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25 de Abril de 1974, em Lagos - O Dia da Liberdade

25 de Abril de 1974, em Lagos - O Dia da Liberdade

Em 25 de Abril de 1974 ocorreu, em Portugal, uma Revolução que ficou conhecida como a «Revolução dos Cravos», ou, mais simplesmente, «Revolução de Abril».

Actualmente é feriado, «Dia da Liberdade», que visa recordar o movimento político e social que depôs o regime fascista português, no poder desde 28 de Maio de 1926.

Esta acção militar foi executada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), com forte apoio popular, e levou à rendição do Presidente de Conselho (Marcello Caetano), e do Presidente da República, Américo Thomaz. Democratizar, Descolonizar, Desenvolver eram os objectivos programáticos do MFA (os chamados três »D»).

A «Democracia» foi alcançada. Portugal tem uma Constituição desde 1976, que consagra Direitos, Liberdades e Garantias aos cidadãos. As eleições para os órgãos do Poder, através do voto universal, secreto e directo, são livres e transparentes. Hoje há liberdade de pensamento e de Imprensa, de reunião, de associação. Há Liberdade.

Foi feita a «Descolonização». Os Países que tinham sido colonizados por Portugal (Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste) são hoje independentes. E que seguem os seus caminhos, de acordo com a vontade dos seus respectivos Povos. Se bem que tenha sido polémica na forma como foi conduzida, o certo é que a Descolonização pôs fim à chamada «Guerra Colonial» nas frentes militares da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, na qual terão morrido cerca de 9 mil soldados portugueses, 20 mil terão ficado com ferimentos e deficiências físicas.

A nível do «Desenvolvimento», o Portugal dos nossos dias é muito diferente do de 1974. O analfabetismo decresceu cinco vezes, a mortalidade infantil caiu do triplo da média europeia para um valor um pouco abaixo dessa média, há um Serviço Nacional de Saúde que independemente das suas muitas carências e dificuldades não existia no regime fascista, há Segurança Social, há saneamento básico, há uma rede viária e há muito, muito mais.

Em suma, e não obstante o muito que ainda pode ser melhorado, o Portugal de 2020 não é, de todo, comparável ao atrasado e retrógado anterior ao da Revolução de 25 de Abril de 1974.

Existem muitos e variados documentos que relatam a Revolução dos Cravos. São conhecidos os seus antecedentes e os múltiplos factores que estiveram na sua génese.

Também se sabem os movimentos das várias Unidades Militares. Mas, eventualmente, será menos conhecida dos lacobrigenses, a participação da Unidade de Lagos, o Centro de Instrução de Condução Auto n.º 5 (CICA 5), nas movimentações desse dia e do seu contributo para esse Golpe Militar.

Para tal, iremos recorrer aos depoimentos de Otelo Saraiva de Carvalho, publicados no seu livro «Alvorada em Abril», à entrevista concedida, à Nova Costa de Oiro, em 1996, por Carlos Branco (Major e segundo comandante do CICA5, de Lagos, em 25 de Abril de 1974, e José Varela (Capitão, que se apresentou nesse dia, no CICA5, para participar na Revolução) e do Capitão José da Glória Alves, em artigo da revista «Visão História», da autoria de Luís Pedro Cabral. As fotografias que ilustram estas páginas, captadas no dia 27 de Abril de 1974, são da autoria de Osvaldo Montes, José Alexandre Rosa e de autor desconhecido.

Palavra a Otelo Saraiva de Carvalho: «No Comando Territorial do Algarve (CTA) só contávamos a sério com uma das suas três unidades, o CICA 5, de Lagos, já que o RI 4 (Faro) se apresentava contra e o CISMI (Tavira) oferecia fortes dúvidas quanto à sua participação.

Dois majores, Castela Rio (comandante) e Leal Branco, e um Capitão QEO, Campinas, haviam sido contactados dias antes pelos jovens capitães do MFA José Glória Alves e Filipe Ferreira Lopes e haviam aderido ao movimento.

Corria tudo sobre rodas e Ferreira Lopes, ao receber a missão no dia 19 à noite em casa de Fernandes da Mota, mostrara-se muito optimista e não pusera qualquer objecção ao cumprimento da missão (ocupação e defesa do centro transmissor de Fóia e não cedência de viaturas ao RI 4) por parte da unidade. Inesperadas dificuldades surgem em 24 à noite, quando, mesmo após a transmissão do sinal de confirmação através da Rádio Renascença, o major Castela Rio, manifestando claros sinais de embriaguês, recua subitamente da sua posição anterior e se recusa a permitir a actuação da unidade.

Evidenciando um comportamento confuso e atrabiliário, alternando períodos de exaltação com outros de depressão, leva os restantes oficiais a não cumprirem a missão partir da Hora H, afirmando no entanto que ela será levada a cabo logo que obtenham confirmação do desencadeamento da acção.

O major, porém, tem medo, e está arrependido dos compromissos que assumiu perante os capitães. Falta-lhe convicção. E agora só pretende ganhar tempo.

A leitura do primeiro comunicado do Posto de Comando do MFA, escutado através do Rádio Clube, não lhe altera a atitude. Só então os Capitães informam os oficiais subalternos do que se passa e recebem destes a imediata adesão.

Quando pelas cinco e trinta o CTA ordena a entrada da unidade em prevenção rigorosa, o Comandante dá a Glória Alves a missão de contactar com o pelotão que se encontra na Barragem da Bravura, em exercícios de ordem pública, para o fazer regressar ao CICA 5, ao que o capitão responde que irá recuperar a força mas para a conduzir à Fóia, em cumprimento da missão do MFA.

Castela Rio tenta opor-se a Glória Alves, agarra-se ao capitão à porta de armas do quartel e leva a que este seja obrigado, perante as numerosas praças que ali se encontravam, a desenvencilhar-se violentamente, afastando-se do major para, juntamente com Ferreira Lopes, montar em viatura e seguir para a barragem a fim de reunir o pelotão.

O pessoal deste adere sem hesitação de qualquer espécie às palavras dos capitães. E pouco passa das sete horas quando se põem a caminho do centro transmissor da Fóia, que ocuparão às sete e cinquenta».

Carlos Branco relata os acontecimentos: «Em Março, cheguei a Lagos. Havia dois Capitães ligados ao Movimento e que já tinham tomado parte em várias reuniões. Eram o Glória Alves e o Filipe Lopes, que entraram em contacto comigo.

Quando se deu a Intentona da Caldas (16 de Março de 1974) ainda houve uma tentativa, de nós, em Lagos, tomarmos uma posição favorável ao Movimento das Caldas, mas chegámos à conclusão que não valia a pena. No início de Abril ainda não sabíamos quando é que viria a ser o «Dia D».

Em Lagos, os únicos indivíduos que estavam dentro do Movimento, eram eu (segundo comandante), era o comandante Castela Rio, era o capitão Glória Alves, era o capitão Lopes e era o capitão Campinas. De resto, mais ninguém sabia de nada...

Passados uns tempos, a 22 ou 23 de Abril, de manhã, o capitão Lopes veio ter comigo e disse-me que já tinha recebido a Ordem de Operações para 25 de Abril. A coisa estava feita... A Unidade de Lagos tinha como missão «calar» as antenas da televisão, da rádio e da guarda-fiscal que se localizavam na Fóia. Poderia também vir a ocupar o Aeroporto de Faro (posteriormente, de Lisboa, mandaram-nos avançar só para a Fóia).

Não dissemos nada às famílias. Viemos para aqui. Estávamos de prevenção, à espera das canções-senhas «Depois do Adeus» e «Grândola Vila-Morena». Pelas 4 ou 5 horas da manhã, reunimos os militares todos e contámos-lhes o que se estava a passar.

Fui eu quem falei com os soldados, sargentos e aspirantes (porque o comandante estava indeciso), e lhes dei a oportunidade de não aderir. Não houve ninguém que se retirasse... Os dois capitães avançaram para a Fóia, com um ou dois pelotões, «calaram» as antenas e voltaram para Lagos. Entretanto, o comandante, muito nervoso, aproveitou um momento em que tive que atender uma pessoa, agarrou no telefone e ligou para Faro, onde havia o Comando de Sector... Estragou tudo! O comandante da GNR de Portimão, um tenente, deixou que os militares do CICA5 voltassem para Lagos, para então ocupar as antenas da Fóia, sob as ordens do regime político anterior.

Posteriormente, através das notícias da rádio soubemos que a Revolução estava ganha e a GNR retirou da Fóia».

A opinião de Glória Alves: «estou até convencido de que a nossa operação não era realmente um objectivo do comando da Revolução. Só à última hora é que eles acrescentaram a lápis à lista dos objectivos a Fóia, com o código Bangkok. Dá-me a impressão que só o fizeram por insistência minha e do Lopes, pelo nosso interesse de fazer alguma coisa pela Revolução».

A sua missão consistiu na ocupação dos transmissores e repetidores da GNR, da Guarda-fiscal e da Legião Portuguesa, instalados no alto da Fóia, ponto mais elevado da Serra de Monchique e que, juntamente com as antenas da rádio e da TV, emitiam para todo o Algarve. «Nessa noite, tinha o pelotão em exercício na barragem da Bravura, na serra do Espinhaço de Cão, entre Lagos e Monchique.

[...] Acordámos a malta e explicámos o que se estava a passar. E qual era a nossa missão no decurso da revolução, embora as notícias do resto do País fossem poucas ou nenhumas. Tínhamos de confiar que tudo estava a correr de acordo com o planeado.

Pusemo-nos sobre rodas, a caminho de Portimão, para o alto da Fóia. Estava uma manhã horrível de vento e chuva. Não encontrámos qualquer oposição. A única força que ali estava eram dois homens da Guarda-fiscal, dentro de uma casinhola. Explicámos a situação e eles entregaram logo as suas Mauser».

Glória Alves considerou destruir as antenas. Só que, entretanto, chegou ao local um técnico do Rádio Clube, que fazia a manutenção do equipamento e a quem Glória Alves lhe explicou a missão. E foi com visível boa disposição que o técnico desactivou o equipamento...

Cerca das 11 horas, o major Branco apareceu na Fóia, reportando a Glória Alves que o comandante do CICA 5 tinha contado as ocorrências ao responsável do Comando Territorial do Algarve, que ameaçava enviar uma força para desalojar os ocupantes.

Evitando um confronto desnecessário, sabendo que o seu objectivo tinha sido alcançado e que o Movimento progredia em Lisboa, o pelotão regressou, então, a Lagos.

Esclarece Glória Alves: «No Algarve, as pessoas demoraram a reagir: só no dia seguinte é que os populares foram aos quartéis entregar flores e vitoriar, mas ainda a medo». Assim se explica que as fotografias que se conhecem desses dias, em Lagos, e que se reproduzem nas nestas páginas, tenham sido captadas no sábado, dia 27 de Abril e não no dia 25.

Voltamos a Carlos Branco e a José Varela, para lhes perguntarmos se «Valeu a pena» esta Revolução?

José Varela (já falecido), respondeu, assim, em 1996: «Todos os dias»!

E Carlos Branco: «Voltaria a fazer a coisa em si, mas de outra maneira. Houve muitos erros, fruto da ignorância.

E repetimos, em 2020, mensagens que nos deixaram há 14 anos.

Disse José Varela: «[...] nas escolas, em casa, em toda a parte onde se puder, deve-se explicar bem o que foi o 25 de Abril. A maioria dos jovens, hoje, não por culpa deles, não por desinteresse, desconhecem o que foi feito e a atitude heróica dos Capitães de Abril. Foi muito perigoso esse dia. [...] Devemos explicar à juventude o que se fez e porque se fez. Nós temos que falar no passado, para se ensinar o futuro».

E para que, como escreveu o poeta Ary dos Santos, que «agora ninguém mais cerre as portas que Abril abriu»!

In https://www.novacostadeoiro.com/

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