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Natacha Álvaro – Líder da bancada do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Lagos

Natacha Álvaro – Líder da bancada do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Lagos

Na edição de Dezembro de 2020, retomámos a publicação da rubrica «Conheça os políticos da nossa praça», com um conjunto de entrevistas aos líderes das bancadas das forças políticas na Assembleia Municipal de Lagos. Desta vez, a um ano das próximas Autárquicas, a nossa primeira convidada é Ana Natacha Álvaro, eleita pelo Bloco de Esquerda (BE).

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«Infelizmente, ainda vivemos numa sociedade extremamente patriarcal e machista, com repercurssões no quotidiano e na vida das mulheres»

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Quem é Ana Natacha Álvaro?

Ana Natacha Duarte Álvaro nasceu a 14 de Dezembro de 1984 (36 anos), em Lagos, onde continua a residir. É solteira, Licenciada em Jornalismo e Português, com Mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa. Já trabalhou em Restauração, Cafetaria, Recepção, como Vendedora de Loja, e Docente de Português. Em termos de trajecto político, destacam-se as funções de Coordenadora de Concelhia de Lagos do Bloco de Esquerda de Lagos e Membro da Assembleia Municipal de Lagos.

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Curiosidades com respostas rápidas

Passatempos – Consumo de Arte.
Prato favorito – «Ando a descobrir os prazeres da cozinha vegetariana».
Bebida predileta – «Depende do estado de espírito».
Destino de férias de sonho – Patagónia.
Clube do coração – "Clube dos Poetas Mortos".
Livros marcantes – Frantz Fanon, "Os Condenados da Terra"; Amin Maalouf, “As Identidades Assassinas”; Gayatri Chakravorty Spivak, "Pode o subalterno falar?"; Judith Butler, "Problemas de género".
Filmes memoráveis – Mais recentes: "I, Daniel Blake", Ken Loach e Laura Obiols; "Bacurau", Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles; "Cafarnaum", Nadine Labaki.
Referências políticas – Noam Chomsky, Francisco Louçã e Marisa Matias.

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«No meu caso, em relação à militância no BE, aconteceu a partir do envolvimento no movimento estudantil»

Correio de Lagos – Desde logo, como surgiu o “bichinho” pela política, e por que razão se candidatou pelo BE?
Natacha Álvaro –
Acho que o bichinho vai crescendo à medida que nós também vamos crescendo, enquanto cidadãos e em paralelo com o aumento da nossa consciência da importância que todos temos na sociedade. No meu caso, em relação à militância no BE, aconteceu a partir do envolvimento no movimento estudantil, enquanto aluna no Ensino Superior. Começou com grupos de discussão de variados temas, preparação de programa e lista para a Associação Académica, manifestações estudantis, até à minha identificação com o trabalho levado a cabo pelo Bloco de Esquerda e vontade de aderir como militante em 2005. A candidatura pelo BE à Assembleia Municipal de Lagos acontece no momento em que volto a viver em Lagos permanentemente, tendo em conta que somos um grupo de trabalho pequeno e uma das nossas convicções é a questão da rotatividade, fez sentido que fosse eu a candidata na altura.

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«O que me preocupa nesta região é a forma como se vai monopolizando o poder, que é na verdade uma estratégia transversal a qualquer gestão»

CL – É a mais jovem na Assembleia Municipal e acrescenta peso ao número de mulheres. Como é que vê a juventude na Política e como avalia apenas 9 rostos femininos entre 25 membros neste órgão deliberativo?
NA –
A juventude na política é sempre uma questão que vem com rasteira, porque temos sempre aquela falsa sensação de que as gerações abaixo da nossa são sempre menos activas e conscientes a nível Político, do que a nossa, não é?! Mas a verdade é que os contextos de cada um geram sempre o activismo social de cada um e de cada uma, e as causas que prevalecem consoante o contexto constroem o interesse e a dedicação dos jovens. Embora me pareça que o que temos neste momento é a coabitação de extremos: uma parte significativa da juventude muito envolvida em diversos movimentos (Ambiente, LGBTI+, direitos dos animais, etc.) e outra parte completamente desinteressada e desligada de tudo o que são questões fora das suas bolhas. Se calhar é sempre assim e é o tal falso juízo da geração mais velha a olhar para a mais nova. Em relação à representatividade feminina, não tenho a menor dúvida de que já somos 9 entre 25 graças à obrigatoriedade da paridade, e não porque a população portuguesa percebeu que as capacidades e competências de cada um/a não estão directamente relacionadas com o género. Infelizmente, ainda vivemos numa sociedade extremamente patriarcal e machista, com repercussões no quotidiano e na vida das mulheres. Estamos longe de viver numa sociedade com igualdade de oportunidades e condições para mulheres e homens. E enquanto não tivermos todos disponibilidade e vontade de nos pormos no lugar do outro e perceber quão diferente e difícil é estar em determinados lugares, não vamos resolver este, nem outros problemas de desigualdade que temos. E com os ventos que por aí andam, que potenciam o ódio e a culpa do outro, em vez de potenciarem a compreensão e a colaboração, o caminho ainda se torna mais longo. De qualquer forma, espero que estas 9 em 25 aumentem já no próximo ano e não diminua… E espero que as novas gerações se envolvam cada vez mais, precisamos de caras novas na política.

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«A candidatura pelo BE à Assembleia Municipal de Lagos acontece no momento em que volto a viver em Lagos permanentemente. Tendo em conta que somos um grupo de trabalho pequeno e uma das nossas convicções é a questão da rotatividade, fez sentido que fosse eu a candidata na altura»

CL – Já cumpriu o terceiro ano deste mandato. Que balanço faz desta experiência? Está disponível para continuar o seu percurso na Política local?
NA –
O trabalho autárquico é um trabalho difícil para principiantes e para bancadas só com uma eleita, que foi o meu caso e o dos anteriores eleitos pelo BE. Entrar na dinâmica da Assembleia Municipal, ler e compreender desde decretos a projectos, ter de dar conta dessa leitura (às vezes) em quatro dias, aprender a fazer requerimentos, moções e por aí fora, é um desafio. Porque, independentemente do apoio que possamos ter, há muito trabalho que tem de ser feito só por nós, basta pensar na quantidade de horas de leitura. Leva tempo entrar no ritmo e vão surgindo sempre coisas novas para aprender e dar resposta, mas tem sido uma aprendizagem produtiva. No caso da Assembleia Municipal de Lagos, acresce a adversidade da maioria absoluta do PS. Como deve imaginar, é bastante desmotivador para a oposição ter consciência de que não há a possibilidade de impedir nada que seja proposto pela bancada do PS, assim como, nalgumas situações, é difícil ver aprovadas propostas da oposição, mesmo que tenha o voto favorável de toda a oposição. Espero que nas próximas Autárquicas o resultado seja mais equilibrado, porque é saudável para a democracia o contributo de todos e a possibilidade de confronto de ideias e debate de alternativas. No que diz respeito ao meu percurso na Política local, considero que começou em 2009 e não quando fui eleita, o que quer dizer que continuará, independentemente das próximas Eleições Autárquicas.

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«Estamos longe de viver numa sociedade com igualdade de oportunidades e condições para mulheres e homens»

CL – O BE parece pouco activo em Lagos. Que medidas estão em marcha para angariar mais militantes e simpatizantes, e consequentemente alcançar mais votos e mais representantes nos diversos órgãos autárquicos?
NA –
O BE tem um problema, que considero ser um problema nacional e não local ou distrital, que é a quantidade de simpatizantes que se mantêm simpatizantes. A concelhia de Lagos pouco tem crescido no que diz respeito a novos militantes, no entanto tem aumentado sempre o número de votos nas eleições. Daí a teoria dos simpatizantes. E é esta a realidade desde que o núcleo do BE foi iniciado em Lagos, ou seja, o grupo de trabalho inicial não tem tido a renovação que desejávamos, temos agora em Dezembro eleições de Concelhia e Distrital, pode ser que tragam as mudanças que precisamos para que a realidade mude.

CL – Como avalia a gestão socialista e quais as principais propostas do Bloco de Esquerda para melhorar Lagos?
NA –
Se me permite, o meu comentário negativo à gestão socialista vai para a gestão socialista de quase duas décadas. O que me preocupa nesta gestão é a forma como se vai monopolizando o poder, que é na verdade uma estratégia transversal a qualquer gestão de poder, na maior parte dos casos. O argumento (bastante recorrente na AML) de que têm maioria absoluta, logo representam a vontade da maioria da população é válido e democrático, como é óbvio, o problema é o aumento de poder e influência que se vai consolidando em órgãos e instituições que compõem o chamado poder local. Sabemos que é este o problema de maiorias de longa duração, e é este o problema do nosso sistema, porque às tantas esmiuçando as coisas vamos percebendo que os poderes de decisão vêm de um núcleo muito restrito. E, atenção, que não tenho dúvidas que o sistema democrático é o melhor sistema político que conseguimos conceber até hoje, é o sistema político que quero continuar a ter, mas de facto tem falhas, como tudo e todos, e uma das falhas é esta… Permitir que os peões se espalhem pelo tabuleiro ao ponto de monopolizarem o jogo, quando é imprescindível a diversidade, a oposição, a alternativa para se chegar a soluções melhores. Em relação à gestão socialista do último mandato, que foi a que acompanhei de mais perto, parece-me que têm feito um bom trabalho em várias áreas, nomeadamente a questão do equilíbrio financeiro, a preocupação com o planeamento estratégico do que aí vem com as alterações climáticas e o problema da água, o apoio social, o atendimento alargado a diversas áreas ao cidadão como o gabinete de apoio à vítima, e agora o programa Lagos Apoia. Claro que não concordo totalmente com algumas estratégias e defendo uma agenda com algumas prioridades diferentes, mas reconheço que mesmo para quem está no poder não é possível tomar todas as medidas e iniciativas que se identificam como necessárias, há sempre condicionantes. No que diz respeito às nossas propostas, temos como principais focos: a sustentabilidade ambiental, económica e social, que é um mundo que abarca propostas que vão desde a questão da descarbonização da economia e da sociedade (mudança das fontes de energia dos transportes e edifícios; alterações no conforto térmico nas habitações; fiscalização e combate às fontes de poluição, etc.) a estratégias de emprego que fujam à sazonalidade; os direitos sociais, nomeadamente o alargamento dos serviços de saúde prestados no nosso município, assim como o problema do acesso à habitação e a questão da mobilidade; e o património ambiental e cultural, a necessidade constante de investir na sua preservação.

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«A concelhia de Lagos pouco tem crescido no que diz respeito a novos militantes. No entanto, tem aumentado sempre o número de votos nas eleições»

CL – Que mensagem pretende deixar aos lacobrigenses, neste tempo conturbado provocado pela Covid-19?
NA –
É um tempo estranho para todos nós, ninguém estava preparado para uma pandemia, para readaptações quinzenais, para distanciamento social, e para mais uma crise económico-social. Da pior maneira, percebemos quão imprescindível é reforçar e fortalecer sectores-chave da nossa sociedade, porque ficamos todos vulneráveis em momentos de crise. Espero que sirva a longo prazo para percebermos quais as alterações estruturais e de consumo em que temos de investir, nomeadamente o SNS e os direitos dos trabalhadores. E para percebermos que vivemos em sociedade e precisamos todos da colaboração de todos. Parece-me que ainda vamos ter longos meses pela frente, com necessidade de novas e mais medidas para ultrapassarmos a crise sanitária e anos para recuperarmos da crise económico-social. Gostava de reforçar o alerta, que já tive oportunidade de fazer num artigo publicado neste jornal, para a questão do populismo. Vivemos tempos de desespero e desesperança e isso abre espaço a discursos populistas, pouco realistas e até antidemocráticos, espero que a população não se deixe levar nessa onda e tenha consciência dos perigos que daí advêm, porque basta estar atenta às contradições constantes desses discursos para perceber que não são representantes com intenções sérias.

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Carlos Conceição

José Manuel Oliveira

Marta Ferreira

In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº362 · DEZEMBRO 2020

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