Sem água no seu caudal, Rio Mira em agonia
O Sudoeste de Portugal e a região de Odemira em particular atravessam um momento delicado depois do agronegócio ter explorado durante anos a fio a faixa costeira entre Vila Nova de Milfontes e Odeceixe, sem a preocupação de respeitar os limites do território, assim como os seus recursos, pessoas e valores naturais, e sem que tenha havido um travão por parte de quem deveria regular, fiscalizar e repor um equilíbrio há muito perdido.
Ontem, quando se celebrava mais um Dia Mundial da Água, o movimento Juntos pelo Sudoeste juntou-se ao SOS Rio Mira, para mais um alerta sobre o estado ecológico do Rio Mira, artéria fundamental do Sudoeste, e sobre a escassez de água para abastecer o concelho de Odemira, assim como o sequioso Perímetro de Rega do Mira (PRM), que partilha território com o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV). Na verdade, apesar das chuvas de Outono, a bacia deste rio - que nasce na Serra do Caldeirão, e desagua em Vila Nova de Milfontes - permanece frágil e a reserva de água da barragem Santa Clara não vai além dos 37% da sua capacidade quando a média no passado seria 76% neste período do ano.
E por falar em passado, quando todas as evidências dos últimos anos e todas previsões para o futuro - até as optimistas - comprovam e prevêem uma franca diminuição da precipitação e disponibilidade hídrica, os investidores da agricultura intensiva do Sudoeste continuam a solicitar água para regar e até uma mudança nas regras de distribuição, que beneficie quem produz mais e com maior rentabilidade, quando o abastecimento de água do maior concelho do país não só assenta num princípio de equidade, como pode estar severamente comprometido num futuro não muito longínquo.
O agronegócio refere-se poeticamente a uma “terra que dá alimentos” mas esquece-se de dizer que a sua actividade é responsável pela plastificação de quarenta quilómetros de costa, em pleno PNSACV, abrigo de habitats e biodiversidade de valor incalculável, e que essa violação da paisagem e do território tem gerado inúmeras infracções à lei, em nome de produtos que nem sequer constituem bens alimentares de primeira necessidade. De facto, não admira que a agricultura industrial represente agora mais de 60% da actividade económica local, pois tem aniquilado quase tudo à sua volta, fazendo parecer que não existe em Odemira lugar para mais nada, quando a realidade é que se tivesse que contabilizar e assumir o passivo ambiental e social que carrega, o mais provável seria reportar prejuízos. O negócio só floresce porque o Estado português tem sido omisso e não obriga este sector extractivista a submeter-se a um licenciamento como acontece com qualquer outra indústria, nem a adoptar medidas de mitigação de danos ambientais e sociais, tal como manda a lei.
Agora que se inicia um novo ano de rega no PRM, com uma iminente descida (sempre com um espantoso carácter “excepcional”) da captação de água da barragem de Santa Clara a uma cota dez metros abaixo da sua normal tomada de água (114,70m), voltamos ao rio Mira, para alertar para o seu estado no primeiro dia de Primavera: de Santa Clara-a-Velha para jusante já não corre água no leito do rio! A água escasseia na barragem e o primeiro a sofrer é o Mira e os seus ecossistemas.
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Foto de capa: Rio Mira, jusante Santa Clara, 18 de Março de 2023 Fotografia cedida por Diogo Coutinho do SOS Rio Mira