressado da tropa, Manuel Rafael voltou ao trabalho, à lavoura. Tornou-se feitor, seguiu-se a Cooperativa Agrícola de Lagos, como motorista: ceifeira debulhadora, carrinha de distribuição e chegou a encarregado do sector agrícola. Levantava-se às 6 da manhã e chegava a casa por volta da meia-noite 
e por vezes 1 da manhã. Muito cansativo sem dias de folga nem tempo para a família, decidiu em 1987 fazer uma carta de despedimento e trabalhar por conta própria. Empresário agrícola durante 24 anos, comprou as máquinas necessárias em Vendas Novas e diz que ganhou muito dinheiro, nas zonas de Vila do Bispo, Lagos e Portimão. Reformou-se aos 65 anos, mas continuou como empresário. O poeta descreve o seu percurso laboral e diz “haviam os lavradores que faziam a lavoura do mês, e eu  trabalhei no campo  em Vila do Bispo durante muito tempo, com o dinheiro de uma  quezília ganha a um patrão em tribunal. Comprei a minha casa, depois vim trabalhar para a Cooperativa de  Lagos durante 8 anos como motorista, fui encarregado do sector agrícola e arranjava tudo o que fosse preciso.” 

A veia para a cultura “A poesia nasceu comigo logo quando a minha mãe me pôs no Mundo” 

A poesia nasceu ainda no Alentejo, desde pequeno. A caminho da escola cantava à desgarrada, fazendo de conta que estava alguém ao lado. O Poeta do Povo diz com alegria que “ via os homens a cantar a desgarrada e fascinava-me, tinha muita cegueira naquilo, ia a cantar a desgarrada sozinho”. O Fado também é uma paixão que surgiu na infância bem como o gosto por cantar, os amigos iam buscá-lo a casa para cantar de madrugada e só voltava de manhã. O primeiro escrito surgiu quando era muito novo, começou a escrever antes de ir para a tropa. Em Angola escrevia os seus poemas que mais tarde aproveitou para incluir num livro. O Primeiro  Livro foi lançado em Abril 2011. O poeta Popular relembra o encontro com Rafael Correia da antena 1,   em que este lhe disse que os seus poemas prendiam o público.  Fez gravações na radio Foia dos seus poemas e começou a participar  em diversas rádios. 

Encontros de Poesia Popular e Fado Amador recebem gentes do sul de Portugal

O nosso poeta Manuel é mesmo popular. Durante muitos anos ganhou diversos prémios de poesia de cariz internacional e os seus escritos através do “Boletim do Mensageiro” estão divulgados em todos os recantos do Pas e do Mundo. Já recebeu menções honrosas do seu trabalho literário representando orgulhosamente o concelho de Vila do Bispo. Em muitas paragens, as apresentações dos seus livros são feitas num encontro que organiza anualmente. Arrasta gentes do sul do país para estes encontros realizados em Vila do Bispo.  Na verdade,  tem o condão de juntar no Centro Cultural deste concelho poetas e fadistas das Terras do Infante, mas também do resto do Algarve, assim como do Alentejo e de Setúbal. Tem inúmeras obras publicadas que são uma referência para a poesia e cultura  popular portuguesa,   entre as quais: “Realidades da vida com verdades escritas”, “Recordações da Poesia e Prosa”  “Linguagem dos versos”, “Verdades à solta”, “Visões da Mente”,” Viagens do meu pensar”, “Verdades e Pensamentos”, “Vivências”. O próximo livro chama-se o “Fim da Viagem”, mas não  é o  fim do caminho, a perspectiva é encher a sala novamente no seu  tradicional encontro em Vila do Bispo. 

 

 

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