A Assembleia Municipal de Loulé escolheu este ano as celebrações do 25 de Abril para homenagear as mulheres e a emancipação feminina como uma das conquistas da democracia.
A sessão solene comemorativa dos 49 anos da Revolução dos Cravos, realizada na manhã desta terça-feira, teve um Cineteatro Louletano com casa cheia para celebrar a liberdade, em particular a das mulheres que viram nessa madrugada “o dia inicial inteiro e limpo”.
Foi através da voz da convidada de honra, Priscila Soares, mas também de sete deputadas em representação dos grupos com assento parlamentar nesta Assembleia, que foi feita a apologia ao empoderamento feminino.
O plenário teve início com música, precisamente de uma mulher, Ermelinda Duarte, que imortalizou um dos hinos de Abril - “Somos Livres -, com um arranjo especial para a ocasião, juntando as vozes do Grupo Coral Infantil de Loulé aos seniores do Grupo Coral de Quarteira. Ao longo da manhã a música esteve sempre presente, quer pelos dois grupos, quer pela guitarra portuguesa de José Alegre.
Para lançar o mote da sessão, o presidente da Assembleia, Carlos Silva Gomes, recordou a vida de muitas portuguesas durante a Ditadura. “Quem viveu os tempos anteriores à Revolução de Abril sabe bem quantas mulheres eram subalternizadas e desvalorizadas, podendo incluir-se, muitas vezes, entre as mais exploradas dos explorados, enquanto mulheres, enquanto trabalhadoras, enquanto mães”, lembrou. Uma situação que se acentuava no mundo rural como aquele que Priscila Soares conheceu, num contexto de “dupla penalização social, quando ao interior, já de si abandonado e ostracizado, juntamos a sua conjugação no feminino”, acrescentou. Natural de Braga, louletana de adoção, “personalidade intrinsecamente ligada aos valores de abril e aos seus ideais”, Priscila Soares tem tido um papel fundamental no desenvolvimento da Serra do Caldeirão. Foi uma das fundadoras da Associação In Loco, onde efetuou um trabalho exaustivo junto das comunidades da Serra do Caldeirão, sendo testemunha de muitas dessas experiências no feminino e em contexto de interioridade.
Convidada a participar no lançamento do projeto RADIAL - Rede de Apoio ao Desenvolvimento Integrado do Algarve, chegou ao Algarve em 1985. Passados onze anos desde a Revolução, deparou-se com uma realidade que mostrava que “aqui o 25 de Abril não tinha chegado”. Era um território praticamente sem escolas, sem equipamentos de apoio à população idosa, sem água e eletricidade em muitos casos, sem estradas alcatroadas e onde os transportes coletivos eram também praticamente inexistentes, com uma “população profundamente marginalizada”. “O poder político tinha esquecido a Serra e a Serra não confiava nos políticos”, recordou. Nesse sentido, frisou o papel político que o projeto teve ao “contribuir ativamente para a criação de cidadãos, pessoas conscientes dos seus direitos e deveres”.
As mulheres, relembrou, ocupavam-se sobretudo da casa, dos filhos e dos idosos, da horta, não podiam sequer ir ao café e eram prisioneiras da opressão social.
Seguiram-se as intervenções das deputadas desta Assembleia Municipal: Ana Poeta (PAN), Carla Gomes (CDU), Isilda Guerreiro (CDS), Maria Baião (BE), Sandra Castro (CHEGA), Bárbara Correia (PSD) e Maria Esteves (PS). As eleitas recordaram as desigualdades gritantes que existiam entre homens e mulheres no tempo do Estado Novo, e as situações inimagináveis aos olhos de hoje como a proibição de algumas profissões como as enfermeiras ou as professoras de poderem casar; a interdição a carreiras como a magistratura ou a diplomacia; a necessidade de autorização do marido para viajar para o estrangeiro; a proibição de dissolver o casamento religioso, a falta de proteção legal às mães solteiras. Para além dos salários serem muito mais baixos dos que o dos homens, tal como o nível de escolaridade.
“Numa data como a de hoje, não podemos deixar de lembrar que, da mesma forma que as assembleias municipais são uma das conquistas do 25 de Abril e um pilar fundamental do poder local, também a luta pela emancipação das mulheres teve um impulso determinante, sendo um reforço de uma cidadania cada vez mais plena e de maior intervenção das mulheres ao nível local”, comentou Carlos Silva Gomes.
Já Vítor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé, relembrou que ainda há ainda muito a fazer no que toca aos direitos das mulheres e à igualdade de géneros. “Tem sido uma caminhada difícil, de muitos anos, mas na verdade, como em muitos aspetos, a liberdade e o 25 de Abril abriram essas portas e, felizmente, as mulheres hoje, na nossa sociedade têm outro peso e outro papel. Estamos muito melhor, mas há ainda um caminho a percorrer”, frisou.
E num dia de festa, o autarca recordou os “heróis e heroínas que durante a longa noite de quase cinco décadas se empenharam na caminhada que nos haveria de conduzir à madrugada libertadora do 25 de Abril”. Em Loulé, “o papel dos mineiros da mina de Sal gema, dos jovens organizados no Atlético, hoje Casa da Cultura, dos bancários e dos ativistas do MDP (Movimento Democrático Português) de advogados, médicos e professores que localmente deram o seu contributo de resistência à ditadura e ao Estado Novo Salazarista”. Mas também em Lisboa, um outro louletano esteve em destaque: “Carlos Albino foi quem aos microfones da Rádio Renascença, durante o programa Limite teria a responsabilidade da passagem da senha ‘Grândola Vila Morena’ para o início das movimentações militares do MFA”.
No próximo ano a Revolução dos Cravos assinala uma data redonda que está já a ser preparada no Município de Loulé. A Câmara e a Assembleia, com a colaboração da Associação 25 de Abril, iniciaram já contactos com vista às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, com envolvimento das juntas de freguesia, escolas e movimento associativo. Pretende-se que “estas sejam fortemente centradas na passagem do testemunho dos valores de Abril aos mais jovens”, anunciou o responsável da Assembleia Municipal.