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As palavras e conhecimentos que Portugal trocou com o Japão

As palavras e conhecimentos que Portugal trocou com o Japão

Quando, em 1543, os portugueses desembarcaram na ilha de Tanegashima, no sul do Japão, levaram mais do que armas de fogo e tecidos, levaram palavras, sons e ideias. O encontro entre dois mundos tão distantes, um na ponta da Europa e outro no extremo Oriente, gerou uma das mais ricas trocas culturais do século XVI. E foi nas palavras que essa aliança se eternizou.

Durante quase um século, missionários jesuítas e mercadores portugueses foram presença constante nas costas japonesas. Com eles, os japoneses aprenderam não só a manusear o mosquete, que chamaram tanegashima em homenagem ao local do primeiro contacto, mas também a usar novos termos. Calcula-se que cerca de 300 palavras portuguesas entraram então no vocabulário japonês. Algumas mantêm-se vivas até hoje.

O japonês diz pan para pão, botan para botão, koppu para copo, konpeitō para confeito, tabako para tabaco e tempura, essa iguaria que muitos julgam autóctone, tem origem provável em tempero ou temporal, termos usados pelos missionários nas sextas-feiras de abstinência. Até arigatō, curiosamente, tem raízes que se cruzam com a língua portuguesa medieval: o antigo arigatashi, “difícil de existir”, ganhou novo fôlego com o contacto cristão e o uso dos missionários.

Do outro lado do mar, a influência japonesa sobre o português foi mais lenta, mas acabou por florescer com o tempo. As palavras sushi, kimono, tsunami, karaté ou origami entraram no nosso léxico já no século XX, acompanhando a abertura do Japão ao mundo e o fascínio ocidental pela estética nipónica. São, porém, herdeiras desse mesmo encontro inicial, um diálogo que nunca se perdeu.

Entre todas as cidades japonesas, Nagasaki foi a que mais se aproximou de Lisboa. Fundada com decisiva influência portuguesa, cresceu com a ajuda de engenheiros, carpinteiros e mercadores vindos do reino de Portugal. Também ela foi conhecida, como Lisboa, como “a cidade das sete colinas”, uma coincidência que surpreende e encanta. Pelas encostas de Minamiyamate e Oura ergueram-se igrejas de pedra, casas brancas e miradouros que lembravam as ladeiras lisboetas.

Depois da expulsão dos cristãos, Nagasaki manteve-se como único porto japonês aberto ao Ocidente através da ilha artificial de Dejima. Aí, o espírito de troca persistiu: a curiosidade científica, o gosto pela navegação e até a introdução de instrumentos ocidentais como o astrolábio e o relógio foram sementes lançadas por portugueses.

Quanto aos vestígios materiais dessa presença, pouco resistiu ao tempo e às tragédias. Não há registo confirmado de que algum padrão português em pedra, desses que marcavam as viagens do império, tenha sido erguido em Nagasaki e sobrevivido à bomba atómica de 1945. O que resta são memórias e ecos. Entre eles, a Igreja de Oura, construída no século XIX sobre os alicerces do antigo bairro cristão, e pequenas pedras com inscrições em latim e português que se encontram nos museus da cidade.

Mais do que monumentos, foi a língua que perdurou. As palavras são os verdadeiros padrões dessa amizade antiga, discretas, resistentes e universais. Num tempo em que o comércio e a fé cruzavam oceanos, Portugal deixou no Japão um legado de vocábulos e de conhecimentos e recebeu, em troca, uma lição de harmonia entre a curiosidade e o respeito.

Hoje, quando um japonês pede um koppu de biiru ou quando um português saboreia um sushi, continua-se, sem saber, a conversa iniciada há quase quinhentos anos numa praia de Tanegashima.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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