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Seca no Algarve: a necessidade de uma estratégia para a sobrevivência hídrica

Seca no Algarve: a necessidade de uma estratégia para a sobrevivência hídrica

Artigo de opinião da Vice-Presidente da JSD Algarve, Mariana Marques

A região do Algarve, reconhecida internacionalmente como um destino turístico (principalmente na época de verão), confronta-se com um desafio contínuo e crescente: a seca. Ao longo das últimas décadas, a escassez hídrica tem exercido um impacto negativo, resultando em consequências económicas, sociais e ambientais.

A seca é um fenómeno natural que se caracteriza pela escassez prolongada de precipitação pluviométrica numa região. Trata-se de um evento climático que impacta a disponibilidade de águas, tanto em corpos de águas superficiais, como rios e lagos, quanto em reservatórios subterrâneos, como aquíferos.

De acordo com o Índice de Palmer, também designado por PDSI, as diferentes categorias de seca são determinadas com base numa série de valores que representam o cálculo médio do balanço hídrico, tendo em consideração dados como a temperatura média mensal, a precipitação total média e o conteúdo de água no solo. Estas categorias são: seca fraca ou alerta de seca (-0,50 a -1,99), seca moderada (-2,00 a -2,99), seca severa (-3,00 a -3,99) e seca extrema (-4,00 ou inferior).

Conforme o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em maio de 2023, verificou-se que a região do Algarve estava caracterizada por uma redução da seca severa e um aumento da seca extrema. Esta classificação indica uma tendência crescente em direção a uma das categorias mais acentuadas de seca.

A ausência prolongada de precipitação tem-se revelado como uma preocupação persistente, especialmente considerando a média anual de precipitação no Algarve, que apresenta valores em torno de 500 mm, em comparação com a média nacional de aproximadamente 900mm.

As reservas hídricas do Algarve encontram-se consideravelmente abaixo do seu nível médio. No mês de junho do ano de 2023, foram registadas as seguintes percentagens de volume útil (dados provenientes de Águas do Algarve): 17,17% na Barragem de Odelouca, 33,34% na Barragem de Odeleite e 29,30% na Barragem do Beliche.

A seca no Algarve constitui uma realidade inquietante, exigindo a implementação imediata de medidas com o intuito de preservar os recursos hídricos e assegurar um futuro próspero para esta região.

Uma das medidas adotadas em relação à seca na região do Algarve foi proposta pelo Governo por meio da construção de uma unidade de dessalinização localizada no concelho de Albufeira.

O presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Pina, destacou publicamente que a referida dessalinizadora terá a capacidade de suprir até um terço das necessidades de água no âmbito ciclo urbano.

Este projeto, cujo custo inicialmente estimado era de 40 milhões de euros, está previsto para alcançar aproximadamente 50 milhões de euros, atualmente. A generalidade do financiamento será proveniente do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e espera-se que a unidade de dessalinização seja capaz de produzir até 24 hectómetros cúbicos de água.

Agora para os menos entendidos na matéria...

Uma unidade de dessalinização é um sistema que utiliza processos para eliminar o sal e outras substâncias indesejáveis da água proveniente do mar ou de outras fontes com salinidade, tornando-a adequada para o consumo humano, bem como para a utilização na agricultura e indústria.

Existem diversos métodos de dessalinização, no entanto, a técnica prevalente é a osmose reversa. A osmose reversa é um método que se baseia no uso de membranas semipermeáveis, as quais permitem a passagem seletiva de moléculas de água, impedindo a passagem de outras partículas. Como já referido anteriormente, este processo envolve a aplicação de pressão à água salgada gerando uma diferenciação de concentração de sal entre os dois lados da membrana. Como resultado, o sal e outras impurezas são retidos no lado da água salgada, enquanto a água purificada atravessa a membrana.

E o que acontece à água que não é purificada?

A água residual salgada resultante do processo de osmose reversa é geralmente descartada de maneira “controlada”, sendo libertada em corpos de água ou sistemas de esgotos, com uma concentração maior de sais, podendo ter efeitos negativos na biodiversidade.

Perante a crescente aproximação da região do Algarve à categoria de seca extrema, torna-se necessário considerar algumas opções visando a obtenção de água sendo a construção da dessalinizadora uma delas. No entanto, é essencial refletir sobre os diversos efeitos que este projeto trará como os custos elevados associados à sua construção, mas também à manutenção, o impacto ambiental, o potencial risco de contaminação química, a dependência de recursos hídricos marinhos e o impacto potencial sobre a vida marinha.

No Algarve, existem outras opções que podem ser empreendidas em relação ao cenário de escassez hídrica que a região atravessa, das quais destaco a importância da promoção de campanhas de sensibilização para a poupança de água, a implementação de programas de reutilização de águas pluviais para fins agrícolas, o incentivo da utilização de equipamentos eficientes no consumo de água, a gestão eficiente de recursos hídricos em atividades exigentes no consumo de água, o investimento em técnicas de sistema de irrigação eficientes na agricultura e nos campos de golfe e a promoção da reflorestação e da conservação de aquíferos (atentando ao aquífero Querença-Silves).

Ademais, o Comité das Regiões Europeu divulgou um documento intitulado “Pacto Ecológico a Nível Local”, o qual apresenta um conjunto de medidas para a gestão do abastecimento de água e onde o mesmo sugere melhorar os sistemas de irrigação na agricultura, promover os espaços de retenção hídrica, ampliar as zonas verdes nos municípios, desenvolver sistemas de alerta precoce e sensibilizar a população para o consumo de água.

A implementação de uma estratégia intermunicipal no combate à seca é de fundamental importância, uma vez que a escassez hídrica não reconhece fronteiras administrativas. A colaboração entre municípios possibilita a partilha de recursos, conhecimentos e experiências, fortalecendo a capacidade coletiva de enfrentar os desafios impostos pela seca e de garantir o acesso de todos os concelhos à água. A importância de uma estratégia intermunicipal deverá assentar numa preocupação por parte dos municípios de gerir a condução da água proveniente da unidade de dessalinização, garantindo, deste modo, o acesso equitativo a este bem.

Considerando o custo-benefício relativo à implementação de uma dessalinizadora, torna-se evidente a importância de adotar abordagens que promovam a conscientização da população. Embora a construção de uma dessalinizadora possa representar um investimento significativo, o impacto positivo da sensibilização pode ser substancial e sustentável a longo prazo.

Diante desta realidade, torna-se evidente que a educação desempenhe um papel fundamental para a mudança de comportamento, garantindo a preservação dos recursos hídricos da região do Algarve. A Universidade do Algarve possui uma responsabilidade acrescida nesta temática, tanto na educação para a sensibilização como na formação de profissionais qualificados para atuar no processo de dessalinização a ser construído na região.

Através do conhecimento e da sensibilização, é possível cultivar uma nova mentalidade voltada para a utilização responsável de água, adotando práticas sustentáveis e desenvolvendo soluções inovadoras para garantir um futuro para a região. Este caminho a percorrer é pavimentado pelo poder da educação sendo essencial capacitarmos as gerações presentes e vindouras para a valorização da água.

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