O progresso na eliminação do casamento infantil tem abrandado, especialmente na África Subsariana, que está a mais de 200 anos de acabar com esta prática. No Sul da Ásia, apesar dos progressos, 1 em cada 4 mulheres jovens casa antes do 18º aniversário.
Apesar da queda constante do casamento infantil na última década, várias crises, incluindo conflitos, alterações climáticas e consequências da COVID-19, estão a ameaçar inverter as melhorias obtidas nos últimos cinco anos, de acordo com um o relatório divulgado hoje pela UNICEF.
“O mundo está envolvido em crises sucessivas que estão a esmagar as esperanças e os sonhos de crianças vulneráveis, especialmente de raparigas que deviam ser estudantes e não noivas”, refere Catherine Russell, Diretora Executiva da UNICEF. “As crises de saúde e económicas, o agravamento de conflitos armados e os efeitos devastadores das mudanças climáticas estão a forçar as famílias a procurar um falso sentido de refúgio no casamento infantil. Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir que os seus direitos à educação e vidas empoderadas sejam assegurados.”
Beatriz Imperatori, Diretora Executiva da UNICEF Portugal, alerta para a persistência de casamentos infantis em todo o mundo, incluindo na Europa e em Portugal: “É necessário continuar e reforçar os esforços para prevenir e combater esta realidade, pois os casamentos precoces ou forçados têm graves consequências para o desenvolvimento humano, social e cultural das raparigas menores, aumentando o risco de perpetuação de ciclos de pobreza. Para eliminar esta prática em Portugal, é crucial eliminar todas as exceções na lei que permitem casamentos antes dos 18 anos. O envolvimento de vários setores do Estado e da sociedade civil é fundamental para esta causa.”
O relatório da UNICEF indica que existem, atualmente, cerca de 640 milhões de mulheres que casaram na infância, o que corresponde a uma média de 12 milhões de casos por ano. Embora a percentagem de mulheres jovens deste grupo tenha diminuído de 21% para 19% nos últimos cinco anos, esta redução tem sido mais lenta na África Subsariana. Apesar dos progressos, ainda é necessário que as reduções globais sejam 20 vezes mais rápidas para alcançar o objetivo de desenvolvimento sustentável de erradicar o casamento infantil até 2030.
A África subsaariana – que atualmente representa a segunda maior proporção global de casamentos infantis (20%) – está a mais de 200 anos de acabar com esta prática. O rápido crescimento populacional, juntamente com as crises em curso, parecem estar a contribuir para o aumento do número de casamentos infantis, o que contrasta com as reduções esperadas noutras partes do mundo.
A América Latina e as Caraíbas também estão a ficar para trás e a caminho de ter o segundo nível regional mais elevado de casamento infantil até 2030. Depois de períodos de progresso constante, o Médio Oriente e o Norte de África, assim como a Europa Oriental e a Ásia Central, também estagnaram.
Segundo o relatório, o Sul da Ásia continua a liderar a redução global do casamento infantil e está a caminho de eliminá-lo em cerca de 55 anos. No entanto, a região ainda abrange quase metade (45%) das noivas infantis do mundo. Apesar de a Índia ter registado um progresso significativo nas últimas décadas, ainda representa um terço do total global.
As raparigas que se casam na infância enfrentam consequências imediatas e ao longo da vida: têm menos probabilidade de permanecer na escola e enfrentam um risco aumentado de gravidez precoce, o que aumenta o risco de complicações de saúde infantil e materna e de mortalidade. Esta prática pode também isolá-las da família e amigos e excluí-las da participação nas comunidades, afetando gravemente a sua saúde mental e o seu bem-estar.
Em todo o mundo, as crises, incluindo conflitos, desastres naturais relacionados com o clima e os atuais impactos da COVID-19, estão a contribuir para o aumento dos fatores que impulsionam o casamento infantil. Além disso, estas crises também dificultam o acesso das raparigas aos cuidados de saúde, à educação, aos serviços sociais e ao apoio comunitário que as protegem do casamento infantil. O aumento da pobreza, os choques relacionados com os rendimentos e o abandono escolar são alguns exemplos destes fatores.
Consequentemente, as raparigas que vivem em ambientes frágeis têm duas vezes mais probabilidades de se tornarem crianças-noivas do que a média das raparigas a nível mundial, segundo o relatório. Por cada aumento de dez vezes nas mortes relacionadas com conflitos, há um aumento de 7% no número de casamentos infantis. Ao mesmo tempo, os fenómenos meteorológicos extremos provocados pelas alterações climáticas aumentam o risco para as raparigas, sendo que cada desvio de 10% na precipitação está associado a um aumento de cerca de 1% na prevalência do casamento infantil.
Os progressos obtidos na última década para erradicar o casamento infantil estão também a ser ameaçados – ou mesmo invertidos – pelos atuais impactos da COVID-19, alerta o relatório. Estima-se que a pandemia já tenha reduzido em um quarto o número de casamentos infantis evitados desde 2020.
No âmbito da prevenção e combate aos casamentos infantis, a UNICEF Portugal reforça as seguintes recomendações:
- Adotar as medidas legislativas necessárias para que nenhuma criança possa contrair casamento, estabelecendo como idade mínima os 18 anos, em qualquer caso.
- Assegurar que são tomadas todas as medidas para que as entidades competentes tenham informação e conhecimento para aplicar as mudanças legislativas, a fim de estas se tornarem efetivas.
- Integrar o compromisso de combater o casamento infantil em estratégias e planos nacionais, no sentido de assegurar a sustentabilidade das medidas e o investimento necessário.
- Criação de um grupo interministerial, de carácter transitório e temporalmente limitado, responsável por adotar um plano nacional multissetorial.