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O rei português encarcerado num quarto em Sintra

O rei português encarcerado num quarto em Sintra

Poucos episódios da história portuguesa revelam de forma tão clara o lado sombrio do poder como o cativeiro de D. Afonso VI no Palácio de Sintra. O monarca, que nascera em 1643, reinou durante um período conturbado, marcado por intrigas políticas, desconfiança e disputas familiares. Filho de D. João IV, o primeiro rei da dinastia de Bragança, D. Afonso VI foi afastado do governo ainda em vida, acusado de incapacidade mental e de comportamento impróprio para o exercício da realeza.

Em 1667, o seu próprio irmão, o infante D. Pedro, tomou o controlo do Estado. Pouco depois, foi anulado o casamento de D. Afonso VI com D. Maria Francisca de Saboia, que se viria a casar com D. Pedro. O rei deposto foi então conduzido para Sintra, onde permaneceu encerrado durante quase nove anos, numa das salas do Palácio Nacional.

As condições do seu confinamento foram severas. A vigilância era constante, as comunicações com o exterior estavam limitadas e o antigo soberano viveu praticamente isolado do mundo. O palácio, construído para o lazer da corte, transformou-se num espaço de reclusão. O quarto onde ficou, situado numa das alas mais reservadas do edifício, é ainda hoje identificado pelos visitantes como o “quarto de D. Afonso VI”.

Durante o seu cativeiro, Portugal era governado por D. Pedro, que exercia as funções de príncipe regente e mais tarde assumiria o trono como D. Pedro II. A deposição de D. Afonso VI foi apresentada como uma medida de estabilidade política, mas também traduziu o conflito entre a autoridade formal do rei e o poder real exercido pelos que o rodeavam.

D. Afonso VI morreu em 1683, em Sintra, sem ter recuperado a liberdade nem o trono. O seu corpo foi trasladado para o Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. O episódio marcou profundamente a história da monarquia portuguesa, revelando como o poder, mesmo nas suas formas mais legítimas, podia ser manipulado por interesses de família e de Estado.

Hoje, o quarto onde o rei viveu os últimos anos da sua vida continua a ser um dos espaços mais enigmáticos do Palácio Nacional de Sintra. As paredes guardam o silêncio de um rei que teve tudo e a quem tudo foi retirado. Talvez a sua história seja, afinal, uma lição sobre a natureza do poder e da condição humana: o trono é frágil, a glória é breve e a solidão é o último território onde todos, reis ou súbditos, acabam por se encontrar.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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