(Z1) 2025 - CM de Vila do Bispo - Um concelho a descobrir

Aquisição de terrenos arqueológicos em volta de Conímbriga vai melhorar a nossa História

Aquisição de terrenos arqueológicos em volta de Conímbriga vai melhorar a nossa História

Nas ladeiras verdes que descem para o Mondego, Conímbriga ergue-se como um eco de impérios, ruínas que suportam séculos de silêncio. Mas, ao contrário de tudo o que parece sepultado, a arqueologia tem vindo a revelar que este silêncio está longe de ser total e que Conímbriga ainda guarda segredos sob o solo, sedentos de luz e de novas interpretações.

Nos últimos anos, escavações e sondagens sistemáticas trouxeram um novo fôlego de descobertas, devolvendo à superfície estruturas, artefactos e vestígios humanos que reescrevem pormenores da história desta cidade romana e da Lusitânia que a antecedeu. Uma das iniciativas mais decisivas foi a recente aquisição de dezoito terrenos e imóveis, correspondentes a cerca de dois hectares junto ao vale norte das ruínas, permitindo expandir o campo arqueológico e alargar o olhar dos investigadores a zonas até agora inacessíveis.

Esta operação permitirá novas campanhas em áreas como a do anfiteatro romano, cuja importância patrimonial se confirma a cada escavação, e reforça o trabalho de conservação da muralha com vinte séculos e do aqueduto que alimentava a cidade. A ampliação do perímetro é mais do que uma conquista logística, é uma oportunidade de compreender a dimensão real de Conímbriga e de dar continuidade a uma história que nunca esteve completamente escrita.

Entre os achados recentes destacam-se uma secção da muralha da Idade do Ferro e enterramentos infantis do período romano. A primeira confirma que Conímbriga existia antes da romanização, com uma estrutura defensiva que revela a sofisticação das comunidades pré-romanas. Os segundos, seis pequenos corpos encontrados junto de antigas habitações, representam uma raridade no mundo romano pela forma como a infância foi aqui tratada no contexto da morte. São vestígios silenciosos que testemunham a humanidade de quem viveu naquele território, para além das elites e dos mármores.

A arqueologia em Conímbriga deixou de ser apenas um exercício de conservação de ruínas para se tornar num diálogo com o tempo. Estes achados tocam na essência da continuidade entre o mundo indígena e o romano, demonstrando que as transições culturais não foram bruscas, mas sim misturas lentas e complexas. Ao mesmo tempo colocam novas perguntas: que outros trechos da muralha da Idade do Ferro se escondem ainda? Que significado social tinham estes enterramentos infantis? Que papel tiveram as famílias que os realizaram num espaço urbano tão rigorosamente estruturado?

Com a aquisição dos novos terrenos abre-se também a perspetiva de integrar estas descobertas em circuitos museológicos e pedagógicos que valorizem o património. Conímbriga poderá vir a ganhar uma candidatura mais sólida a Património Mundial da UNESCO, não apenas pelo que mostra, mas pelo que simboliza, um diálogo entre passado e presente que continua a revelar a forma como o território português foi moldado.

Conímbriga nunca foi apenas uma ruína, mas um organismo em mutação. A terra, quando revolvida, devolve-nos a memória dos que vieram antes de nós e pede respeito, ciência e visão. As novas escavações e a expansão do campo arqueológico são uma vitória silenciosa da História, um gesto de futuro que recorda que o passado ainda não acabou. Conímbriga, mesmo depois de dois milénios, continua a ensinar-nos quem fomos e a revelar o quanto ainda desconhecemos de nós próprios.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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