Em acórdão de 1 de Julho de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé decidiu a favor dos cidadãos atentos de Aljezur que, em Dezembro de 2021, assumiram uma postura preventiva contra o Projecto de Valorização e Requalificação da Ribeira de Aljezur.
Este projecto contempla uma proposta de intervenção numa área que se encontra integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV)(1), em território que, dada a sua grande importância para a conservação da natureza e biodiversidade, foi incluído na Lista Nacional de Sítios(2), e posteriormente reconhecido como Sítio de Importância Comunitária da região biogeográfica mediterrânica(3), contando com a presença de vários habitats naturais prioritários/espécies prioritárias na acepção do artigo 1.º da Directiva Habitats(4).
Relembramos que a Arriba - Associação de Defesa da Costa Vicentina, juntou-se à população na luta contra a utilização do Glifosato, iniciando uma onda de contestação que terminou numa acção (providência cautelar) no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
Depois de alguns meses de julgamento, o tribunal deliberou:
Ponto 1 – o reconhecimento de que o projecto em causa estava sujeito a um procedimento prévio de avaliação de incidências ambientais(5) que nunca foi feito.
No caso concreto o projecto, como se nos afigura, não está directamente relacionado com a gestão do sítio em causa. O que nos remete para o artigo 6º, nº3 da Directiva Habitats: «Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.º 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.»(6)
O tribunal vai ainda mais longe ao indicar que este projecto deveria ter sido submetido a uma apreciação prévia (ou verificação preliminar) feita pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente), com vista à avaliação da necessidade de sujeição a AIA, nos termos do n.º 6 do artigo 3.º do RJAIA(7) e considerando o parecer emitido pelo ICNF quando auscultado sobre este projecto. Assim, havendo um pedido de parecer ao ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) este deveria ter contido uma análise de incidências ambientais|(8)
Ponto 2 – De acordo com o tribunal, quanto à utilização do herbicida em causa neste projecto, ficou fundada a implicação de um risco («ainda que incerto») comprometedor na conservação do sítio atendendo à relevância e dúvidas suscitadas pelos recentes estudos científicos e opinião pública(9), tanto no que respeita à sua utilização no geral e no que respeita ao impacte em zonas ribeirinhas (na fauna e flora), em particular - apesar de autorizado, o glifosato tem sido objecto de um debate consideravelmente significativo na esfera pública, tal como reconheceu a Comissão Europeia, quando confrontada com a iniciativa de cidadania europeia «Proibição do glifosato e protecção das pessoas e do ambiente contra pesticidas tóxicos»(10) «Como igualmente são do conhecimento público, sobre a mesma questão, as preocupações expressamente manifestadas nas Resoluções do Parlamento Europeu, de 13 de Abril de 2016 e de 24 de Outubro de 2017, sobre o projecto de regulamento de execução da Comissão que renova a aprovação da substância ativa glifosato (…)»(11)
O próprio ICNF pôs em causa as condições de aplicação deste herbicida pedindo que a CMA apresentasse abordagens alternativas ao uso de glifosato. Estas alternativas nunca foram apresentadas pelo Município tendo, ainda assim, sido comunicado o início dos trabalhos.
Ponto 3 – O método de corte das canas, considerada uma espécie invasora, deverá ser limitado, não sendo permitida a utilização de maquinaria pesada para o efeito. A utilização deste tipo de maquinaria em intervenções anteriores teve efeitos desastrosos que resultaram no corte indiscriminado de vegetação autóctone, o que causou prejuízo também para a fauna local.
Importa referir que este projecto foi alvo de fundo ambiental e que teve a aprovação de um apoio de 200 mil euros, no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social. Resta agora saber quanto desse investimento público foi desperdiçado por incapacidade de governança.
Segundo João Vilela, Presidente da Associação Arriba “a Justiça fez-se ouvir e serviu os cidadãos e o ambiente abrindo portas para o diálogo, transparência e boa governança. Todos queremos o melhor para os nossos rios, para o território e para o ambiente. Desejar o contrário é desejar o mal de todos. Numa época em que a palavra SUSTENTABILIDADE está na base de qualquer discurso, não esqueçamos que essa sustentabilidade só é adquirida no longo-prazo, e não é uma vitória política a curto-prazo. As nossas acções de hoje garantem o futuro que deixaremos para as gerações vindouras.”
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(1) criado pelo Decreto Regulamentar n.º 26/95, de 21 de Setembro, cujo Plano de Ordenamento foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-B/2011, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 25, em 4 de Fevereiro de 2011
(2)aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto
(3) SIC Costa Sudoeste - PTCON001, por Decisão 2006/613/CE da Comissão das Comunidades Europeias de 19 de Julho de 2006 (cfr. anexo II da Portaria n.º 829/2007, de 1 de Agosto)
(4) EUR-Lex - 31992L0043 - EN - EUR-Lex (europa.eu) Directiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens
(5) Decreto-Lei n.º 49/2005 | DRE (Artigo 10.º Avaliação de impacte ambiental e análise de incidências ambientais)
(8) nos termos previstos no n.º 5 do artigo 10.º do RJRN2000 Decreto-Lei n.º 49/2005 | DRE
(9) Lei n.º 19/2014 | DRE alínea c) do artigo 4º
(10) Registo de documentos da Comissão - C(2017)8414 (europa.eu)
(11) TA (europa.eu)