Numa altura em que o país volta a confinar devido ao agravamento da Covid-19, o Advogado e Empresário Nuno Serafim, de 44 anos, Presidente da Direcção da Prolagos – Associação de Promoção & Desenvolvimento, entre outros cargos, procura encarar com optimismo o ano de 2021, admitindo que «será melhor que 2020, mas a recuperação será lenta e nem tão cedo estaremos a níveis de 2019».
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Em entrevista ao CL, abordou os prejuízos que a pandemia já lhe causou nos restaurantes e na discoteca de que é proprietário, criticou o Governo pela gestão da situação e defendeu que o Algarve necessita, com urgência, de um plano específico, dada a sua dependência do Turismo. E depois de ter contraído o novo coronavírus, não poupa elogios à médica do Centro do Centro de Saúde de Lagos, Lídia Montenegro, pelo apoio prestado com vista à sua recuperação.
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Quem é Nuno Serafim?
Nuno Filipe Carreiro Ferreira Serafim nasceu a 22/12/1976. É natural de Portimão, com residência em Lagos.
Estado civil: União de Facto; possui um filho de 17 anos.
Profissão: Advogado/empresário de Restauração.
Restaurantes e bares de que é proprietário em Lagos: Restaurante Santa Maria – 6 anos, na Rua Silva Lopes; Restaurante Sal & Companhia – 4 anos, Rua Doutor Joaquim Tello; NOX CLUB (discoteca) – 9 anos, na Rua Senhora da Graça. Ao todo, são doze os funcionários efectivos, todos em lay-off de momento.
Além de Presidente da Direcção da PROLAGOS – Associação de Promoção & Desenvolvimento, Nuno Serafim também preside à Direcção do Clube Artístico Lacobrigense e é Vereador eleito pelo Partido Social Democrata (PSD) na Câmara Municipal de Lagos.
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«(...) Na Restauração tivemos quebras de mais de 75% e na discoteca tivemos 100% de perdas, tudo relativo ao ano passado»
Correio de Lagos – Qual a estimativa do prejuízo para os restaurantes, bares e discotecas em Lagos, resultante do Estado de Emergência, com recolhero brigatório às 23:00 horas, no dia 31 de Dezembro de 2020, o que implica o cancelamento dos festejos na passagem de ano, como forma de prevenção da Direcção-Geral da Saúde para evitar ajuntamentos devido à pandemia da Covid-19? Quantos milhares de euros acabam por perder - e no seu caso, em particular?
Nuno Serafim – Como todos sabemos, esta é uma situação extremamente complexa a todos os níveis. Desde logo as discotecas, e a nossa em concrecto, não tiveram qualquer euro de facturação. Portanto, desde Março que estamos proibidos de trabalhar. Os bares, por outro lado, viram a sua facturação diminuída a níveis inimagináveis. Basta pensar que o actual horário de laboração dos bares é até às 23:00 horas; quanto aos restaurantes, devido à redução em 50% da sua capacidade, desde logo viram diminuída a sua capacidade de facturação. Por outro lado, e no nosso caso com a redução do turismo, temos um cenário em que, em determinados casos, a facturação se viu reduzida em mais de 70%.
Quanto às limitações impostas durante o Natal e passagem de ano, acrescidos das normas de circulação fizeram com que este período em que normalmente trabalhávamos bem, ficasse reduzido a quase nada. No nosso caso, temos dois restaurantes e uma discoteca. Desde Março ficámos impedidos de trabalhar na discoteca e no âmbito da previsão que fizemos para 2020 optámos por encerrar um dos restaurantes, mantendo apenas um aberto, o que se veio a revelar providencial em termos dos custos e perdas que se vieram a concretizar.
Assim, na Restauração, tivemos quebras de mais de 75% e na discoteca tivemos 100% de perdas, tudo relativo ao ano passado. Penso que, de uma forma geral, as perdas na área da Restauração e bebidas, que cumpriram as regras impostas, situam-se entre 70 e 80%.
CL – E nos dias seguintes, 1, 2 e 3 de Janeiro de 2021, das 13:00 às 05:00 horas do dia seguinte?
NS – De uma forma concrecta, este período não correspondeu a níveis de facturação de anos anteriores, no nosso e de outros empresários da Restauração. Optámos por encerrar durante este período.
CL – Havia reforço do stock de produtos, nomeadamente bebidas e marisco, por exemplo? E agora?
NS – No nosso caso, não. Como disse atrás, optámos por encerrar e aderir ao lay-off. Porquanto, as despesas de funcionamento não justificavam a laboração dos estabelecimentos.
CL – O que dizem os proprietários de outros estabelecimentos de Restauração e similares?
NS – A maioria está passando por momentos muito difíceis, estando na expectativa sobre o lançamento de novas medidas de apoio por parte do Estado e do Município, pois caso contrário será muito
complicado para muitos voltarem a reabrir.
CL – Recebeu contactos de clientes, visitantes, que planeavam passar o fim-de-ano em Lagos? Que dizem?
NS – Como sabe, a maioria dos estabelecimentos de Hotelaria estão encerrados e as medidas de circulação entre concelhos também limitam a mobilidade. Por outro lado, com a "proibição" de voos entre a Inglaterra e Portugal, este período de Janeiro que normalmente era calmo a partir da segunda semana, encontra-se completamente vazio desde o início das férias de Natal, por isso não tem havido qualquer tipo de contactos.
Em todo o caso, para esta situação contribuiram significativamente não as medidas preventivas lançadas pelo governo, mas antes a alteração das mesmas a poucos dias da passagem-de-ano, que trouxe o
caos, tanto a nível da organização das empresas, como das expectativas dos clientes.
Penso que a gestão da pandemia em termos de organização e regras sociais tem corrido bastante mal, sobretudo, pela alteração continua das medidas, o que não traz qualquer segurança nem aos operadores comerciais, nem aos turistas e cidadãos em geral.
CL – Como e onde passou o fim-de-ano? E como se sente nessa situação?
NS – Passei o fim de ano com a minha mulher e o meu filho, em casa, o que no meu caso foi bastante bom. Porquanto, já há algum tempo, derivado do nosso trabalho, por vezes era impossível estarmos realmente juntos e usufruir deste dia.
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«Em Lagos, tanto as autoridades policiais, como as municipais têm a noção de que aconteceram excessos e situações incompreensíveis. E apesar da gravidade dos mesmos, pouco ou nada têm feito»
CL – Admite que, apesar das proibições impostas pelo Governo para evitar a propagação do novo coronavírus, poderão ocorrer alguns excessos, encontros ilegais no concelho de Lagos? Acha que as Forças de Segurança estão preparadas para isso?
NS – Penso que em Lagos, tanto as autoridades policiais como as municipais têm a noção de que diariamente aconteceram excessos e situações incompreensíveis, e apesar da gravidade dos mesmos as autoridades pouco ou nada têm feito, basta relembrar a festa de Odiáxere, as Festas diárias na Praia da Batata ou o facto de alguns estabelecimentos não cumprirem os horários a que estavam obrigados.
A incapacidade das autoridades policiais deve-se sobretudo à falta de meios humanos que impedem as mesmas de cumprir a sua missão o que para eles é igualmente frustrante.
Acresce a tudo isto que começa a crescer um sentimento de revolta junto da população em geral que com todos os sacrifícios pessoais e financeiros cumpre as normas e outros que não as cumprindo re-
tiram daí benefícios financeiros e colocam em risco a saúde pública
de todos.
CL – Nas grandes superfícies comerciais assiste-se muitas vezes a ajuntamentos, enquanto que outros estabelecimentos são alvo de controlo. O que acha desta situação?
NS – Em geral as micro e pequenas empresas, assim como os empresários em nome individual, que são a maioria dos que contribuem para as receitas do estado são sempre preteridos em relação às grandes empresas, isso é hoje mais visível no que respeita às grandes superfícies. É uma realidade que devemos combater, começando essa luta na alteração de padrões de consumo, o que se tem vindo a assistir de uma forma generalizada pela Europa.
CL – Noutros anos, nesta altura, como foi o movimento em Lagos? Quais os principais clientes? De onde vieram?
NS – Esta altura, até ao fim da segunda semana de Janeiro, normalmente era movimentada. Como sabe, temos um grande número de segunda habitação de cidadãos portugueses, do Reino Unido, da Suécia, da Holanda e da Alemanha, que aproveitavam este período para viram passar o ano por cá e passar uns dias de descanso.
CL – E qual a sua sensação para o fim-de-ano sem reveillons? Alguma vez imaginou uma situação deste tipo?
NS – Penso que ninguém imaginava este cenário e espero que não se volte a repetir, o que será sinal que teremos controlado a pandemia.
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«Enquanto algarvio sinto-me abandonado, mas é o que temos»
CL – O que pensa destas medidas do Governo para tentar travar a pandemia?
NS – Penso que o governo tem tido momentos melhores que outros. Existem, contudo, situações que não se devem repetir, pois considero que a forma como o Algarve foi tratado foi deplorável a todos os níveis. Num primeiro momento, o Governo e o Presidente da República falaram num plano específico de apoio para a nossa região (dependente do Turismo) para depois esquecerem completamente essa questão. Enquanto algarvio, sinto-me abandonado, mas é o que temos.
CL – Como têm sido as noites em Lagos em termos de Restauração e bares?
NS – Penso que existem dois cenários. No centro histórico, o movimento é quase residual e o número de estabelecimentos encerrados é elevado. No que respeita a outras áreas da cidade, alguns estabele-
cimentos têm funcionado de forma algo regular com os residentes (portugueses e estrangeiros).
CL – Neste momento, muitos restaurantes na cidade de Lagos continuam abertos e com movimento, mas outros encontram-se encerrados. Qual é a justificação?
NS – Desde logo existe uma diminuição substancial dos consumidores, por um lado, derivado da quebra no Turismo, e por outro, pela redução de rendimentos das famílias. Nesse sentido, o próprio mercado condiciona a abertura e encerramento dos estabelecimentos, por exemplo, no centro histórico, que é eminentemente turístico. A percentagem de estabelecimentos encerrados é muito mais elevada do que fora do centro histórico.
Por outro lado, existem empresas que aderiram ao lay-off (total) e outras simplesmente não têm capacidade financeira para se manter abertas e pagar as suas responsabilidades tanto fiscais, como laborais, como a fornecedores. Muitas das que estão abertas acederam a linhas de crédito que as permitem por agora funcionar, mas que mais tarde terão de pagar uma factura pesada. As opções de cada empresário estão a ser impostas pela realidade que temos todos os dias de enfrentar.
CL – Quantos estabelecimentos de Restauração e similares estão em lay-off? E qual poderá ser o número de desempregados no sector nesta altura?
NS – Não faço ideia quantos estão em lay-off em Lagos. Na área da Restauração estarão muitos, e se o acesso ao lay-off não implicasse o cumprimento de determinados parâmetros legais, provavelmente muitos mais estariam.
Quanto ao desemprego, em Outubro, nos centros de emprego do Algarve, subiu 134,2% em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com os dados divulgados em 19 de Novembro, pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Em todas as outras regiões de Portugal Continental, desceu. Só por aqui conseguimos aperceber-nos da singularidade da região do Algarve e da necessidade urgente de um pacote de medidas de estímulo social, económico e laboral de que a nossa região tanto precisa.
CL – Qual o papel do Governo ao nível de apoios?
NS – O Governo lançou quatro medidas que se têm mostrado positivas: o lay-off simplificado, a mora de pagamento de empréstimos e rendas, e por fim o apoio a fundo perdido que, apesar de reduzido, veio aliviar as responsabilidades das empresas. Contudo, mais terá de ser feito para conseguirmos aguentar até à normalização da nossa actividade e não devemos esquecer que todas estas medidas de diferimento de pagamentos apenas estão a fazer acumular divida, que mais tarde teremos de pagar, o que na verdade, se pensarmos bem, não se trata de um apoio, mas antes um atraso no cumprimento de obrigações que eu vislumbro muito difíceis de vir a cumprir. Volto a insistir que o Algarve em concreto necessita de um plano especifico dada a sua dependência do Turismo.
«A Câmara optou por ter um papel ligeiro no que ao apoio ao sector da Restauração e bebidas diz respeito. As medidas ficam-se pela não-cobrança das taxas de ocupação da via pública (esplanadas) e não cobrança de derrama relativo ao ano fiscal de 2020, o que significa pouco»
CL – E da Câmara Municipal de Lagos?
NS – A Câmara optou por ter um papel ligeiro no que ao apoio ao sector da Restauração e bebidas diz respeito. As medidas ficam-se pela não-cobrança das taxas de ocupação da via pública (espla-
nadas) e não-cobrança de derrama relativo ao ano fiscal de 2020, o que significa pouco.
CL – Que balanço faz sobre o ano de 2020 e que ilacções retira desta pandemia?
NS – O balanço que faço a nível económico é muito negativo. Por outro lado, compreendemos que hoje existem novos desafios que temos de enfrentar todos em conjunto, independentemente do país ou da região do planeta em que vivemos. O exemplo que foi dado pela comunidade científica pelo desenvolvimento das diversas vacinas e a forma como os profissionais de saúde a nível global enfrentaram a crise pandémica, revela que quando nos juntamos e nos preocupamos uns com os ou tros a humanidade mostra a sua grandeza. Este ano de 2020 também revelou esse sentimento, de que todos fazemos parte de algo que pertence a todos, uma civilização global.
CL – Como perspectiva o ano de 2021? O que é necessário mudar para prevenir novas e eventuais problemas?
NS – O ano de 2021 será melhor que 2020, mas a nossa recuperação será lenta e nem tão cedo estaremos a níveis de 2019. Considero que devemos manter alguns dos ensinamentos que esta pandemia nos ofereceu, designadamente no que respeita a comportamentos sociais. Por outro lado, no que respeita à prevenção de novos e eventuais problemas desta natureza , considero que ainda não existe uma resposta definitiva porquanto ainda hoje desconhecemos a origem e razão do aparecimento do Covid-19, devendo essa resposta caber à Organização Mundial de Saúde e aos especialistas da área.
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«Penso que em 2023, se não houver novos desenvolvimentos (pandémicos) deveremos atingir o ponto de retoma económica»
CL – Quando pensa que será possível a retoma económica?
NS – Penso que em 2023, se não houver novos desenvolvimentos (pandémicos) . Deveremos atingir o ponto de retoma económica.
CL – Onde e com quem passou este Natal? Qual o seu sentimento em face das restrições?
NS – Em casa, com a minha família. Penso que as restrições foram impostas para tentar reduzir o impacto da propagação da pandemia, contudo, o afrouxamento delas durante o período de Natal teve efeitos negativos que só agora estamos a perceber pelo aumento de infectados e mortos, o que é de lamentar.
CL – Quando, há meses, ficou durante 14 dias em isolamento profiláctico por ter contraído Covid-19, que sintomas teve e como reagiu? O que fez durante o período em que teve de estar fechado em casa, o que sentiu? E como foi a alimentação? Esteve em contacto com as autoridades de Saúde? O que lhe disseram?
NS – Foi um período complicado, pois apesar de não ter estado internado, tive diversos sintomas que persistiram durante mais tempo que o normal, designadamente, febre alta, perda de olfato e paladar e dores musculares. Quando percebi que não estava bem liguei para a Saúde 24, que no dia a seguir agendou o teste à Covid-19, o qual recebi em menos de 24 horas. Perante o cenário de positivo, optei por isolar-me totalmente do resto da minha família e permaneci sozinho em isolamento profilático. A alimentação durante os primeiros oito dias foi a mínima porquanto perdi o apetite, após esse período retomei normalmente.
Quanto às autoridades de Saúde quero aqui realçar o papel do Centro de Saúde de Lagos, na pessoa da Dra. Lídia Montenegro, que me acompanhou diariamente, telefonando-me todos os dias e apoiando tanto a nível médico como psicológico. A ela aproveito para aqui agradecer publicamente o esforço e dedicação que tem à sua profissão e ao auxílio que presta a todos que estiveram e estarão a seu cargo durante esta pandemia.
CL – Quais os prejuízos em termos profissionais, ao nível da Advocacia?
NS – A nível da advocacia não posso falar em prejuízos, mas apenas na diminuição do fluxo de trabalho.
CL – Vai receber a vacina contra a Covid-19? O que pensa da vacina? E que sensação tem em usar a máscara?
NS – Logo que for chamado pelas entidades de Saúde irei ser vacinado. Penso que a vacina é o resultado de um esforço enorme da comunidade científica, o qual devemos honrar. A forma como se uniram quebrando as normais barreiras de países e instituições para criarem um conjunto de vacinas que nos iram ajudar a ultrapassar este desafio. Penso que a máscara é uma questão de hábito, neste momento já faz parte da normalidade. Não consigo sair de casa sem duas ou três mascaras.
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«A pandemia fez-me ver que realmente fazemos parte de algo maior, que a globalização social pode e deve ser empreendida e que podemos contar uns com os outros»
CL – O que mudou em si com esta pandemia?
NS – Penso que a pandemia veio demonstrar o quão frágil a nossa sociedade se encontrava e, por outro, comprovou que nas alturas realmente importantes preocupamo-nos uns com os outros. A resposta que foi dada e revelou o que de melhor a humanidade tem. A solidariedade, a partilha de conhecimentos e recursos. Assisti a algo que eu na minha geração nunca tinha visto e penso que a última vez que o mundo se reuniu de forma minimamente parecida foi durante a Segunda Guerra Mundial para fazer face a outro mal de então.
A pandemia fez-me ver que realmente fazemos parte de algo maior, que a globalização social pode e deve ser empreendida e que podemos contar uns com os outros.
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José Manuel Oliveira
Marta Ferreira
In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº363 · JANEIRO 2021