Colangite Biliar Primária: do diagnóstico ao tratamento

Artigo escrito por Joana Nunes, Gastrenterologista e Hepatologista no Hospital da Luz, Secretária-Geral da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
O que é a colangite biliar primária?
A colangite biliar primária (CBP) é uma doença autoimune, rara, que afeta sobretudo mulheres entre os 40 e os 60 anos. Anteriormente chamada de cirrose biliar primária, o nome foi alterado porque muitos doentes nunca chegam a desenvolver cirrose.
Na colangite biliar primária, o sistema imunitário ataca as pequenas vias biliares no interior do fígado, que são canais responsáveis por transportar a bílis, uma substância essencial à digestão das gorduras e à eliminação de toxinas. A obstrução destes canais provoca acumulação de bílis no fígado, inflamação, cicatrizes (fibrose) e eventualmente cirrose.
Causas e Fatores de Risco
A causa exata da CBP ainda não é totalmente conhecida. Acredita-se que envolve uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Não sendo uma doença de hereditariedade direta, é mais comum em pessoas com história familiar de doenças autoimunes, como lúpus, tiroidite ou artrite reumatoide.
Sintomas Mais Comuns
Numa fase inicial, a maioria dos casos de colangite biliar primária (CBP) é assintomática. O diagnóstico precoce, antes do aparecimento de sintomas, permite iniciar um tratamento adequado, que vai retardar ou impedir a progressão da doença.
Por outro lado, quando a CBP é diagnosticada numa fase sintomática, há uma maior probabilidade de existir doença hepática avançada e cirrose. Nesses casos, mesmo com terapêutica disponível, há risco de insuficiência hepática e de necessidade de transplante.
Quando estão presentes, os sintomas mais frequentes incluem fadiga intensa, prurido (comichão), especialmente nas mãos e nos pé, boca e olhos secos e icterícia (coloração amarelada da pele e dos olhos).
Como é feito o diagnóstico?
Devemos suspeitar de CBP quando há alteração das análises de rotina do fígado – mais concretamente a fosfatase alcalina (FA), mesmo que sejam alterações ligeiras.
A fosfatase alcalina (FA) surge elevada mesmo em fases precoces da doença, muito antes de qualquer sintoma.
Perante uma elevação da fostatase alcalina, com ou sem elevação de outros valores hepáticos, deve ser realizado o despiste de colangite biliar primária através de uma análise específica: o anticorpo anti-mitocondrial (AMA). Esta análise sanguínea é específica e muito sensível, sendo o marcador perfeito para o diagnóstico desta doença. Na presença de uma FA elevada, um AMA positivo é suficiente para o diagnóstico. Este exame simples pode permitir um diagnóstico precoce e salvar fígados e vidas.
Existe tratamento?
Sim. Embora não haja cura definitiva, a CBP pode ser controlada com medicamentos.
O principal tratamento é o ácido ursodesoxicólico, que ajuda a melhorar o fluxo da bílis e a reduzir a sua acumulação no fígado. Este tratamento oral permite evitar a progressão da doença na maioria dos casos. Quando não há resposta adequada, (30% a 40% dos doentes), existem outras alternativas terapêuticas.
Nos casos em que a doença já é diagnosticada numa fase avançada, em que há falência da função do fígado, pode ser necessário o transplante hepático. Felizmente, atendendo a um diagnóstico cada vez mais precoce em doentes assintomáticos, estes doentes são cada vez mais raros.
Viver com CBP: Qualidade de Vida
Apesar de se tratar de uma doença crónica, sem cura, muitas pessoas com CBP têm uma boa qualidade de vida por muitos anos, principalmente quando a doença é diagnosticada precocemente e tratada corretamente. Outras medidas importantes são uma alimentação equilibrada, evitar o consumo de álcool e manter o peso saudável.
Mensagens chave: qualquer alteração nas análises do fígado deve ser investigada, mesmo em pessoas sem sintomas. Na CBP, a chave para um bom prognóstico está no diagnóstico precoce e seguimento adequado.