(Z1) 2025 - CM de Vila do Bispo - Um concelho a descobrir

O chá português que mudou a Inglaterra

O chá português que mudou a Inglaterra

Poucos gestos sociais parecem tão britânicos como o famoso chá das cinco. Ainda hoje, a imagem de uma mesa posta com chávenas de porcelana, biscoitos e o bule fumegante evoca imediatamente a identidade inglesa. Contudo, por detrás dessa tradição, encontra-se a mão discreta de uma princesa portuguesa: D. Catarina de Bragança.

Filha de D. João IV, o monarca que restaurou a independência de Portugal em 1640, D. Catarina foi enviada para Londres em 1662 para casar com Carlos II, o rei que regressara do exílio após a ditadura de Cromwell. A aliança, firmada entre Lisboa e Londres, consolidava o poder da dinastia de Bragança e garantia a Inglaterra importantes vantagens comerciais, incluindo acesso privilegiado aos portos portugueses no Oriente e no Brasil.

Foi nesse mesmo dote régio que viajou também um hábito exótico. D. Catarina, habituada em Lisboa ao consumo de chá que chegava em navios da Carreira da Índia, trouxe para a corte inglesa não apenas a bebida, mas o ritual de o saborear em momentos de pausa e convivência. A aristocracia londrina, fascinada pelos modos da nova rainha, depressa adotou esse costume, que em poucas décadas se transformou em moda nacional. O que começara como capricho da corte tornou-se prática burguesa e, mais tarde, símbolo cultural de toda a Inglaterra.

Não se tratava apenas de beber chá. Era um gesto carregado de significados políticos e sociais: distinção, civilidade, modernidade. Num país em reconstrução após a guerra civil, o ritual do chá oferecia à sociedade inglesa um espaço de encontro e de ordem. À mesa do chá, as mulheres ganharam um protagonismo subtil mas essencial, reforçando o carácter doméstico e social dessa prática.

Curiosamente, a história inglesa do chá tem muito de português. O Oriente onde os ingleses viriam a fundar impérios comerciais já era, desde o século XVI, um espaço familiar aos navegadores portugueses. Macau, Goa ou Malaca tinham sido pontes de ligação entre a Ásia e a Europa, e foi por essas rotas que o chá chegou primeiro a Lisboa. A Inglaterra apropriou-se depois do símbolo, mas a semente inicial fora lançada por uma princesa de Portugal.

É por isso que, por detrás do aparente símbolo da identidade inglesa, ecoa ainda a memória de Catarina de Bragança. A jovem portuguesa, muitas vezes esquecida na história nacional, deixou na Europa um legado inesperado: o mais britânico dos costumes nasceu com sotaque português.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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