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Novas leis que poderiam diminuir o tráfico de drogas em Portugal

Novas leis que poderiam diminuir o tráfico de drogas em Portugal

Portugal tem vindo a ser ultrapassado pelo crime organizado. Enquanto as redes de tráfico se profissionalizam, multiplicando as suas rotas, tecnologias e bases operacionais, o nosso quadro legal continua, em muitos aspetos, anacrónico, permissivo ou simplesmente omisso. Basta comparar com o que se faz em Espanha para percebermos o que ainda não fazemos.

Há poucas semanas, uma operação conjunta entre as autoridades portuguesas e espanholas resultou na apreensão de dezenas de lanchas rápidas, várias toneladas de droga e quase meia centena de detenções. Mas o que passou despercebido a muitos é o detalhe mais relevante: em Espanha, já é crime possuir, fabricar ou armazenar embarcações deste tipo com fim presumido de tráfico. Em Portugal, não. Aqui, o crime só se verifica se a lancha for apanhada em flagrante em pleno tráfico, o que limita profundamente a capacidade de atuação preventiva das autoridades. Quando a lancha está em terra, mesmo que tenha depósitos extra de combustível, motores potentes e estrutura furtiva, o máximo que se consegue aplicar é uma multa administrativa. É este pormenor que explica por que razão os traficantes escolhem cada vez mais o Algarve e o Alentejo para construir e manter a sua frota.

Não é apenas esta omissão legal que nos fragiliza. Portugal continua sem uma lei clara que permita intervir em alto mar sobre embarcações suspeitas registadas com bandeiras de conveniência. Nos últimos anos, vários narcotraficantes foram libertados por decisões judiciais que consideraram ilegais as interceções feitas pela Marinha em águas internacionais, por falta de autorização expressa de jurisdição. Espanha, Itália, França e os Estados Unidos já corrigiram essas falhas com legislação própria, permitindo atuações extraterritoriais desde que haja elementos indiciários fortes. Portugal tarda em agir.

Também se mantém por fazer a criação de equipas especializadas com presença nacional. A recente abertura de uma esquadra da PSP dedicada ao tráfico de droga, em Lisboa, é um bom sinal — mas está longe de chegar. As redes de tráfico operam em Setúbal, Algarve, Porto, Aveiro, Alentejo litoral e Madeira, com ramificações em África e na América Latina. Precisamos de unidades permanentes de combate ao narcotráfico em articulação com a Polícia Judiciária, com poder de investigação, recursos próprios e ligação direta às bases de dados europeias. E precisamos de tribunais especializados, capazes de julgar redes transnacionais com a celeridade, conhecimento técnico e proteção adequada aos magistrados.

Não se compreende igualmente como é que um país com mais de três milhões de quilómetros quadrados de Zona Económica Exclusiva continua a depender de aviões emprestados ou alugados para patrulhar o seu mar. A aquisição de material aéreo de vigilância e de combate ao tráfico devia ser um desígnio nacional. A Força Aérea não pode continuar a operar com meios obsoletos ou insuficientes. E o INEM, que deveria garantir a cobertura médica de todo o território, inclusive marítimo e insular, tem agora helicópteros ao serviço cuja tripulação nem sempre fala português fluentemente — uma consequência dos contratos mal geridos com operadores privados estrangeiros.

A solução não está em discursos moralistas nem em campanhas simbólicas. Está na lei, na investigação, na tecnologia e na soberania. Criminalizar a posse e fabrico de lanchas rápidas, permitir a atuação legal em alto mar, criar unidades especializadas, reforçar os tribunais e dotar o país de meios aéreos próprios — são estas as medidas que faltam para travar, com seriedade, o narcotráfico que cresce debaixo do nosso nariz. Continuar a ignorá-lo é aceitar que Portugal se torne uma das principais portas de entrada da droga na Europa. É um risco que não podemos continuar a correr.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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