É preciso mais sensibilização e apoio para as pessoas com Síndrome do Intestino Curto

Agosto | Mês de Sensibilização para a Síndrome do Intestino Curto (SIC-FI)
A Síndrome do Intestino Curto (SIC) é uma doença rara, mas com consequências graves: é “uma condição clínica, que se desenvolve quando uma doença exige a excisão cirúrgica de grande parte do intestino delgado e, eventualmente, do cólon (intestino grosso)”, explica Jorge Fonseca, gastrenterologista da Equipa de Falência Intestinal do Hospital Garcia de Orta e professor da Egas Moniz School of Health & Science. Trata-se da forma mais comum de Falência Intestinal Crónica (FIC), que se caracteriza pelo facto de, “por um período longo, o intestino ser incapaz de absorver a quantidade suficiente de nutrientes necessários à manutenção da saúde e da vida, incluindo água e minerais”. E ainda que sejam poucos os doentes em Portugal com este problema, “são insuficientemente referenciados para os centros nacionais” com competências para os tratar, alerta o especialista a propósito do Mês de Sensibilização para a Síndrome do Intestino Curto.
“Ainda falta muito”, segundo o médico, “para que os doentes portugueses possam ter o mesmo apoio e a mesma qualidade de vida da generalidade dos doentes europeus”. Para isso, é necessário que “os centros de excelência sejam reconhecidos e apoiados pelos poderes públicos”; que seja “dinamizada a formação pós-graduada de médicos, particularmente dos médicos de família”, para garantir diagnósticos; que seja “divulgada a existência e as características desta síndrome”; que sejam disponibilizados os apoios para que “os doentes tenham uma vida ativa, nomeadamente para que os jovens estudem e os adultos se desenvolvam profissionalmente, para que todos pratiquem desporto e atividade física regular, além de que possam viajar, construir amizades e manter relações afetivas felizes. Todos devem poder desfrutar de cidadania total e ter uma vida plena”.
Mas esta é uma doença que não afeta apenas os adultos, impactando também as crianças, como refere Helena Ferreira Mansilha, pediatra, coordenadora da Unidade de Nutrição do Serviço de Pediatria (CMIN/CHUdSA), e membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica. “Segundo a literatura, a prevalência de SIC em diferentes países da Europa rondará os 10-40 casos por milhão de crianças, sendo que em Portugal essa prevalência será cerca de 20 casos por milhão de crianças.”
Um diagnóstico com um impacto enorme. “Os lactentes/crianças com SIC dependem de nutrição parentérica administrada no domicílio, necessitando, na maioria das situações, de uma perfusão intravenosa diária ou quase diária de muitas horas (10-12h), o que implica uma logística muito pesada e complexa no quotidiano do doente e da sua família”, afirma a médica, que confirma a necessidade de “uma curva de aprendizagem e adaptação no que concerne ao manuseio de dispositivos médicos, consumíveis e conhecimento da técnica de cuidar destes doentes, sob pena de precipitar graves complicações clínicas”.
Não é, por isso, de estranhar que, tal como revelam os estudos, “a qualidade de vida da criança e família com esta condição seja afetada significativamente, não apenas na vertente orgânica, mas especialmente no funcionamento emocional e psicossocial, apesar das melhorias e avanços conquistados ao longo das últimas décadas”.
Sendo esta uma doença crónica, as crianças que com ela são obrigadas a viver adotam uma dinâmica que as vai acompanhar ao longo do seu crescimento, “sofrendo reajustes em múltiplas vertentes, nomeadamente nas vertentes escolar e relação com os pares”, refere a especialista. A estas junta-se o acompanhamento que, garante a médica, tem de ser “altamente personalizado (tailor-made), por uma equipa multidisciplinar experiente, próxima e cúmplice, com disponibilidade para o binómio doente e respetiva família, de modo a que este binómio se sinta seguro e apoiado não só no seguimento programado, mas especialmente quando surgem complicações clínicas mais ou menos agudas, algumas muito graves, mesmo ameaçadoras da vida. Em idade pediátrica, estas relações foram sendo estabelecidas e será fundamental ir criando, atempadamente (pelos 14-16 anos), a crescente autonomização do doente bem como a sua apresentação à equipa congénere de adultos, para que a transição de cuidados se faça de forma progressiva, sem lapsos”.
O que significa que “deve ser assegurada de uma forma regular toda a logística implicada, bem como a continuidade de terapêuticas de nova geração. A falência deste processo de transição pode comprometer o prognóstico do doente, não apenas na otimização do seu estado clínico geral e esperança média de vida expectável para a sua condição, mas também pode exacerbar a incidência e/ou prevalência das complicações clínicas desta doença, nomeadamente infeções e doença hepática graves, que colocam a vida em risco de forma iminente ou a médio prazo”.
No entanto, refere Jorge Fonseca, “a gestão dos doentes adultos com Síndrome do Intestino Curto/Falência Intestinal Crónica é ainda difícil entre nós”. Apesar de existirem hospitais com equipas multidisciplinares dedicadas, “a referenciação dos doentes a estes centros, onde se prestam cuidados de excelência, não é feita com a regularidade desejável. Por outro lado, os centros de decisão política da saúde ainda não apoiam da melhor forma estes centros de referência”. Algo essencial, até porque, “uma vez acompanhado por uma equipa experiente, o prognóstico do doente torna-se mais favorável e a qualidade de vida, incluindo a da família, melhora e aproxima-se de uma vida sem limitações”.