A amizade entre D. Afonso III de Portugal e São Luís, rei de França

A amizade entre D. Afonso III de Portugal e São Luís IX de França é um dos episódios mais luminosos da história medieval europeia. Não nasceu de alianças diplomáticas, mas de um vínculo humano e espiritual tecido na infância, sob o olhar atento de uma mulher de fé e inteligência rara: a rainha Branca de Castela.
Quando o jovem Afonso, filho de D. Afonso II de Portugal e de D. Urraca de Castela, se viu obrigado a procurar refúgio em França, foi recebido pela corte de Paris como um parente distante, mas depressa se tornou parte da família real. Branca de Castela, mãe de Luís IX e, por casamento, madrasta de Afonso, acolheu-o com ternura. A rainha, cuja devoção a São Francisco de Assis marcava o ritmo espiritual da corte, educou ambos os rapazes no mesmo espírito de oração, disciplina e serviço.
Afonso e Luís cresceram juntos. Reza a tradição que brincavam nos jardins do palácio, aprendendo desde cedo que a nobreza não se media apenas por títulos, mas pela virtude. Entre os dois formou-se uma amizade serena e profunda, marcada pela admiração e pela partilha de ideais. Luís, que mais tarde seria canonizado, deixava já entrever a pureza de caráter e o amor à justiça que definiriam o seu reinado. Afonso, mais reservado e atento, observava e aprendia.
Quando regressou a Portugal, em 1248, para assumir o trono deixado vago pela deposição do irmão Sancho II, D. Afonso trouxe consigo o exemplo do rei francês, com quem partilhara a juventude. O modelo de Luís IX — o monarca que servia Deus através da lei, da justiça e da moderação — tornou-se inspiração para o novo rei português. No modo de governar, na forma prudente com que consolidou o poder e no respeito pela Igreja, reconhece-se a marca da convivência com São Luís.
Mas há uma herança ainda mais visível: a espiritualidade franciscana. Branca de Castela, grande devota de São Francisco, mantinha estreita ligação com os frades menores, e o jovem Afonso nunca esqueceu essa influência. Quando empreendeu a conquista e a integração do sul do reino, levou consigo não apenas soldados, mas também os franciscanos. Foram eles quem acompanharam a expansão para o Alentejo e o Algarve, fundando conventos, pregando a paz e a reconciliação, e levando a luz da fé às novas terras portuguesas.
O reinado de D. Afonso III refletiu assim uma síntese rara entre política e santidade, entre razão de Estado e caridade cristã. A amizade de infância com São Luís de França e a educação sob Branca de Castela deram-lhe um sentido moral do poder que poucos príncipes do seu tempo possuíram. Ambos compreenderam que reinar é servir, e que a grandeza de um rei mede-se pela justiça e pela misericórdia.
A história recorda São Luís como santo e Afonso III como prudente e reformador. Entre o altar e o trono, unia-os a mesma fidelidade a um ideal que Branca de Castela lhes gravara na alma: o de que o poder, sem virtude, é apenas força, e que só a humildade pode torná-lo digno de Deus.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor




