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A coragem dos militares contratados desperdiçada pelo Estado Português

A coragem dos militares contratados desperdiçada pelo Estado Português

Esta semana vi uma reportagem que me deixou dividido entre o orgulho e a tristeza. Um ex-militar português, contratado durante seis anos pelas nossas Forças Armadas, combate hoje na Ucrânia, integrado naquele que é considerado o exército mais avançado e combativo do mundo. Tem apenas 34 anos e carrega consigo o mesmo espírito de missão que o levou, em Portugal, a vestir a farda. Só que agora, a servir outro país. E não é caso único. Pelas conversas que tive com antigos camaradas de armas, há pelo menos mais três ou quatro portugueses na mesma situação, e um deles já tombou em combate de nome Jerónimo Guerreiro (ver foto).

O que estes homens têm em comum é uma formação de excelência paga pelo Estado português. Foram treinados, avaliados e certificados para desempenhar funções de grande exigência, desde missões de infantaria a operações especiais, segurança marítima ou logística em zonas de risco. Cada um deles representou um investimento público de dezenas de milhares de euros em instrução, equipamento e experiência real. No entanto, findo o contrato, o Estado simplesmente vira a página, deixa-os regressar à vida civil sem plano, sem reconversão profissional e sem reconhecimento.

Durante seis anos, Portugal forma militares contratados altamente competentes, moldados na disciplina, no espírito de sacrifício e na obediência à hierarquia. Mas, ao fim desse período, o sistema trata-os como peças descartáveis. São dispensados sem qualquer transição estruturada para a sociedade civil, sem incentivo à reintegração em forças de segurança, proteção civil ou áreas de defesa e segurança privada. Um desperdício humano e estratégico difícil de compreender.

O resultado é este: homens que poderiam reforçar o efetivo das nossas Forças Armadas ou a capacidade operacional da GNR e da PSP acabam a pôr o seu saber ao serviço de outros países ou de empresas de segurança estrangeiras. Muitos partem por desilusão, sentem que o Estado em que acreditaram não acredita neles. Portugal investe, forma, treina e depois abandona.

Enquanto isso, as fileiras das Forças Armadas nacionais continuam curtas, envelhecidas e com dificuldades em cumprir missões essenciais, sobretudo no campo da defesa externa e do apoio à proteção civil. Fala-se muito em modernização militar, mas ignora-se o essencial: o capital humano. Nenhum armamento, por mais avançado que seja, substitui a experiência e a coragem de quem serviu.

É verdade que o candidato presidencial Gouveia e Melo já tocou, ainda que timidamente, nesta ferida durante a campanha. Reconheceu a injustiça e a falta de visão do Estado em relação a estes homens e mulheres, propondo alguns benefícios sociais como o acesso à ADSE ou outros apoios quando regressam à vida civil. No entanto, essa abordagem, apesar de bem-intencionada, continua a ser insuficiente. Porque não admitir que possam continuar a dar o seu contributo mais tempo? Porque não criar quadros permanentes paralelos, com funções distintas mas complementares, que aproveitem a sua experiência, o seu treino e o seu sentido de missão? Essa seria a verdadeira valorização dos que serviram.

O ex-militar português que hoje combate na Ucrânia não é um desertor, é um símbolo. Representa uma geração de soldados que deu o melhor de si, que aprendeu a servir, mas que o Estado português preferiu esquecer. E talvez o mais triste seja perceber que, se a guerra chegasse às nossas fronteiras, Portugal teria de recorrer a homens como ele, formados aqui, ignorados aqui, mas sempre prontos a defender o que é seu.

A coragem dos militares contratados não desaparece. O que desaparece é a vontade política de lhes dar um lugar. E isso, mais do que um erro, é uma vergonha nacional.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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