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Entrevista a Cristóvão Norte, presidente da Distrital de Faro Social-Democrata

Entrevista a Cristóvão Norte, presidente da Distrital de Faro Social-Democrata

Cristóvão Norte, presidente da Distrital de Faro Social-Democrata ao CL: «A vertigem messiânica é má conselheira e o PSD tem de fazer a sua modernização, o seu aperfeiçoamento e a sua reflexão, para além de quem se apresente circunstancialmente a líder»

Recusou falar em nomes para substituir Rui Rio na presidência do PSD, garantiu “não” estar magoado com o ainda principal responsável do partido por não ter sido incluído na lista de candidatos a deputados do Algarve à Assembleia da República nas recentes eleições legislativas, e admitiu que se prepara para entrar “no mercado de trabalho com muitas coisas desafiantes”. Em entrevista ao nosso Jornal, na noite de 12 de Fevereiro de 2022, após assistir à tomada de posse dos novos dirigentes dos órgãos da concelhia de Lagos “laranja” (que pela primeira vez é presidida por uma mulher, Mílvia Gonçalves), o presidente da Comissão Política Distrital de Faro do PSD, Cristóvão Norte, disse o que vai exigir aos deputados do partido eleitos nesta região e explicou o que conduziu Rui Rio à derrota nas eleições legislativas. E aproveitou para deixar recados sobre o futuro do PSD.

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Correio de Lagos - O que faz agora que deixou de ser deputado na Assembleia da República, por não ter sido incluído na lista candidata do PSD?

Cristóvão Norte - Sou licenciado em Economia e Direito e exerci durante dez anos [o cargo de deputado] em regime de exclusividade porque entendo que os deputados devem estar empenhados integralmente no exercício dessa função até para poderem exercer a proximidade [com a população] e para que nada possa perturbar o exercício da sua actividade. Portanto, eu agora estou como qualquer outra pessoa que desempenhou uma função e que agora procura uma oportunidade no mercado de trabalho.

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CL - Vai exercer a actividade de advogado?

CN - Sou jurista e não estou registado na Ordem dos Advogados. E já tenho, creio, que a minha integração no mercado de trabalho com muitas coisas desafiantes. Creio que vai ser algo muito próximo.

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«Não seria vergonha nenhuma se ficasse desempregado»

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CL - Não receou ficar desempregado?

CN - Creio que não vou ficar desempregado. Mas não seria vergonha nenhuma se ficasse desempregado. Aliás, um dos problemas que afecta uma franja significativa da população e, sobretudo, pessoas com uma faixa etária acima dos 45 anos, é quando saem de um emprego, ou quando perdem o emprego por falência, ou por encerramento da empresa, ou o que quer que seja, por vezes terem dificuldade em encontrar alternativas de trabalho. Manifestamente creio que não vai ser o meu caso. Mas se porventura fosse, a questão não deve ser encarada como sinónimo de fracasso, nem de incapacidade das pessoas. Aliás, uma das coisas que o país tem de saber fazer melhor é aproveitar o conhecimento adquirido daqueles trabalhadores que trabalharam durante muitos anos e que agora, dificilmente, conseguem arranjar uma oportunidade no mercado de trabalho.

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«Vou exigir aos deputados do PSD que sejam porta-vozes das questões do Algarve na Assembleia da República (…) e que tomem iniciativas de fiscalização do governo, ou de legislação»

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CL - E como presidente da Comissão Política Distrital de Faro do PSD, o que tenciona fazer junto dos seus colegas do partido que foram eleitos deputados na Assembleia da República [Luís Gomes, Rui Cristina e Ofélia Ramos]? Vai acompanhar, fiscalizar, digamos, a actividade deles?

CN - A palavra fiscalizar não seria a palavra que eu utilizaria para descrever uma relação de proximidade...

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CL - Vai acompanhar, portanto…

CN - Claro, vou acompanhar. E a Comissão Política Distrital vai orientar.

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CL - O que vai exigir aos deputados?

CN - O que vou exigir aos deputados vai ser nada menos, nada mais do que aquilo que exigi a mim próprio enquanto fui deputado na Assembleia da República. É que sejam porta-vozes das questões do Algarve na Assembleia da República e que, em estreita ligação com o partido, com a sua militância e com o pulsar da vida algarvia, tomem iniciativas de fiscalização do Governo, ou de legislação, no sentido de corrigir problemas que vão sendo diagnosticados e que precisam que haja fiscalização da acção do Governo.

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CL - Quando tomarem posse, quais serão as prioridades que lhes irá apresentar? Quais as principais preocupações?

CN - É conhecida a orientação do PSD em relação ao Algarve e que goza de um certo carácter de estabilidade. Primeiro: o diagnóstico que o PSD faz da região leva-nos a concluir que a região tem problemas estruturais graves. Um deles é a incapacidade de diversificar a economia, que como se verificou nestes dois anos de pandemia acaba por sofrer rombos tremendos e não tem almofadas de resposta. Isso avoluma desemprego, dominós de falências, enfim, a turbulência e a incerteza na vida das pessoas, das famílias e das empresas.

Depois, temos problemas que estão largamente por resolver, como seja o problema relacionado com a saúde, a magna questão das novas infraestruturas hospitalares, dos médicos de família, do novo modelo que garanta que o serviço é prestado em tempo. Ninguém tem acesso à saúde para obter uma consulta em que tem de esperar quinhentos, seiscentos, mil dias. Ou para fazer uma cirurgia às vezes tem de estar um ano à espera. Portanto, isso cria uma saúde para pessoas remediadas ou ricas; e outra saúde para pessoas pobres. Porque as remediadas fazem um esforço para adquirir um seguro de saúde, as ricas têm seguro de saúde, as pobres não tendo seguro de saúde, precisam que o Serviço Nacional de Saúde funcione.

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«No caso do Algarve, nós temos um elemento acrescido que torna mais difícil o recrutamento de médicos, que se prende com a carestia de vida»

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CL - Continua a faltar médicos no Algarve?

CN - Claro que faltam médicos no Algarve. Temos vários problemas. Nós somos uma região que tem uma péssima reputação na área da saúde, temos infraestruturas decadentes, com má qualidade, e não temos perspectiva de carreiras para os médicos. Este é um problema que ultrapassa o Algarve e afecta as zonas periféricas do nosso país. No caso do Algarve, nós temos um elemento acrescido que torna mais difícil o recrutamento de médicos, que se prende com a carestia de vida. Sabemos que há algo que se designa como ‘inflação turística’ e que eleva os preços dos bens e dos serviços, em geral, e muito em particular os preços da habitação. Ora essa circunstância leva a que profissionais de diversas áreas - estamos a falar na saúde, mas também acontece noutras profissões - em que para apetrechar a resposta regional é preciso proceder a um recrutamento de profissionais, o que se verifica é que eles entendem que as perspectivas de carreira, a reputação, as condições de trabalho e a carestia de vida não favorecem a sua fixação na região. Portanto, eu creio que têm de ser tomadas medidas de fundo, desse ponto de vista.

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«Acho que o Partido Socialista neste momento é uma força situacionista da sociedade portuguesa, que decide ancorado exclusivamente numa lógica de curto prazo»

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CL - Acredita que o futuro governo, agora de maioria absoluta e com outras condições, tome medidas de fundo?

CN - Se eu acredito que um governo do Partido Socialista tome medidas de fundo? Não, não acredito. Acho que o Partido Socialista neste momento é uma força situacionista da sociedade portuguesa, que decide ancorado exclusivamente numa lógica de curto prazo e que, ainda que tenha uma conjuntura favorável com o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e uma nova geração de fundos comunitários, não tem na sua génese a ambição, a ousadia para romper com a estagnação cultural, económica e social que o país atravessa neste século.

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«Nós vamos intentar uma acção em tribunal para que o governo cumpra a lei sobre a redução do preço das portagens na A22/Via do Infante, aprovada no parlamento e inscrita no Orçamento de Estado de 2021»

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CL - Vai haver propostas do PSD para acabar com as portagens na A22/Via do Infante?

CN - A gente só quer é que se cumpra a lei. Enquanto deputado, eu apresentei uma proposta que ficou inscrita no Orçamento do Estado de 2021 e que foi aprovada por todas as forças políticas, excepto pelo Partido Socialista e pelo Iniciativa Liberal. Portanto, o governo ficou obrigado a proceder à revisão de cinquenta por cento do valor das portagens. Ora, o governo não as reduziu como a lei estabelece e resulta do Orçamento de Estado, em cinquenta por cento, mas sim em trinta por cento. Porque o governo ao invés de fazer uma redução em relação ao preço que estava fixado em 2020, foi fazer uma redução de cinquenta por cento em relação ao preço de 2011. E como tinha havido reduções de quinze por cento em 2012 e em 2015, então temos que a redução que o governo fez foi de trinta por cento e não de cinquenta.

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CL - E o que vai fazer o PSD?

CN - Nós vamos intentar uma acção em tribunal para que o governo cumpra a lei. Ou seja, para que esses cinquenta por cento [de desconto das portagens - n.d-r.] que foram inscritos em Orçamento de Estado venham a ser concretizados. E portanto, oportunamente apresentaremos nas instâncias administrativas uma acção tendente a que a lei seja cumprida.

«O PSD pagou nas eleições legislativas o preço de não ser a força liderante à direita do PS»

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CL - Como vê o futuro do PSD, após a derrota nas eleições legislativas que deram a maioria absoluta ao PS?

CN - Eu dir-lhe-ia o seguinte: creio que a estratégia de colocar o PSD rigorosamente ao centro e não oferecer a esse centro qualquer conteúdo útil que, por um lado, assinalasse as diferenças em relação ao Partido Socialista e afirmar-se uma oposição credível, afirmativa e enérgica, abriu, por outro lado, espaço à direita do PSD. Tal permitiu que nascessem novas forças políticas, a Iniciativa Liberal e o Chega, que obviamente tornam mais difícil a afirmação do PSD como força hegemónica à direita do PS. Para que seja possível substituir [o poder] mais tarde ou mais cedo, porque isso é bom para o país (porque um país precisa de alternativa e também de alternância), é necessário que haja uma força política liderante à direita do PS. E eu creio que o PSD não foi a força política liderante e por isso pagou nas eleições legislativas o preço de não ser essa força política.

Agora, o PSD deve é fazer uma reflexão sobre as causas, fazer uma reflexão sobre o seu papel na sociedade portuguesa e depois, sim, encontrar uma nova liderança, liderança essa que afirme essa oposição responsável e enérgica, de propositura e de alternativa, e que vá desde já pavimentando o caminho para afirmar o partido como a incontornável alternativa ao Partido Socialista no futuro.

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«Acho é que o PSD tomou demasiado “xanax” [medicamento para controlar a ansiedade - n.d.r.] durante o tempo na oposição. E portanto, é natural que haja umas pessoas que agora estejam libertas do ‘xanax’, queiram ver as coisas resolvidas mais depressa»

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CL - O presidente do PSD, Rui Rio, quando defendeu eleições antecipadas no partido, disse, com alguma ironia, que o processo deve ser feito com “calma, serenidade e sem recurso a ‘Xanax’ ” (medicamento para controlar a ansiedade - n.d.r.). O que pensa disso?

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CN - O que acho é que o PSD tomou demasiado ‘xanax’ durante o tempo na oposição. E portanto, é natural que haja umas pessoas que agora que estejam libertas do ‘xanax’, queiram ver as coisas resolvidas mais depressa. Creio que o PSD tem tempo, o tempo deve ser jogado com inteligência e a inteligência exige que não se atribua uma aura messiânica a qualquer candidato que por aí apareça. Os portugueses estão preocupados que o PSD, em particular, responda às suas necessidades, interprete as suas necessidades e seja alternativa ao Partido Socialista. E isso não se faz responsabilizando uma única pessoa e firmando a velha máxima «rei morto, rei posto», sem fazer a autópsia dos últimos anos do PSD e do caminho que tem de perspectivar.

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«Não vou falar em nomes para a liderança do PSD»

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CL - E quem deve ser, na sua opinião, o futuro presidente do PSD?

CN - Não vou falar em nomes, porque acho que essa conversa é prematura...

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CL - Luís Montenegro e Paulo Rangel, qual deles poderia ser o líder ideal para o futuro do partido?

CN - Não vou responder a essa pergunta.

«Sou militante do PSD e portanto o meu dever, para além de ser presidente da Distrital [de Faro], é oferecer toda a colaboração a quem vier a ser líder. E é isso que eu farei, independentemente de quem vier a ser»

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CL - E o senhor estaria disponível para acompanhar o futuro presidente na liderança do PSD?

CN - Eu sou militante do PSD e portanto o meu dever, para além de ser presidente da Distrital [de Faro], é oferecer toda a colaboração a quem vier a ser líder. E é isso que eu farei, independentemente de quem vier a ser. Agora, uma vez mais, acho que a vertigem messiânica é má conselheira e que o PSD tem de fazer a sua modernização, o seu aperfeiçoamento e a sua reflexão, para além de quem se apresente circunstancialmente a líder.

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