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Quem eram os dois assassinos de D. Carlos, o nosso penúltimo Rei de Portugal?

Quem eram os dois assassinos de D. Carlos, o nosso penúltimo Rei de Portugal?

Lisboa, 1 de fevereiro de 1908. O Terreiro do Paço, coração do poder régio, transformou-se subitamente em palco de um dos episódios mais dramáticos da nossa História. Ao cair da tarde, a carruagem aberta que transportava a família real, regressada de Vila Viçosa, seguia em direção ao Paço das Necessidades. O povo, curioso mas indiferente à solenidade, assistia ao cortejo. De repente, dois homens emergiram da multidão e dispararam contra D. Carlos I e o príncipe herdeiro Luís Filipe. O rei morreu quase de imediato, o príncipe ainda resistiu algumas horas, e a monarquia portuguesa nunca mais se recompôs.

Os assassinos tinham nomes: Manuel Buíça e Alfredo Luís da Costa. Não eram marginais isolados, mas militantes de uma causa política. Eram membros do movimento republicano e anarquista, envolvidos em sociedades secretas que contestavam o regime monárquico e o seu alegado despotismo. Buíça, antigo sargento do exército e professor primário, era conhecido pela pontaria certeira e pelo fervor revolucionário. Alfredo Costa, tipógrafo e propagandista republicano, fazia parte da elite conspirativa que acreditava ser necessária a eliminação da família real para abrir caminho à República.

Curioso é notar como ambos viveram vidas discretas até ao dia fatal. Buíça, homem culto, frequentava cafés lisboetas onde se discutia política e literatura, mas também conspirava. Alfredo Costa, ligado à imprensa clandestina, movia-se no submundo de panfletos e reuniões secretas. Nada neles revelava o peso histórico que iriam carregar. E, contudo, os dois ficaram para sempre ligados ao fim da monarquia constitucional.

O regicídio não foi apenas o gesto de dois homens exaltados. Representou o culminar de uma década de crise política, marcada pelo descrédito das instituições, pelo peso da dívida externa e pelas divisões entre monárquicos e republicanos. O governo de João Franco, que procurava impor ordem com mão-de-ferro, radicalizou ainda mais os opositores. Nesse caldo explosivo, Buíça e Costa transformaram-se em símbolos de uma revolução que, dois anos mais tarde, culminaria com a proclamação da República.

Mas desde cedo houve quem suspeitasse que Buíça e Costa não agiram sozinhos. Figuras da elite política e militar da época foram apontadas como inspiradoras ou cúmplices indiretos. O nome do próprio Afonso Costa, líder republicano e futuro chefe do Governo, circulou em rumores, embora nunca tenha havido provas concretas da sua participação direta. Outros olhares recaíram sobre José Relvas, conspirador de primeira linha na revolução de 1910, e sobre dirigentes do Partido Republicano que terão fechado os olhos às maquinações conspirativas. Para muitos historiadores, o regicídio foi menos o ato isolado de dois radicais e mais o resultado de uma rede subterrânea que incluía deputados, jornalistas e maçons, todos interessados em derrubar a Coroa.

Não menos intrigante foi a sombra de cumplicidade dentro das próprias instituições monárquicas. Vários cronistas da época insinuaram que altos oficiais descontentes, alguns deles afastados pelo governo de João Franco, terão tido conhecimento prévio do atentado e optado pelo silêncio. Havia generais e políticos que viam em D. Carlos um rei demasiado tolerante com os excessos autoritários do seu primeiro-ministro, e para quem a morte do monarca poderia abrir caminho a um novo equilíbrio de forças. Nunca se encontrou prova cabal, mas o certo é que o atentado foi de uma ousadia impossível sem alguma cobertura invisível. Por isso, mais de um século depois, permanece a dúvida: o regicídio foi obra de dois homens de pistola em punho, ou o golpe final de uma conspiração onde se cruzaram republicanos, dissidentes monárquicos e interesses ocultos da elite portuguesa?

Hoje, passados mais de cem anos, continua a ser legítimo perguntar: foram assassinos ou mártires? Para a História, a resposta é clara: mataram o nosso penúltimo rei. Mas a sua memória ficou inscrita no imaginário político português como peças de um xadrez maior, onde o destino da nação se jogava entre tradição e mudança.

No Terreiro do Paço, onde o sangue real se misturou com o pó das ruas de Lisboa, nasceu o ocaso da monarquia. E foi pela mão de dois homens comuns, que a História tornaria incomuns, que Portugal se encaminhou para a República.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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