Hotspot de biodiversidade no Atlântico Norte precisa de maior proteção
O que leva uma ave marinha a fazer uma viagem de 12 mil quilómetros enquanto a sua parceira está no ninho a incubar o ovo? Ou uma cagarra a voar 5000 km para Norte, quando vai migrar para África? A resposta chama-se NACES, e é uma área do Atlântico Norte que atrai milhões de aves marinhas. Na semana em que se comemoram o Dia Mundial do Ambiente (5 de junho) e o Dia Mundial dos Oceanos (8 de junho), a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) apela aos cidadãos para ajudarem a garantir que este “restaurante predileto” das nossas aves marinhas recebe a proteção necessária.
No meio do Atlântico Norte, entre o Reino Unido, o Canadá e a Gronelândia, as correntes marinhas convergem, criando condições oceanográficas únicas que tornam esta zona rica em peixes e lulas que durante o dia habitam zonas profundas do oceano (entre os 200m e os 1000m de profundidade), e à noite vêm à superfície. Os cientistas acreditam que é esta abundância de alimento que atrai as aves marinhas. Estudos em que os investigadores equiparam aves com pequenos aparelhos que lhes permitem seguir remotamente os seus movimentos mostram que, quando estão na NACES, as cagarras alteram os seus hábitos, passando a alimentar-se mais durante a noite – presumivelmente para aproveitarem essa fartura.
Os cientistas estimam que cerca de 54 mil cagarras usem esta área. As cagarras das Selvagens (no arquipélago da Madeira) e da Berlenga usam a área sobretudo fora da época de reprodução. Algumas migram para lá e ficam vários meses, voltando depois às nossas ilhas para se reproduzir no ano seguinte. A maioria, no entanto, passa lá apenas umas semanas durante a migração, antes de seguir para sul. Para as muitas cagarras das Selvagens, esta paragem implica um desvio de 5000km, o que demonstra bem a importância da área. Já as cagarras dos Açores, que estão mais perto, visitam também o “restaurante” NACES durante a época de reprodução. Impressionantemente, também aves marinhas mais pequenas fazem viagens frequentes a esta zona durante a época de reprodução. É o caso das almas-negras, freiras-da-madeira e freiras-do-bugio, que deixam os parceiros no ninho no arquipélago da Madeira e vão ali ao Atlântico Norte alimentar-se, numa das viagens de incubação mais longas do mundo: o máximo registado para a freira-do-bugio foram 12000km!
Mas não são só as aves a viajar até à NACES. Aqui, convergem com baleias, tubarões e uma enorme diversidade de outras espécies. Um estudo da BirdLife International (da qual a SPEA é o membro português) mostrou que esta área é usada por mais de 5 milhões de aves marinhas – a maior concentração de aves alguma vez documentada em alto mar. Dada a sua importância para a biodiversidade, em 2021 a NACES foi designada como área marinha protegida ao abrigo da convenção OSPAR. Mas essa proteção ficou-se apenas pela superfície – literalmente.
O fundo do mar não está incluído na proteção da área. Um risco grave, pois os ecossistemas do fundo do mar são cruciais para a cadeia alimentar de que todas as espécies dependem. Sem proteção legal adequada, corre-se o risco de que o fundo do mar seja alterado ou destruído por atividades humanas como a mineração, desencadeando reações em cadeia que vão ameaçar espécies até à superfície.
“Se o fundo do mar for destruído, não há proteção de superfície que valha – todo o ecossistema será afetado”, salienta Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA.
Para garantir a proteção de toda a NACES, desde a superfície até ao fundo do mar, a SPEA junta-se à BirdLife num apelo aos cidadãos para que assinem uma petição rogando às autoridades internacionais que estendam a definição da área marinha protegida para incluir o fundo marinho. A petição, que já angariou quase 10000 assinaturas, pode ser encontrada em www.protectnaces.com
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