A edição de Novembro continua a dar prioridade às freguesias. Depois de Fábio Mateus (Budens), José Estevão (Bordeira); João Reis (Luz), Luís Paixão (Sagres), Dino Lourenço (Junta de Freguesia de Vila do Bispo e Raposeira), Duarte Rio (União das Freguesias de Bensafrim e Barão de S. João), Carlos Fonseca (Odiáxere) e Alberto Encarnação (Barão de São Miguel), trazemos agora à estampa o Presidente da Junta de Freguesia de Odeceixe, Carlos Vieira. Até à data, apenas duas freguesias do concelho de Aljezur não responderam ao desafio, designadamente Rogil e Aljezur.
Com 43 anos de idade (nascido a 2 de Outubro de 1977) e natural de Odeceixe, Carlos Manuel Rosa Vieira, casado e pai de uma menina de oito anos, é consultor imobiliário em Aljezur e Presidente, no segundo mandato e a meio tempo, da Junta de Freguesia de Odeceixe, situada neste concelho do barlavento algarvio. Militante do Partido Socialista, exerce funções autárquicas há 12 anos nesta Assembleia de Freguesia. É bombeiro desde os 14 anos, da corporação dos Bombeiros Voluntários de Aljezur, desempenhando neste momento o cargo de sub-Chefe.
«Gosto muito de andar de bicicleta e de praia», confessa-nos Carlos Vieira, que praticou body-board durante muitos anos: «Gosto muito da música portuguesa tradicional. Gosto de jazz. E gosto de todo o tipo de música, de uma maneira geral. Da boa música!». E até tocou trombone de varas na banda filarmónica de Aljezur. A nível gastronómico, é apreciador de «vários tipos de comidas, do peixe»: «O que mais aprecio é sargo. Também gosto muito dos perceves e de os apanhar», destaca. Adepto do Benfica, foi futebolista dos juniores do Juventude Clube Aljezurense, após o que ingressou no Grupo Desportivo Odeceixense. Como principal defeito, reconhece ser «um bocado teimoso», apontando como principal virtude gostar de «falar abertamente com as pessoas»: «Sou frontal, digo as coisas quando tenho de dizer», conclui.
Presidente da Junta de Freguesia de Odeceixe, do concelho de Aljezur, há dois mandatos, Carlos Vieira revela, nesta entrevista ao Correio de Lagos, que não se recandidatará às eleições autárquicas, em 2021. «Neste momento, preciso de dar alguma atenção à minha família», confessa o autarca e consultor imobiliário, casado e pai de uma menina de oito anos, garantindo, no entanto, que não vai «abandonar a política». Conta o que já fez na freguesia de Odeceixe e quais os seus projectos, e alerta para problemas nesta zona do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, onde considera «manifestamente pouco» o orçamento de 260 mil euros, em 2020, para tanto trabalho.
Correio de Lagos – Este é o seu segundo mandato como Presidente da Junta de Freguesia de Odeceixe, situada no concelho de Aljezur. Que balanço faz até ao momento?
Carlos Vieira – O segundo mandato tem sido um pouco diferente daquilo que foi o primeiro. Quando cá chegámos havia muitas coisas ainda por fazer, obras que se podiam fazer. Ou seja, foi mais assente em obras que faziam falta.
CL – O que faltava, então, e o que foi feito?
CV – Não havia parques infantis. Construímos um parque infantil aqui em baixo, com capitais próprios da Junta de Freguesia, e outro nos Malhadais, em parceria com a Câmara Municipal de Aljezur, em frente à escola. O primeiro foi construído há cerca de três anos e o de Malhadais, sensivelmente há quatro. E construímos, também, mais um parque infantil na pré-escolar. Criámos arruamentos que faziam falta. E continuam a faltar. Há algumas ruas que ainda temos de intervencionar. Por outro lado, a Câmara Municipal abriu, agora, um novo concurso para construção própria por parte de residentes no concelho, com dezasseis lotes. E está a reformular o loteamento municipal dos Malhadais para ver quantos lotes é que permite a construção. Pretende criar mais lotes para construção própria destinada a casais, nos Malhadais. Isto, porque não há praticamente em todo o concelho, dentro dos aglomerados urbanos, zonas de construção disponíveis. É uma situação que vai ter de ser revista no próximo PDM - Plano Director Municipal.
CL – Referiu que o segundo mandato tem sido um pouco diferente do primeiro. Em que aspecto?
CV – Neste mandato, consegui re-construir - e já está praticamente concluída - a capela do cemitério, proporcionando mais condições condignas para as pessoas pode-rem ali permanecer e acompanhar os falecidos. O espaço não tinha grandes condições e com a ajuda da Câmara Municipal consegui-mos reformular a capela, dar-lhe uma maior dimensão, conforto, ao instalarmos ar condicionado. As casas de banho também são novas, ao mesmo tempo que fize-mos um telheiro no exterior para quando chove. Tínhamos pensado em construir uma casa mortuária, mas, neste momento, em termos de verba era muito dispendiosa para a Junta de Freguesia. Não tínhamos capital. Por isso, pensámos que aquela solução que se verificou é a ideal e permite condições para as pessoas lá estarem.
«Não gostávamos de concluir o mandato sem construir o parque de manutenção na zona dos Malhadais (...) para praticar exercício físico, a que se juntarão algumas mesas para se conviver»
CL – E que outras obras conseguiu levar a efeito neste mandato?
CV – Por exemplo, quase todos os anos temos feito obras nas escolas. Colocámos um telheiro entre as duas salas da pré-primária, o que permite que as crianças, mesmo a chover, consigam estar no exterior do estabelecimento de ensino. E estamos a fazer a mesma coisa para a escola primária, ou seja, para o primeiro ciclo, de modo a que as crianças não estejam confinadas no interior em dias de chuva, até porque nesta altura do Covid é mais complicado. E tivemos, praticamente desde Março deste ano, duas equipas de funcionários a trabalhar no exterior. Naquele período inicial, por causa da pandemia, dividimos as equipas. Para termos a segurança de que não havia interrupção nos serviços, tivemos de colocar duas equipas a fazer escalas diferentes. Por exemplo, uma equipa trabalhava numa semana e depois rodava. Temos quatro funcionários, dois administrativos e dois no exterior. Depois, contamos com dois funcionários do município de Aljezur, um deles reformou-se agora. E também vamos buscar pessoas desempregadas ao Centro de Emprego. Depois, a Câmara tem um programa, o PROTEL, destinado à ocupação de tempos livres, que nos permite também contar com mais algumas pessoas. Normalmente, o total das pessoas que estão aqui a trabalhar é entre dez a doze pessoas no pico do Verão.
CL – Falta um ano para concluir este seu segundo mandato. Até final, mesmo com as condicionantes devido à Covid-19, o que pensa fazer?
CV – Estamos, agora, a discutir o próximo orçamento e temos alguma indefinição ainda em termos daquilo que é o Plano. Não gostávamos de concluir o mandato sem construir o parque de manutenção na zona dos Malhadais. É o Parque Verde, que engloba nomeadamente um parque infantil, que já lá instalámos, e que tem também outra componente, onde permite às pessoas irem ali fazer uma corrida, além de dispor de equipamentos para praticar educação física, a que se juntarão algumas mesas para se poder permanecer e con-viver. Sabemos que, neste momen-to, isso torna-se mais difícil, mas foi um projecto que logo no início deste mandato nos propusemos concretizar. Não temos, ainda, uma estimativa do total da obra, até porque pensamos fazê-la por fases, uma vez que, infelizmente, o nosso orçamento é muito curto.
Orçamento de 260 mil euros em 2020 «é manifestamente pouco»
CL – Qual o orçamento da Junta de Freguesia de Odeceixe e como é aplicado?
CV – Temos um orçamento anual de cerca de 160 mil euros. Depois, com os apoios da Câmara Municipal de Aljezur, o total fica a rondar os 240 /250 mil euros. Neste ano, com o rectificativo, o orçamento desta Junta de Freguesia chegou a mais de 260 mil euros. É manifestamente pouco. Para já, o Fundo de Financiamento das Freguesias é muito curto para este tipo de freguesias de baixa densidade. Só um terço do orçamento destina-se, praticamente, a pagar ao pessoal. Não nos sobra muito dinheiro para realizar obra. Claro que fazemos obras, grande parte das quais com apoio da Câmara Municipal. O nosso dia-a-dia praticamente é a limpeza urbana que nos envolve muito em termos de pessoal. A freguesia ao nível de dimensão tem, sensivelmente, 41 metros quadrados. Não é muito extensa, mas contamos com muitos espaços públicos, muitos caixotes do lixo, papeleiras. Depois, temos uma grande afluência de turismo, porque a nossa freguesia essencialmente vive deste sector, sendo os eventos, na sua maior parte, realizados pela Junta de Freguesia. Alguns são em conjunto com a Câmara Municipal de Aljezur, dada a sua dimensão. A Feira do Folar de Odeceixe é um desses eventos e foi o primeiro em que tivemos de ter a parceria da Câmara Municipal para organizar, porque o nosso orçamento já não permite levar a efeito um festa daquele tipo sem apoio. E também costumamos comemorar o Carnaval com carros alegóricos; tínhamos os passeios da Páscoa com os seniores, os fados na rua, sempre em Julho, com um dia inteiro de fado; o Grupo Desportivo Odeceixense realizava as festas de 15 de Agosto, normalmente durante três dias, tínhamos sempre animação de Verão, depois a Festa da Praia; e o Natal dos 60, ou seja, uma festa com os seniores da freguesia. Iniciámos o ano com as festividades habituais, assinalando a passagem-de-ano. No último ano retomámos o fogo-de-artifício, que há já alguns anos não havia.
Manter o fogo-de-artifício na passagem-de-ano, mas sem banda musical para evitar ajuntamentos
CL – Em tempo de pandemia, como pensa assinalar a entrada em 2021?
CV – Estamos a pensar continuar com o fogo-de-artifício. Aguardamos a proposta por parte de uma empresa. Já que as pessoas não se podem concentrar, onde era hábito, no Largo 1.º de Maio, e havia sempre uma festa de fim-de-ano, com uma banda, estamos, desta vez, a pensar em proporcionar, na mesma, o festival pirotécnico, porque podem visualizar em casa, ou em qualquer sítio na rua.
CL – Quanto já perdeu, em termos económicos, a freguesia de Odeceixe, nomeadamente ao nível da restauração e do comércio, devido à não realização de eventos? Que prejuízo causou até ao momento esta pandemia?
CV – Não temos, ainda, esses números. Não consigo quantificar. Ainda não fechámos as contas. Sei que o Verão em si não foi mau. Ou seja, em Julho, Agosto, Setembro, os restaurantes funcionaram razoavelmente, embora com algumas condicionantes, porque, devido às regras sanitárias, não podiam ter as mesas com que contavam anteriormente. Por outro lado, a Adega-Museu, um dos locais turísticos da freguesia de Odeceixe, e o Moinho, neste momento estão encerrados por causa da Covid. Tínhamos uma receita própria, à volta de 12 mil euros por ano, que era proporcionada pelos quiosques municipais, sob a gerência da Junta de Freguesia. Devido à situação pandémica, a Câmara Municipal de Aljezur isentou os quiosques do pagamento dessa taxa. Fizemos um pedido de apoio à Câmara para que de alguma forma nos pudesse compensar da falta dessa receita, porque a mesma permite-nos pagar o funcionário. A Câmara acedeu e na última Assembleia Municipal foi aprovada essa transferência de verba. O que há aqui a destacar mais é o comércio, a restauração e o alojamento local, sectores que tiveram uma baixa em termos de capital devido à falta de eventos. Como sabem, a Costa Vicentina está a tornar-se um sítio muito apetecível não só para passar férias, mas também para viver, pelo que temos tido algum acréscimo de novos habitantes. Temos, também, o parque da serra e somos muito procurados por caminhantes, pois passa aqui a Rota Vicentina. O fluxo de turismo ao longo do ano aumentou muito na nossa zona. Basicamente, temos estes meses de Novembro e Dezembro que são um pouco mais fracos ao nível da afluência. Em 2012, a Praia de Odeceixe foi considerada uma das 7 maravilhas de praias de Portugal na categoria de arribas, o que também deu mais movimento a esta zona.
«A Junta de Freguesia não vai buscar nada com o surf. O que nos traz aqui o surf é mais as pessoas. Para o comércio e para a restauração, acredito que seja uma mais-valia. Em termos da freguesia, aquilo que nos traz é mais trabalho»
CL – O surf em Odeceixe proporciona cerca de cinco milhões de euros por ano, de acordo com estimativas. A Junta de Freguesia arrecada alguma receita?
CV – A Junta de Freguesia não vai buscar nada com o surf. O que nos traz aqui o surf é mais pessoas. Para o comércio e para a restauração, acredito que seja uma mais-valia. Em termos da freguesia, aquilo que nos traz a nós é mais trabalho. Quanto maior é o fluxo de pessoas, mais é o lixo que deixam e nós temos de ter as coisas em condições.
CL – O surf é bem-vindo a Odeceixe?
CV – O surf é bem-vindo, sempre foi e sempre será. É um produto em que nós devemos apostar. E quando digo nós, refiro os agentes locais não só a nível da freguesia, mas do concelho de Aljezur. Até porque o nosso concelho é propício à prática de surf. A Praia de Odeceixe, em termos de ondas, não é muito propícia para aqueles surfistas mais avançados, mas é boa para os principiantes, para escolas. Tem espaço suficiente para as pessoas poderem operar, conta também com a parte do rio, onde é possível desenvolver outro tipo de atividades, como a canoagem. Temos uma concessão na praia, com canoas para alugar. A nossa praia é muito apetecível para a prática de desportos náuticos. Como referi, o surf é um bom produto, no qual se deve apostar. Nós proporcionamos balneários públicos, recolha de lixo, limpeza de praia, ou seja, mantemos tudo em condições, ou tentamos que esteja tudo em condições, para que quem nos visita possa usufruir. Mas, depois, não existe esse retorno. E o que é que acontece? Temos meios muito reduzidos em termos de recursos humanos, porque não podemos contratar. Só podemos ter quatro funcionários, o que é francamente pouco para aquilo que temos de fazer. Para funcionar em condições, esta Junta de Freguesia teria de ter, no mínimo, uns vinte funcionários.
CL – Há receitas, nomeadamente impostos, proporcionadas pelo surf?
CV – Alguma da tributação que é feita na modalidade desportiva surf devia ser canalizada para os municípios e para as juntas de freguesia. Não consigo quantificar o valor. Mas julgo que devia haver uma taxa qualquer, cujo valor revertesse também para a Junta de Freguesia. Faz todo o sentido, pois o surf está a usufruir de um espaço publico. Quem retira partido dessa receita são os agentes operadores no surf. É certo que a restauração e o comércio também têm benefício, se bem que nem todas as pessoas que cá vêm praticar surf deixem alguma coisa na economia local. Temos duas escolas de surf na freguesia de Odeceixe – um concessionário na praia e um operador de uma escola. Mas vêm pessoas de Portimão, de Lagos, de Silves, de todo o Algarve, praticar surf ao concelho de Aljezur. Vêm em carrinhas das escolas de surf, que trazem alimentação, já incluída no pacote, e ao final do dia regressam aos hotéis, nomeadamente para Lagos, ou para Portimão, para grandes cidades, e nada deixam na economia no nosso concelho. Julgo que seria mais justo para todos que houvesse aqui uma forma de algum desse dinheiro reverter para esta freguesia.
CL – O que seria através de tributação...
CV – Quero crer que as escolas de surf passam facturas aos seus clientes. Se não o fazem, deviam-no fazer. Agora, acho que parte dessa verba que o Estado recebe devia ser canalizada para as autarquias locais, pois é através destas entidades que o dinheiro é melhor aplicado. Somos nós que temos aqui a proximidade. E depois, por exemplo, quem faz a limpeza das praias? É a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal. Para licenciar um apoio de praia é a Autoridade Marítima e a Agência Portuguesa do Ambiente. São, pois, essas entidades que recebem a receita da praia. Mas, repito, quem faz a limpeza da praia são as Juntas de Freguesia, ao fim e ao cabo, os municípios. Há, portanto, aqui alguma coisa que não bate certa. Nós temos de manter a limpeza das ruas, por exemplo, na praia de Odeceixe, recolher o lixo das papeleiras, recolher o lixo do estacionamento (porque algumas pessoas não têm cuidado), temos de recolher o lixo do areal, limpá-lo. Isto tudo são custos.
CL – E quanto custa todo esse trabalho?
CV – Não tenho uma estimativa. Teria de fazer contas ao salário da pessoa que o faz, ao gasóleo que gastamos na deslocação e também quando o trator vai à praia efectuar a limpeza. Não são custos fáceis de quantificar, mas ao fim de um ano são muito elevados.
CL – Já propôs à Câmara Municipal de Aljezur, por exemplo, pressionar o Governo, no sentido de vir a beneficiar das receitas proporcionadas pelo surf?
CV – Sei, em conversas que tive com o Sr. Presidente, que ele está preocupado com essa matéria, porque abrange todo o concelho.
CL – São milhares de euros por ano que esta Junta de Freguesia deixa de receber...
CV – Sim, e é alguma verba que se tornando receita própria da Junta de Freguesia, se calhar nos permitiria, por exemplo, contratar mais alguma pessoa e prestar maior apoio ao associativismo. Temos o Grupo Desportivo Odeceixense, o Grupo de BTT Pedal Ar Livre, uma Associação de Moradores, além de apoiarmos os Bombeiros Voluntários de Aljezur, através da sua secção aqui em Odeceixe (neste momento com um carro de combate a incêndios e uma ambulância) e outras colectividades do concelho.
CL – Que outras lacunas sente nesta localidade?
CV – Temos um Centro de Saúde, mas só temos uma médica de família para cerca de 1.100 habitantes, que no Verão triplica. É uma loucura! No Verão, ainda temos outra situação que é a do auto-caravanismo, que nos coloca aqui outro tipo de problemas.
Auto-caravanismo provoca «à primeira vista, logo lixo» na costa vicentina
CL – Que tipo de problemas provoca o auto-caravanismo?
CV – À primeira vista, logo lixo! Acredito que há muitos caravanistas e auto-caravanistas que são pessoas que respeitam o ambiente e depositam o seu lixo onde devem fazê-lo. Mas umas Vans são transformadas e não têm casas de banho. Portanto, essas pessoas têm de ir a algum lado... Se formos à praia de Odeceixe, por detrás do parque de estacionamento, cá em cima, no topo, vamos ver o que lá está... É uma casa de banho a céu aberto que não dignifica ninguém. Não é esse tipo de turismo que nós queremos. Nós queremos o tipo de turismo responsável e que não deixe uma grande pegada ecológica. O que se vê é que, depois, despejam as águas em qualquer lado. Nós temos espaços abertos. Por exemplo, o cemitério tem um portão automático e nós de vez em quando deparamo-nos com auto-caravanas a abastecerem-se de água. Os proprietários vão com uma mangueira dentro do cemitério e abastecem-nas. Como as auto-caravanas têm dois depósitos, um para águas limpas e outro para águas sujas, eles para abastecerem os de águas limpas têm de despejar os de águas sujas. E onde é que as foram despejar...?
«Já existem projectos em Odeceixe, um dos quais do Grupo Desportivo, para a criação de uma Área de Serviço para auto-caravanas»
CL – O que é necessário fazer para mudar toda essa situação?
CV – Já existem projectos em Odeceixe, um dos quais do Grupo Desportivo, para a criação de uma Área de Serviço para auto-caravanas. Há, também, um projecto de um particular junto ao campo de futebol, que tem sido sucessivamente chumbado pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. É outro grande problema que nós temos aqui. O terreno em causa encontra-se situado junto à estrada nacional e junto ao campo de futebol. Era um estaleiro, um areeiro.
CL – Já falou com os responsáveis do Parque Natural?
CV – Várias vezes. O argumento é que está dentro do Parque Natural. Porque o perímetro urbano não chega àquela zona. Está mesmo nos limites da zona urbana. E como não está dentro da zona urbana, tem de ter parecer do Parque Natural, que logo aí coloca um entrave. Mas acho que o Parque Natural, as entidades competentes, devem pensar que este tipo de infraestruturas tem de ser criado. Isto, porque cada vez mais temos este tipo de turismo na nossa zona.
CL – Quantas auto-caravanas passam por Odeceixe ao longo do ano?
CV – Oh... não sei. Umas centenas, de certeza. Centenas de milhares de auto-caravanas passam aqui todos os dias e de todas as nacionalidades.
CL – E o que permitiria uma área de serviço para auto-caravanas?
CV – Espaço próprio para pernoitar e pagar. A GNR tem dificulda-de em manter as pessoas na ordem, porque depois não há sítios para onde as mandar. Temos o Parque de Campismo de São Miguel aqui perto, já no Alentejo. Mas o Parque de Campismo de São Miguel chega a uma certa altura e está cheio, não consegue albergar mais. Depois, os auto-caravanistas também têm outro grande problema: não querem ficar no parque de campismo, porque têm de pagar. Mas tem de haver legislação para que a GNR possa de alguma forma não permitir estas situações. Sei que já foi dado um passo nesse sentido, mas é curto. Julgo que devia haver legislação própria para que as Vanse as auto-caravanas tenham espaços próprios para poderem pernoitar e pagar, como é evidente, pelos serviços que lhes prestam. Porque vão para lá descarregar as cassetes, o lixo, vão carregar as baterias com energia...
«GNR tem recursos humanos reduzidos e não consegue estar em todo o lado»
CL – E se não houver legislação para alterar esta situação e tudo continuar na mesma, como vai ser? Até onde irá parar?
CV – Se não houver legislação e se não forem tomadas medidas, estão a destruir aquilo que é o nosso melhor, que é a nossa costa. Nós vemos todos os dias carros em cima das arribas com tendas ao lado. Depois, há o campismo selvagem. Não são só as Vans, as auto-caravanas, mas também o campismo selvagem. Eu testemunhei isso neste Verão junto às falésias. Para além de ser perigoso, estão a pisar dunas primárias com flora e fauna que só existem na nossa zona. Por outro lado, a GNR tem recursos humanos reduzidos e não consegue estar em todo o lado, o que é um grande problema que também temos aqui.
CL – Quantos operacionais tem a GNR em Odeceixe?
CV – Neste momento, não sei. Mas sei que eles estão a fazer patrulhas conjuntas com o posto de Aljezur. Ou seja, o efectivo que de momento o posto de Odeceixe e o de Aljezur têm é muito reduzido para este concelho. Sei que o Sr. Presidente da Câmara Municipal já falou com o comandante distrital da GNR acerca disso. Mas, repito, há uma grande falta de efectivos da GNR. Até porque ainda por cima neste período de Covid, em que têm de ver se as pessoas estão de quarentena, em casa, se for caso disso, se os estabelecimentos estão a cumprir as regras sanitárias, além de terem as situações de trânsito, não conseguem chegar a todo o lado.
CL – Há segurança na freguesia?
CV – Sim. É uma freguesia segura, até porque não temos tido roubos, assaltos, nada disso. Julgo, porém, que o posto da GNR devia estar composto com mais efectivos para dar resposta também mais célere às situações que ocorrem. Por exemplo, já me aconteceu testemunhar uma situação dessas de uma auto-caravana estar a abastecer no cemitério, eu ligar para o posto da GNR e não havier cá efectivos, e a patrulha que existia no concelho encontrava-se na Bordeira, que é no extremo, no Sul do município de Aljezur. Quando eles estavam aqui a chegar já não havia auto-caravana. Sei que a GNR tem falta de recursos humanos. Nós, enquanto Junta de Freguesia, fazemos tudo para os ajudar em termos daquilo que é, às vezes, aquelas coisas do dia-a-dia, se for preciso fazer uma pintura no posto, arranjar qualquer coisa que se estrague. Estamos disponíveis, e sempre estivemos e continuaremos a estar, para os ajudar naquilo que for possível.
CL – Qual é a grande obra que gostaria de ver em Odeceixe?
CV – Ao fim e ao cabo, somos uma freguesia que tem de tudo um pouco. Debatemo-nos, no entanto, com um problema no Mercado Municipal, que a Câmara já se propôs corrigi-lo. Há quatro lojas encerradas devido a umas infiltrações de águas e portanto gostava de ter esse problema resolvido até ao final do meu mandato. É um problema técnico no Mercado Municipal de Odeceixe, basicamente. Trata-se de um bar, outra loja era utilizada para vender roupa, e outros estabelecimentos, outros produtos. Outra obra que gostaria de ver era o parque de lazer nos Malhadais. Não consigo precisar o valor que seria necessário despender porque a obra foi idealizada em vários momentos. O que posso dizer é que está a ser desenvolvido o projecto para esse parque, para ficar definido concretamente onde vai ficar o quê. E depois, quando esse projecto estiver concluído, é que nós saberemos exactamente qual será o valor.
CL – O que pensa do actual Presidente da Câmara Municipal de Aljezur, José Gonçalves? Está a corresponder às expectativas?
CV – Sim. Aliás, desde que iniciámos o nosso primeiro mandato na Junta de Freguesia, o José Gonçalves já fazia parte do executivo camarário do anterior presidente. E naquela altura, ele era o vereador que acompanhava os presidentes de juntas de freguesia. Até nos encontrávamos mais vezes do que nos encontramos agora. O José Gonçalves está a par daquilo que são as necessidades da freguesia, porque ele também reside aqui.
«Não me vou recandidatar» mas também «não vou abandonar a política»
CL – Pensa recandidatar-se, em Outubro de 2021, a um novo mandato autárquico? Quais são as suas ambições políticas?
CV – Já falei com o meu executivo. Um dos seus membros, que é o nosso secretário, deve andar cá há 28 anos. Já fazia parte do anterior executivo, liderado pelo presidente Fernando Rosa, durante doze anos, e transitou para o nosso mandato. Depois, temos o nosso tesoureiro que foi recentemente nomeado comandante dos Bombeiros Voluntários de Aljezur. Em princípio, não nos vamos recandidatar. Queremos fazer uma pausa. Não quero abandonar aquilo que é a vida política municipal, vou continuar a apoiar onde entendo. Mas não me vou recandidatar.
CL – E porquê?
CV – Para já, por opção pessoal, porque neste momento preciso de dar alguma atenção à minha família. Tenho uma filha com oito anos. Já tive esta conversa com a família e, portanto, não me vou recandidatar à Junta de Freguesia.
«Julgo que será benéfico fazer aqui uma pausa e também vir algum sangue novo. Isto não é um adeus, mas um até já»
CL – E descarta, ou não, outras hipóteses?
CV – Já falei com o nosso Presidente da Concelhia (do PS), o António Carvalho, e disse-lhe que estou disponível para ajudar naquilo que for necessário. Foram mesmo estas palavras. E estou disponível para apoiá-los na próxima campanha eleitoral.
CL – É devido a cansaço que não se recandidata a presidente da Junta de Freguesia?
CV – Não é o facto de me sentir cansado. É um conjunto de situações que levou a que eu tivesse pensado dessa forma. Julgo que será benéfico fazer aqui uma pausa e também vir algum sangue novo. Isto não é um adeus, mas um até já.
CL – E já tem sucessores?
CV – Sim, julgo que há aqui pessoas com capacidade para isso. Há pessoas que se interessam por aquilo que é a vida da freguesia.
CL – E se o partido o pressionar a recandidatar-se? Ou até a candidatar-se à Câmara Municipal de Aljezur, como Vereador?
CV – Não vou abandonar a política. Mas, neste momento, como disse, não me vou recandidatar. Vou apoiar o partido nas próximas eleições autárquicas e já o disse ao nosso presidente da Concelhia, mas recandidatar-me à presidência da Junta da Freguesia, de momento, está fora de questão.
CL – Sente-se desiludido com a política?
CV – Não me sinto desiludido. Só que há aqui um conjunto de situações que me levou a pensar que era o momento de fazer uma pausa. E é isso que eu pretendo, fazer uma pausa. Quero dedicar algum tempo à minha família. Quero ganhar também experiência noutros campos em termos profissionais. Julgo que é o tempo certo de fazer aqui uma pausa e depois daqui a cinco anos logo veremos se, então, estarei em condições, ou não, de voltar à vida política activa. Mas não me quero afastar, isso não. O António Carvalho (Vice-presidente da Câmara Municipal de Aljezur e Presidente da Concelhia do PS) e o actual Presidente da Câmara Municipal, José Gonçalves, contavam que continuássemos, mas aceitaram as nossas razões.
A necessidade de uma pequena zona industrial e da expansão do cemitério, o problema da degradação da EN-120 na zona de São Teotónio e a falta do IC4 entre Lagos e Sines
CL – Que competências devem ter as autarquias?
CV – Com a nova delegação de competências, e se for bem nego-ciada e justa, acho que, por exem-plo, as freguesias vão ter mais auto-suficiência e capacidade de resposta para os seus problemas. Gostava que essa delegação de competências tivesse vindo há oito anos. Certamente tinha per-mitido fazer as coisas de manei-ra diferente. Porque ao fim e ao cabo, essa delegação de compe-tências permite que o município transfira para a Junta de Freguesia não só recursos humanos, como financeiros. Vai dar outra vida às freguesias.
CL – Se lhe tivessem dado há oito anos essas competências, o que teria feito?
CV – Algumas obras. Temos duas casas que podiam ser remodela-das para dar mais condições, por exemplo, a professores, médicos e outros profissionais que vêm trabalhar para Odeceixe. Gostaríamos de construir habitação social em Malhadais. Os municípios deviam ter habitação sempre disponível para no caso de acontecer uma situação qualquer, ter um imóvel. Por outro lado, a Junta de Freguesia de Odeceixe gostaria de iniciar a criação de uma pequena zona industrial, com vários armazéns, entre os quais uma oficina de carros. O cemitério está a ficar lotado e só a aquisição de terreno permitirá expandi-lo. Isto sem esquercer que a Estrada Nacional 120 se encontra cada vez mais degradada na zona de São Teotónio, já perto de Odemira, no Alentejo, onde vão muitas pessoas de Odeceixe fazer compras. É o piso, são as bermas, tudo a pôr o trânsito em risco. Falta o IC4, entre Lagos e Sines, de que há décadas se fala. Estamos num extremo do Algarve, a cerca de 50 quilómetros do Hospital do Barlavento em Portimão. São muitos problemas para esta zona.
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Carlos Conceição
José Manuel Oliveira
In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº360 · NOVEMBRO 2020