Artigo de Opinião de Domingos Pestana, poeta.
- Implacável o invisível vírus, paira no ar respirável, contagia, só ao microscópio detectado, utensílio inventado no séc. XVI., apto a descortinar num corpo, que há mais células de micróbios que células humanas.
- Foi em Abril de 2020 que lhe surgiu a dor aguda no baixo-ventre.
- Observado num hospital particular e apesar de análises, nada se conclui.
- Insistiu em nova consulta noutro clínico, mas sem conclusão efectiva.
- Em ambos os casos, prescritos medicamentos que atenuaram a algia.
- Recorreu a uma médica do SNS, observando-o designou um caso de enteralgia, prescrevendo ecografia na parede abdominal.
- O resultado radiológico, lê hérnia inguinal direita.
- Esta médica em face do relatório, solicita consulta em hospital público.
- Ali um médico-cirurgião, dá o veredicto “Avaliação pré-operatória para tratamento de hérnia inguinal em cirurgia ambulatória, perfil C”.
- Estamos em Novembro, a pandemia grassa no sul de Portugal, na Europa e pelo Planeta, afectando o pobre, o rico, o analfabeto, o iletrado e o sábio.
- Seguiram-se consultas pré-operatórias, até meados de Fevereiro entre elas, anestesiologia, análises, rx e ecg, com alguns percalços administrativos no agendamento entre convocatórias, a cada consulta, o enfermo relata, as patologias, e a medicação.
- Meado de Março, recebe email do SNS lendo: irá receber no início de Abril um vale cirurgia, para contratualizar um de três hospitais convencionados.
- Decorrido um ano, as espectativas antecipam sonhos por uma operação.
- É Abril, e para seu alvoroço, passado uns dias informam de que o famigerado vale cirurgia tinha sido cancelado, devido ao que dizem, ausência de verba para o sustentar.
- Todavia, logo no início de Maio recebe um telefonema do SNS, sobre uma consulta pré-operatória, dai a duas semanas e que a operação está agendada para final do mês.
- De novo observado atentamente por um cirurgião, que em breve inspecção, reconfirma anteriores, o dia D aproxima-se.
- Informam de que na véspera deverá ter até às 18H uma refeição leve e muitíssimo importante abster-se de beber qualquer líquido, o que cumpriu.
- Assim foi num dia 28 de Maio, 95 anos passados do golpe militar que acaba com a 1a República, que criou a Escola Pública, inexistente até então, a conspiração militar percursora da ascensão de A.O.S. e da longa noite de fascismo salazarento, e que só nos anos de 1927 e 1939, exilou e deportou cerca de quinze milhares de presos políticos, não contando com outros até ao 25ABR74.
- O seu processo, além do código de barras, ostenta o número 07114521, agregando a informação atinente. Lembrar que o número surgido no bilhete de identidade de qualquer cidadão a nível planetário, principiou após a revolução francesa em 1789.
- Pela manhã do almejado dia, surge no local indicado aguardando numa sala três longas horas até ser encaminhado para a enfermaria, atribuída a cama 21 mesmo ao lado da enorme janela cuja vista panorâmica abrange o casario e lá ao fundo no horizonte o oceano onde desagua o rio Arade e a costa de ouro resplandece, designação do insigne Manuel Teixeira Gomes.
- Uma bata de plástico amarelo, uma touca em rede branca, uma esponja com um anti-séptico e uma toalha de banho e um par de meias elásticas são entregues como antecipado troféu, com ordem de ir tomar banho, e uma máquina para depilar a zona.
- Colocam no braço direito uma pulseira de plástico com o número processual e no esquerdo um cateter, onde escorre soro de um saco maleável suspenso num articulado preso à cama, além de avaliada a tensão arterial e temperatura, por um enfermeiro.
- Mais tarde o cirurgião aproxima-se e após breve diálogo explicativo, assina um documento ilibando o SNS de possíveis consequências decorrentes da operação, caso omissões do doente.
- O dia decorre na companhia de bandos de andorinhas que esvoaçam vivazes ao redor da janela, algumas pousam no parapeito curiosas pelas luzes no interior da enfermaria, o
homem espera... Mas não desespera, aguardando a sua ida para o bloco.
- Finalmente às 19H45 surge a almejada ordem, é levado na cama que tem rodas, na posição de decúbito, olhando as luzes, os tectos, as paredes que passam instantaneamente, entram no elevador que desemboca na antecâmara do bloco, onde é transferido para a mesa operatória, alvo de perguntas da praxe em contexto próprio, é ligado a um monitor onde são registados os sinais vitais, insuflado por oxigénio, rodeado por um conjunto de senhoras e senhores trajando cores várias, são os peritos, enfermeiras e médicos, armados de uma enorme sabedoria e de um bisturi... É anestesiado e contando até 3 desliga ...
- Ás 22H30 retorna à enfermaria, a janela está fechada, a noite faz o seu caminho silenciosa, dormita e acorda até à madrugada, onde avaliada a tensão arterial e a temperatura por uma enfermeira, dizem que estão normais, adormece, com o soro ainda a percorrer o seu caminho.
- São 08H00 é autorizados a beber um iogurte líquido e água. As andorinhas regressam no seu redopio, alguns pares num estonteante bailado nupcial...
- É inspeccionado pelo médico operador com detalhe, concluindo que o pós-operatório decorreu bem, adianta que terá alta hoje e nova consulta breve.
- Entregam A4 com a Nota de Alta médica, descrevendo a história clínica, a evolução no internamento, proposta de monitorização e tratamento e dados da alta e outra de Enfermaria de ter próprio.
- Dão uma Guia de Tratamento, para o Centro de Saúde da sua área de residência, em dias alternados, mudar o penso simples e após 12 dias serão retirados os pontos, que são afinal 7 agrafes, evitar esforços por 3 semanas.
- Realçar a abnegação, e dedicação (pessoal auxiliar, administrativos, enfermeiros e médicos) numa duradoura simpatia, que se agradece com um grande obrigado, pois são dezenas de doentes por dia, centenas por semana, milhares por ano, cujos cuidados em consultas, tratamentos e operações, são continuados.