O mistério da última morada da Mãe de Jesus

A figura de Maria ocupa um lugar singular na história do cristianismo. O Evangelho de João relata a cena em que Jesus, no Calvário, entrega a sua mãe ao discípulo amado. Essa breve passagem gerou a convicção de que Maria acompanhou João até ao fim da sua vida. O eco dessa tradição ressoou ao longo dos séculos e continua a dividir estudiosos e fiéis.
A cidade de Éfeso, no Mediterrâneo oriental, foi um dos centros mais importantes do mundo romano. Comércio, cultura e religião cruzavam-se nas suas ruas monumentais. Os Padres da Igreja evocam a presença de João na cidade. Se o apóstolo viveu em Éfeso, não parece improvável que Maria, confiada aos seus cuidados, o tenha seguido. O silêncio das fontes diretas não eliminou a força dessa possibilidade.
O século XIX trouxe um episódio decisivo. A religiosa alemã Ana Catarina Emmerich descreveu em visões uma casa simples nas colinas de Éfeso onde Maria teria passado os últimos anos. Missionários franceses, inspirados por essas descrições, encontraram ruínas no monte Bülbüldağ. A população chamava ao local Porta da Virgem. A coincidência entre a visão e o achado conferiu nova vitalidade à tradição.
As ruínas revelaram sinais de construção bizantina. A cronologia aponta para os séculos VI e VII. Nenhum vestígio material remete para o século I. Jerusalém, em contrapartida, apresenta dados mais consistentes. No século V, o bispo Juvenal referiu a existência de um túmulo de Maria no vale do Getsémani. Peregrinos antigos testemunharam essa veneração e a tradição manteve-se viva até aos nossos dias.
A arqueologia favorece Jerusalém. A devoção popular sustenta Éfeso. A chamada Casa da Virgem tornou-se lugar de peregrinação para cristãos e muçulmanos. Papas modernos celebraram ali a Eucaristia e reconheceram a relevância espiritual do espaço.
O mistério dos últimos dias de Maria continua sem resposta definitiva. Jerusalém oferece a consistência das fontes mais antigas. Éfeso guarda o fascínio de uma tradição transmitida pela fé. Dois lugares disputam a última memória da Mãe de Jesus. A incerteza não diminui a sua presença universal que permanece viva entre gerações e atravessa séculos de história.
Professor, Historiador e Autor
Paulo Freitas do Amaral