Vacinação de adultos: a próxima prioridade em saúde pública

José Albino, Presidente da RESPIRA e do Movimento Doentes pela Vacinação (MOVA)
Quando pensamos na vacinação de adultos, falamos de um assunto geralmente fragmentado, específico para cada doença e que não tem a estrutura universal que se encontra nos programas pediátricos, onde existe uma calendarização que torna mais fácil o seu cumprimento. Numa altura em que assinalamos os 60 anos do Plano Nacional de Vacinação, talvez seja o momento de acompanhar a evolução da ciência e da medicina, que nos oferecem cada vez mais vacinas dirigidas a faixas etárias mais altas, para criar um Programa Nacional de Vacinação para os adultos.
No quadro de execução da Agenda Europeia de Imunização 2030, uma das prioridades definidas é exatamente a integração das vacinas no curso de vida, ou seja, apostar no desenvolvimento ou na atualização de políticas de imunização que visem reforçar este tipo de abordagens, proporcionando imunização que vá além dos primeiros anos de vida.
O que está aqui em causa não são apenas recomendações para as populações mais vulneráveis, como os idosos ou os doentes crónicos, mas o desenvolvimento de um calendário para a vacinação ao longo do ciclo de vida, algo que já existe em alguns países europeus, alinhados com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que considera a imunização “fundamental para os cuidados de saúde primários, um direito humano indiscutível e um dos melhores investimentos em cuidados de saúde que o dinheiro pode comprar”.
A principal vantagem de um plano estruturado de vacinação para adultos começa pelos benefícios em termos de saúde. Sabemos que o negacionismo tem conquistado adeptos nos últimos tempos, e que são cada vez mais os que negam aquilo que é uma evidência científica, mas os factos devem falar sempre mais alto do que as crenças, sobretudo as infundadas. E o que os dados já nos confirmaram, inúmeras vezes, é que a maioria das doenças, hospitalizações, incapacidades e até mortes por doenças que podem ser prevenidas através de vacinas acontecem na população adulta. Ou seja, o primeiro benefício é a proteção da saúde, ao qual estão associados vários outros.
Só com saúde é que os adultos podem trabalhar e contribuir para a economia e sociedade, saúde que os protege a eles, mas também àqueles de quem mais gostam, ao prevenirem a transmissão de uma doença grave, assim como de complicações mais sérias relacionadas com a saúde, o que, por sua vez, custa tempo e dinheiro. E reduzem ainda os riscos associados a outros problemas, como a diabetes, doenças cardíacas e pulmonares, que aumentam o risco de desenvolvimento de doenças graves devido a infeções, mais uma vez preveníveis pela vacinação.
Ou seja, colocamos a tónica na prevenção das doenças em vez de no seu tratamento, que é um modelo cada vez mais defendido, sobretudo tendo em conta as questões associadas à sustentabilidade dos serviços e à capacidade e resiliência do sistema, com a vacinação a ajudar a aliviar a procura excessiva. Porque prevenir uma doença evitável através de uma vacina evita gastos.
O que se trata aqui é de uma aposta na saúde, e tendo em conta que, de acordo com o Adult Immunization Board, um grupo independente e multidisciplinar de peritos europeus que fornece orientação baseada em evidências e aconselhamento estratégico para reduzir o impacto das doenças preveníveis por vacinação em adultos europeus, estavam autorizadas, em abril de 2025, 87 vacinas contra 30 doenças infecciosas para adultos na União Europeia, o potencial é enorme. Todas estas vacinas podem ser usadas em programas de vacinação de rotina para adultos, para compensar vacinações perdidas na infância ou adolescência, para reduzir o risco pessoal - como aquelas indicadas na gravidez para proteger o recém-nascido e/ou a mãe, para doenças ou estilos de vida específicos, entre outras.
Ou seja, criar um Programa Nacional de Vacinação para adultos não é apenas uma questão de alinhar Portugal com as melhores práticas, mas num país que tem uma das populações mais envelhecidas da Europa, ignorar a vacinação ao longo do ciclo de vida é desperdiçar uma oportunidade para proteger quem mais precisa, reduzir a pressão sobre os serviços de saúde e promover uma sociedade mais saudável e produtiva. Sessenta anos depois da criação do Programa Nacional de Vacinação, que transformou a saúde infantil em Portugal, está na hora de completarmos o ciclo e garantirmos que a proteção conferida pelas vacinas acompanha os portugueses em todas as fases da vida.