«Entre a parte fraca e a parte forte, [a Constituição] toma sempre partido pelos mais fracos. É esse sentido, essa letra e esse espírito que temos de pôr novamente no centro do curso da vida nacional», sublinhou João Ferreira, na passada manhã de Sábado, dia 9 de Janeiro de 2021, em comício na cidade de Silves, perante uma plateia com cerca de trezentas pessoas provenientes de várias zonas do Algarve. Ao que parece, nem a pandemia desmobilizou os comunistas e apoiantes do Partido Comunista Português (PCP).
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O candidato presidencial João Ferreira insistiu na defesa da Constituição da República e não poupou críticas ao actual Chefe de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, bem como àqueles que o antecederam, por não terem sido «coerentes com o juramento de defender, cumprir e fazer cumprir» a Lei Fundamental do país, de que resultaram, na sua óptica, problemas para o povo português. Foi essa uma das tónicas da intervenção do candidato comunista durante o comício realizado este Sábado, dia 9 de Janeiro de 2021, pelas 11:00 horas, na FISSUL – Pavilhão de Feiras e Exposições de Silves, concelho cuja Câmara Municipal é presidida há dois mandatos autárquicos pela Coligação Democrática Unitária (CDU), a cargo de Rosa Palma, sendo, de resto, o único bastião do PCP no Algarve.
Apesar das limitações de espaço e de horário, devido à pandemia e ao recolher obrigatório em vigor no mesmo fim-de-semana, o pavilhão acabou por encher, entre os devidos distanciamentos, tendo contado com cerca de trezentas pessoas em lugares sentados, provenientes de várias zonas desta região. «Ainda tivemos de acrescentar lugares», observou ao Correio de Lagos um responsável da organização. Em situação normal, a capacidade seria para seiscentos lugares. Luís Galrito e ‘Toy’, com viola, percussão, batuque e flauta, animaram o encontro através de uma sessão musical, a anteceder o discurso do candidato presidencial.
Também o mandatário regional da candidatura de João Ferreira à Presidência da República, Rui Ribeiro, se dirigiu ao público, agradecendo a camaradagem de todos. Já Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, não pôde estar presente devido à alteração de planos decorrente do Estado de Emergência em vigor à data.
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«Tivessem sido os anteriores Presidentes da República, incluindo o actual, coerentes com este juramento de defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, e seguramente que a situação do país, hoje, seria outra – para melhor»
«Defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição. Este é mesmo o melhor instrumento para encontrarmos os caminhos e as respostas que são necessárias para os problemas e dificuldades que este país enfrenta: a Constituição. O tal documento que o Presidente jura, quando toma posse, defender, cumprir e fazer cumprir: a Lei Fundamental do país. Tivessem sido os anteriores Presidentes da República, incluindo o atual, coerentes com este juramento de defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, e seguramente que a situação do país, hoje, seria outra – para melhor. E seguramente que estaríamos em melhores condições de enfrentar, também, momentos difíceis como aqueles que estamos a viver», afirmou João Ferreira, sendo interrompido por fortes aplausos dos presentes no comício.
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«Há quanto tempo se deixou de falar em pleno emprego neste país?»
Em seguida, passou a enumerar alguns exemplos: «O direito ao trabalho, o objectivo do pleno emprego. Sim, há quanto tempo se deixou de falar em pleno emprego neste país? O objectivo do pleno emprego está claramente inscrito na Constituição, como está o direito ao trabalho e o direito a termos direitos no trabalho, o direito a termos valorizados os salários, o direito a podermos conciliar a vida profissional com a vida familiar, com o lazer, com o recreio, com a Cultura. São tudo coisas inscritas na Constituição. Como está também o direito que os trabalhadores têm a ver protegida a sua saúde nos locais de trabalho e tão importante que isto é no tempo que estamos a viver, quando sabemos que em tantas empresas e locais de trabalho por este país fora é muito aquilo que está por fazer no que toca à protecção da saúde dos trabalhadores», argumentou o candidato João Ferreira.
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A defesa do Serviço Nacional de Saúde [SNS], como impõe a Constituição, e «não do Sistema Nacional de Saúde (…), o tal negócio que alguns grupos económicos privados querem fazer com a nossa doença»
«Está tudo inscrito na Constituição. Mas ainda não é uma realidade na vida de todos os trabalhadores neste país» – constatou o candidato presidencial apoiado pelo PCP. «A mesma Constituição que garante a todos a protecção da saúde e que diz que essa protecção é assegurada através do Serviço Nacional de Saúde. Não é do Sistema Nacional de Saúde de que fala o candidato e actual Presidente da República, que põe em pé de igualdade o Serviço Nacional de Saúde, de que fala a Constituição, e o tal negócio que alguns grupos económicos privados querem fazer com a nossa doença», desvendou, acrescentando por vez: «É através do Serviço Nacional de Saúde e é só no Serviço Nacional de Saúde que a Constituição fala para proteger a nossa Saúde; um serviço universal, geral e tendencialmente gratuito». Após tal afirmação, ouviram-se, de novo, aplausos, acompanhados de frementes agitares de bandeiras pela República Portuguesa.
Segundo João Ferreira, há que «defender a necessidade de reforçar [o SNS], em profissionais; em equipamentos; em infraestruturas, como hospitais, que fazem falta», apelou, apontando o exemplo do Algarve, que «há muito tempo aguarda investimentos a esse nível». E criticou: «Não é procurar desviar recursos públicos que fazem falta para tudo isto, para sustentar o tal negócio privado».
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«Não é aceitável que queiram convencer as mais novas gerações de que vão ter de se habituar a viver pior do que os seus pais, ou os seus avós. Não é esse o sentido da História»
E prosseguiu, desta vez, no que toca ao direito à Educação: «A Constituição diz que é através da Escola Pública que nós podemos assegurar a todos, inclusive aos filhos dos trabalhadores, poderem aceder aos mais elevados graus de ensino; que possam ter perspectivas de vida e de realização na vida e no trabalho melhores do que aquelas que tiveram os seus pais e os seus avós (aplausos). Não é aceitável que queiram convencer as mais novas gerações de que vão ter de se habituar a viver pior do que os seus pais, ou os seus avós. Não é esse o sentido da História. Temos, hoje, mais meios e possibilidades ao nosso alcance do que nunca!», sublinhou João Ferreira, reforçando a necessidade do «direito à Cultura, ao recreio, ao lazer e à Habitação».
O juramento de «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição ficou esquecido – este e outros direitos das páginas da Constituição. Mas ela diz que todos têm direito a uma habitação em condições de conforto, higiene e salubridade para si e para as suas famílias. Ora, a Constituição não o esqueceu, mas houve quem se tivesse esquecido. A habitação não é uma realidade, ainda, na vida de muitos portugueses», alertou, a propósito, João Ferreira.
Reforçando a necessidade de defesa da Constituição, lembrou este candidato que a mesma «define todo um conjunto de direitos, ao Trabalho, à Saúde, à Educação, à Cultura, à Habitação, ao ambiente de qualidade», sendo, pois, «a mesma Constituição que não se esqueceu de apontar o caminho para a concretização destes direitos; a mesma Constituição que tem presente que se é verdade que não há desenvolvimento, nem democracia, sem direitos, também é verdade que sem desenvolvimento não podemos assegurar esses direitos», frisou.
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«O problema não é, nem nunca foi, a Constituição da República»
Sem nunca ter referido o nome do actual Presidente da República e de novo candidato a Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato às Presidenciais 2021 João Ferreira continuou a reforçar as suas críticas ao Chefe de Estado e seus antecessores, repetindo que todos aqueles que juraram, anteriormente, «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, se afastaram desse juramento depois da sua intervenção concrecta». Neste sentido, «é preciso dar seriedade e consequência a esse juramento. Quando alguns vêm agora procurar associar problemas e dificuldades do país à própria Constituição; quando alguns vêm dizer que o que é preciso é uma outra Constituição, uns de forma mais desabrida, outros de forma mais envergonhada, dizendo que talvez seja preciso uma alteração aqui ou ali, é preciso dizer-lhes que o problema não é, nem nunca foi, a Constituição da República, uma das mais avançadas e progressistas», enalteceu João Ferreira, tendo sido uma vez mais interrompido por fortes aplausos do público que o ouvia atentamente.
O Salário Mínimo Nacional e a necessidade de o valorizar foi outros dos pontos destacados pelo candidato presidencial comunista: «O problema foi daqueles que permitiram que o Salário Mínimo Nacional, como os salários em geral, se fossem degradando ao longo dos anos, com a consequência desse Salário Mínimo Nacional hoje arrastar muitos trabalhadores e suas famílias para uma situação de pobreza. Exactamente o contrário do que acontecia quando ele foi criado e inscrito na Constituição», expôs.
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«Ora, defender a Constituição não é estar do lado desses grandes grupos económicos e financeiros que asfixiam as Pequenas e Médias Empresas, o seu desenvolvimento e até já a Democracia»
E de novo, com baterias assentes contra Marcelo Rebelo de Sousa, João Ferreira voltou a disparar: «O problema é que, quem tendo jurado defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, nestes últimos anos pôs todo o peso das suas intervenções públicas a contrariar a necessária evolução dos salários – "Bem, não sabemos se é possível", "Este ano é, para o ano talvez já não seja", "635 euros é um valor razoável". Ora, isto não é cumprir nem com o espírito, nem com a letra da Constituição! Como não é cumprir com o espírito e com a letra da Constituição, em vez de defender o reforço do Serviço Nacional de Saúde, inventar este novo conceito do Sistema Nacional de Saúde para procurar desviar os recursos públicos que fazem falta. Como não é defender a Constituição colocar-se do lado dos grandes grupos económicos e financeiros, no confronto que hoje percorre a nossa sociedade, em que de um lado estarão muitos milhares de micro, pequenos e médios empresários a lutar para sobreviver, mais ainda numa situação como aquela em que vivemos. Ora, defender a Constituição não é estar de lado desses grandes grupos económicos e financeiros que asfixiam as Pequenas e Médias Empresas, o seu desenvolvimento e até já a Democracia. É perceber que a Constituição, entre a parte fraca e a parte forte, toma sempre partido pelos mais fracos. É esse sentido, essa letra e esse espírito da Constituição que temos de pôr novamente no centro do curso da vida nacional».
Posto isto, os presentes neste comíco ergueram-se, novamente, das cadeiras, confirmando o discurso deste candidato. E mesmo entre as máscaras, gritou-se: «João avança, com toda a confiança!». Fortes foram os aplausos, com destaque para uma figura em particular: uma mulher, baixa, franzina, de idade já aparentemente avançada, envergando vestes cinzentas compridas e um par de modestas pantufas castanhas, ergueu-se, com algum custo e uma vez mais, ao som das palmas para se associar, emocionada, ao coro do slogan de João Ferreira – como que um rasgo de esperança no meio da multidão perante as palavras deste candidato, que decerto não passou despercebido a quem teve oportunidade de reparar.
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«Temos assistido, em muitos locais de trabalho por esse país fora, a todo um sem número de arbitrariedades, de despedimentos, de forçar trabalhadores à redução de rendimentos, ao lay-off»
Entre outros alertas neste comício em Silves, João Ferreira vincou: «Estando uma parte da população confinada, temos assistido, em muitos locais de trabalho por esse país fora, a todo um sem número de arbitrariedades, de despedimentos, de forçar trabalhadores à redução de rendimentos, ao lay-off. Aqueles que fazem a força e a fibra desta candidatura estiveram ao lado desses trabalhadores quando foi preciso defender os seus direitos. Não correram a esconder-se por debaixo da cama. Estiveram onde foi preciso e sempre que foi preciso, demonstrando essa coragem de quem, por mais difíceis que sejam os tempos, não abdica de estar onde tem de estar: ao lado do povo, a lutar pelos seus direitos e pelos seus interesses».
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«Percebemos melhor, com o tempo que estamos a viver, que um país que não produz, que não aproveita os seus recursos e as suas potencialidades, é um país que deixa sempre a sua população mais vulnerável perante situações como aquela que estamos a viver»
E continuou, já próximo do final: «Há uma outra lição que tem de se tirar deste tempo, que é a importância que o país tem de aproveitar plenamente os seus recursos e as suas potencialidades. A importância da produção nacional», reconheceu, a dada altura, João Ferreira. «Percebemos melhor, com o tempo que estamos a viver, que um país que não produz, que um país que não aproveita os seus recursos e as suas potencialidades, é um país que deixa sempre a sua população mais vulnerável perante situações como aquela que estamos a viver. Na Alimentação, na Agricultura, na Indústria, passando pelos equipamentos, os medicamentos, até às vacinas. Um país que nada produz está totalmente dependente do exterior, está muito mais vulnerável e deixa as suas populações muito mais vulneráveis também perante situações difíceis como aquela que estamos a viver. Não nos esqueçamos do que vimos no início desta pandemia: países a levantarem fronteiras como diziam que já não existiam, mas que vimos serem reerguidas e a reterem bens, equipamentos, materiais que outros países precisavam até para salvarem vidas. Que isto seja uma lição de que não podemos desaproveitar os recursos que temos», avisou o candidato a Presidente da República, apoiado pela CDU.
Eram cerca de 12h20 quando João Ferreira encerrou o comício em Silves, a pouco mais de meia-hora do início do recolher obrigatório imposto pelo Estado de Emergência vingente e após discursar por, aproximadamente, trinta minutos, em apelo à mobilização no apoio em torno da sua candidatura, bem como ao voto no dia 24 deste mês.
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José Manuel Oliveira
Marta Ferreira