No seguimento da estratégia editorial do jornal Correio de Lagos, e no âmbito do «Ciclo de Entrevistas aos autarcas das Terras do Infante», aqui fica a reportagem com a Presidente da Assembleia Municipal de Vila do Bispo Ana Bela Martins.
Quem é Ana Bela Martins?
Ana Bela da Conceição Martins nasceu a 1 de Julho de 1950, em Tavira, e reside em Lagos. Solteira. Habilitações Académicas: Licenciatura em Direito, com duas Pós-Graduações – uma em Gestão Autárquica e Modernização Administrativa, e outra em Direito Fiscal. Percurso Profissional: Professora de Educação Física (1975-1982); Professora de História, Psicologia e Introdução à Política (1977); Funcionária da Autoridade Tributária e Aduaneira (1982-2016); Formadora na Direcção Distrital de Finanças de Faro (1992-1997); Chefe do Serviço de Finanças em Vila do Bispo (1996-1997); Delegada concelhia do INE em Vila do Bispo – Censos 2001.Trajecto Político: Tesoureira da Comissão Política de Secção do PSD/Lagos (1989-1993); Secretária da Mesa da Assembleia da Comissão Política de Secção do PSD/Lagos (1995-1997); 1.ª Secretária da Mesa da Assembleia Municipal de Lagos (1994-1997); Tesoureira da Comissão Política de Secção do PSD/Vila do Bispo (2000-2004); Vice-presidente da Comissão Política de Secção do PSD/Vila do Bispo (2007-2009); Adjunta do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo (1998-2002); Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo (2002-2005); Vereadora da Câmara Municipal de Vila do Bispo (2009-2013);Presidente da Assembleia Municipal de Vila do Bispo (2017-2021). Participação no Associativismo: Presidente do Conselho Fiscal do Clube de Futebol Esperança de Lagos (1990-1994); Tesoureira do Clube de Vela de Lagos (1991-2005); Secretária da Associação de Desenvolvimento e Promoção de Lagos – ADPL (1994-1996); Secretária da Associação para a Defesa do Património Cultural do Barlavento Algarvio (1998-2000); Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Clube Recreativo Infante de Sagres (CRIS) (2002-2004) Delegada Distrital e Vice-presidente da Mesa Coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) (1984; 2009).
Respostas Rápidas
Prato favorito: Cozido à Portuguesa.
Bebida predilecta: Gin-tónico.
Passatempos: Livros, pintura e música.
Destino de férias de eleição: Japão.
Livros marcantes: “Extinção”, de Kazuaki Takano.
Filmes memoráveis: “Voando Sobre um Ninho de Cucos”.
Clube do coração: Benfica.
Referências políticas: Sá Carneiro.
«Vivi o 25 de Abril intensamente e todas as modificações da sociedade portuguesa, assistindo à criação da maioria dos partidos políticos. (...) Talvez tenha sido aí o despertar... Li livros e livros, lia tudo a que tinha acesso e de uma forma indiscriminada»
Correio de Lagos – Para iniciar a nossa entrevista, impõe-se saber como surgiu essa paixão pela política.
Ana Bela Martins – É uma pergunta curiosa, que me leva a tempos remotos. Não nasci numa família politizada, mas recordo que nos serões de família se falava muito sobre a situação do país e se faziam réplicas dos discursos de Salazar. Aos 4 anos de idade tive oportunidade de conhecer pessoalmente Salazar e com 8 anos assisti ao meu primeiro comício político em Tavira, aquando da campanha de Humberto Delgado às presidenciais.Vivi o 25 de Abril intensamente e todas as modificações da sociedade portuguesa, assistindo à criação da maioria dos partidos políticos. Estava na altura a frequentar o Curso de Filosofia e, com a reestruturação do curso, fiz duas disciplinas que me marcaram profundamente: uma delas sobre “O Marxismo”, outra sobre “Sindicalismo”. Talvez tenha sido aí o despertar... Li livros e livros, lia tudo a que tinha acesso e de uma forma indiscriminada, o que me levou a querer conhecer os programas de todos os partidos políticos. Naquela altura escrevia também muito. Foi a época das perguntas sem resposta, das mil e uma questões, da polémica. Gostava do contraditório. Conheci pessoas de diferentes quadrantes políticos, ideólogas, todas elas muito mais velhas do que eu, que estava na altura nos meus vinte e poucos aninhos. Era muito irreverente, provocadora, opinava sobre tudo, principalmente em termos políticos, raiando às vezes até a inconveniência, mas curiosamente sempre respeitei e aceitei os pontos de vista diferentes e as ideias de cada um. Deliciava--me com um bom diálogo, com conteúdo, que desse “luta”. Não suportava nem tinha paciência para aquela conversa de “treta”, que não levava a lugar nenhum. Era um cristal em bruto e houve muitas tentações e tentativas para me politizarem, para “mudar” as minhas convicções, para que eu olhasse o céu e visse cores diferentes. Foram uns tempos ricos de conhecimentos e de experiências adquiridas. Criei muitas, muitas amizades, sedimentei-as durante anos e anos, independentemente dos percursos que tivemos ao longo da vida e das escolhas que fizemos, e um dia conheci Sá Carneiro... E aqui estou eu na política.
« Ainda (...) existe muita resistência, discriminação e graves disparidades entre homens e mulheres. (...) Neste mandato, sou a única Presidente de Assembleia Municipal eleita no Algarve»
CL – Como é sabido, os rostos femininos crescem a olhos vistos nos lugares de decisão, enquanto as quotas das mulheres continuam a vigorar nos diversos actos eleitorais. Curiosamente, Ana Bela Martins tornou-se na primeira mulher a exercer o cargo de Presidente da Assembleia Municipal em Vila do Bispo, mas também em Terras do Infante. Qual a sensação de alcançar esse feito inédito da política local neste triângulo vicentino?
AM – É inquestionável que hoje assistimos a um escalar rapidíssimo das mulheres em diversos sectores da sociedade, surgindo em lugares de decisão e impondo-se nos meios académico, cientifico, profissional e político. É um fenómeno mundial, principalmente em determinados países, enquanto infelizmente ainda existem outros em que as mulheres são vistas como seres inferiores e relegadas para um segundo plano da sociedade. Os avanços têm sido significativos, mas tem sido um caminhar muito longo e penoso para mudar mentalidades, estruturas, devido a séculos de repressão, discriminação e de preconceitos, que passaram de geração para geração ao longo da nossa história civilizacional. Só fruto de muita persistência, de algumas reformas e de legislação se tem conseguido atingir determinados patamares, e principalmente devido à competência das mulheres. Ainda hoje, em pleno século XXI, existe muita resistência, discriminação e graves disparidades entre homens e mulheres, desde a nível de salários, como no desempenho de determinados cargos e funções, principalmente dirigentes; já para não falar da política, onde foi criada uma barreira progressiva para a entrada das mulheres nos quadros dos partidos ou nas listas para as eleições.
Mas os tempos estão a mudar a uma velocidade vertiginosa e as mulheres estão a afirmar-se por todo o lado, dominando todos os campos. E veja o que está a acontecer em Portugal. Não é preciso recuar muitas décadas, basta irmos a 1911 para termos a primeira mulher a exercer o direito de voto nas eleições constituintes ou a 1904 com o primeiro Doutoramento em medicina. Naquela altura era impensável, hoje faz parte do nosso quotidiano. E aí, todos os movimentos que têm surgido, as comissões que se têm criado, defendendo a igualdade de género e a própria legislação, têm sido um motor importantíssimo nesta reviravolta da sociedade. Agora, atenção, não caiamos no exagero. Por exemplo, pessoalmente, não concordo com a Lei da Paridade, criada em 2006, que impõe nas listas de candidaturas aos diferentes órgãos uma representação mínima de 40% de cada um dos sexos, estando a caminhar-se a passos largos para uma representação igualitária. É absurda a proibição de dois candidatos do mesmo sexo consecutivamente na ordenação da lista de lugares, não só a nível dos cargos dirigentes como a nível dos cargos políticos. Esta Lei das Quotas é usada também por muitos países da União Europeia nas eleições europeias e tem sido alvo de muitas críticas, sendo considerado por muitos até humilhante para as mulheres, quando afirmam que as mesmas não chegaram à política por mérito, por vontade própria, mas sim porque a lei assim obriga. Considero é que a Lei da Paridade é um castigo, uma punição para os homens, por se terem andado a portar mal, durante tantos e tantos anos e não terem dado oportunidade às mulheres de mostrarem o seu valor. Veja bem, quase sempre são os homens a liderar as listas...“Ui... e agora, que faço? Quero colocar aqui o meu amigo A, mas tenho este empecilho, que por causa da Lei tem que ir neste lugar”. Estou a brincar, mas... Há muitos anos, em Lagos, fiz parte de uma comissão política de Secção, assim como pertenci aos corpos sociais de vários clubes e associações. Era a única mulher a estar lá, a participar activamente nas reuniões, opinava e desempenhava as tarefas atribuídas, com os mesmos direitos e obrigações dos meus parceiros. Nunca me senti discriminada ou com privilégios diferentes devido à minha condição de mulher. Pode-se questionar o porquê? Para mim a resposta é fácil. A disponibilidade, e porque naquela época não era muito bem visto uma senhora sair de casa à noite para ir ter reuniões com homens aqui e ali, e muito menos se fosse casada. Preconceitos, mentalidades; não queria utilizar o termo “machismo”, mas não me consigo conter.
Felizmente, os tempos mudaram... A verdade é que as pessoas, quer homens, quer mulheres, devem ocupar os cargos pelo seu mérito e competência (meritocracia), pelo trabalho, pelas provas que já deram na vida, que são capazes de desempenhar as funções. E na política existe ainda outro factor importante: a disponibilidade e vontade de se dedicarem à causa pública. Não tem sentido o “faz de conta” ou “é preciso fazer número”, para lá se estar. Durante a minha vida participei em muitas e muitas campanhas eleitorais, desde as dos clubes e associações, sindicato, e na política em todos os órgãos do partido, assim como nas eleições europeias, presidenciais, legislativas e autárquicas. Ajudei e fiz muitas e muitas listas de candidatos, e sou muito crítica na composição das mesmas. Nem sempre se escolhem os melhores, porque outros valores se levantam... E depois há que preencher número, e o pior é que às vezes é mesmo necessário ir “buscá-los”. As pessoas têm que estar nos lugares certos, por mérito, pelos seus conhecimentos, porque podem em determinadas áreas dar o seu valioso contributo e, acima de tudo, por vontade própria. Bem, perdi-me... A pergunta tinha a ver com o facto de ser a primeira mulher a exercer as funções de Presidente da Assembleia Municipal em Vila do Bispo, mas também no triângulo vicentino, e acrescento ainda que, neste mandato, sou a única Presidente de Assembleia Municipal eleita no Algarve. A sensação é de grande tranquilidade e não encaro esse facto pelo prisma de ser mulher e ser a primeira. Vejo as coisas na perspectiva do eu como pessoa. Trabalhei, lutei, tinha metas a atingir e consegui. Consegui graças ao meu esforço, perseverança e vontade. É dessa forma que encaro a situação, mas também vejo este feito com muita simplicidade e humildade, assumindo-o sem arrogância e prepotência. Ninguém é melhor ou pior que os outros, todos estamos ao mesmo nível, só que cada um tem o seu papel na vida e tem que o desempenhar com dignidade e respeito pelos outros e pelas suas diferenças, e com um grau de responsabilidade enorme.
«Sem dúvida que foi o facto de conhecer bem Adelino Soares (...) que me levou a aceitar o convite para encabeçar a lista para a Assembleia Municipal»
CL – É do conhecimento geral que Ana Bela Martins já tinha sido vereadora num executivo de Adelino Soares. Foi essa experiência e a relação de proximidade que pesou na sua decisão de se candidatar à presidência da Assembleia Municipal de Vila do Bispo?
AM – Sem dúvida que foi o facto de conhecer bem Adelino Soares e de ter tido o privilégio de trabalhar com ele que me levou a aceitar o convite para encabeçar a lista para a Assembleia Municipal. Não faria qualquer sentido se fosse um desconhecido ou alguém com quem tivesse problemas de relacionamento. Defendo que entre a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal, melhor dizendo, entre os Presidentes destes dois órgãos, tem de existir uma cooperação enorme, uma proximidade grande e um bom entendimento. Dou-lhe este exemplo: entra num barco, existem dois remadores. Um rema para um lado, o segundo para o outro. Parece-lhe que consegue chegar a bom porto? Aliás, não consegue chegar a nenhum lado, estando mesmo em risco do barco se afundar.
Durante a minha vida política assisti a de tudo um pouco em relação ao funcionamento das Assembleias Municipais. O mau relacionamento existente entre os Presidentes de Câmara e de Assembleia marcou-me profundamente, porque se reflecte no funcionamento dos dois órgãos com claro prejuízo para a comunidade local. Cada um tem funções distintas e desempenha-as mediante as competências e atribuições que a lei lhes confere, não necessitam de se “atropelar”, medir forças e muito menos haver subserviência. O respeito institucional começa pelo respeito entre as pessoas. E entre mim e Adelino Soares, para além da grande amizade que nos une, existe diálogo e respeito mútuo, enquanto pessoas e institucionalmente, mesmo até quando discordamos, porque partilhamos uma visão colectiva e em detrimento do individual prevalece, sempre, a força da razão.
CL – Esperava ganhar as eleições de 2017, quando não era hábito a candidatura de um rosto feminino para liderar o órgão deliberativo?
AM – Ninguém entra em eleições para perder... digo eu! Em política, poucas vezes perdi. E quando se sucedeu, foi apenas por estar mal informada e distraída, não querendo ver o que era óbvio. As eleições autárquicas são diferentes de outras eleições. Se há militantes que votam nos seus partidos, a maioria da população vota pelo conhecimento que tem das pessoas no seu dia a dia. Embora resida em Lagos desde 1978, tenho uma forte ligação com Vila do Bispo, há 24 anos. Conheço o Município, conheço as pessoas, criei laços e amizades profundas, e se durante alguns anos estive afastada por motivos profissionais, sempre estive presente. Por isso não esteve em causa ser um rosto feminino a candidatar-se, foi uma questão irrelevante, mas o facto de me conhecerem, de saberem quem eu sou e que era capaz de desempenhar as minhas funções com isenção.
CL – Sabe-se que integrou a gestão de Gilberto Viegas com o símbolo do PSD. Houve algo que correu mal, desiludiu-se com o PSD, ou foi em busca de outra estratégia que servisse melhor os interesses de Vila do Bispo?
AM – É uma pergunta pertinente e também impertinente... A vida é feita de surpresas e, por muito que estejamos preparados para determinadas situações, às vezes somos confrontados com os chamados acasos do destino. Desde a criação do PPD/PSD em 1974 que me tornei simpatizante e, mais tarde, militante (não sei o número primitivo, porque com a reestruturação dos militantes foi-me atribuído o n.º 36 831). Nas eleições autárquicas de 2009, em Vila do Bispo, fui na lista para a Câmara Municipal como o número 2. E, como é do conhecimento de todos, o PSD perdeu, tendo, no entanto, conseguido eleger dois vereadores , e Adelino Soares convida-me para assumir as funções de vereação a tempo inteiro.Toda esta situação é do conhecimento público. O que pouquíssimas pessoas sabem, é que eu tentei fazer tudo "certinho e direitinho", como se diz na gíria popular. Primeiro, tendo em atenção o meu passado político, a minha militância, e o facto de ser Vice-presidente da Comissão Política de Secção do PSD/Vila do Bispo. Dirigi-me a Gilberto Viegas, seguindo-se uma reunião com a Comissão Política, a quem comuniquei o convite. De seguida contactei, pessoalmente e via telefone, diversas pessoas ligadas ao PSD, com quem mantive e mantenho relações institucionais e de amizade, em Lagos, Faro, na Dis-trital do Partido e estruturas a nível nacional, para os informar sobre o assunto. Curiosamente, foram pouquíssimas as que não me manifestaram o seu apoio e a sua amizade incondicional. Assumi, e passados dois dias sou confrontada pela comunicação social que o PSD me tinha retirado a confiança política. A situação lógica era que me tivesse sido feita uma comunicação nesse sentido... Nada. Dois anos depois e, devido a uma situação caricata na Assembleia Municipal, é comunicado à Câma-ra Municipal que à vereadora eleita pelo PSD lhe tinha sido retirada a confiança política. Mas como sempre pugnei por tudo ser feito com transparência e sem equívocos, em Dezembro de 2009, dois meses depois de aceitar o cargo, remeti aos órgãos distritais e à Nacional do Partido uma carta, pedindo a minha suspensão como militante, atendendo que era vereadora a tempo inteiro de uma “Câmara Municipal Socialista”. Esta figura de suspensão não está contemplada nos Estatutos do Partido, só como sanção a aplicar pelo próprio Partido e não a pedido de um militante, mas tinha conhecimento que já tinha sido utilizada e concedida e, inclusivamente, mencionava o militante em questão.
Quase dois anos depois, indeferem o meu pedido. Só em 2013, aquando do convite de Adelino Soares para integrar a lista para a Assembleia Municipal, é que renunciei à minha militância do PSD e integrei a lista como independente. Sou detentora do cartão de militante como recordação e todas as outras, guardo-as no coração. Como vê, nada correu mal, não houve desilusões, só um pouco de mágoa em relação a uma pessoa... Independentemente dos partidos e das politiquices, estão as pessoas. Coloco-as sempre num pedestal, prezando a amizade e os momentos bons ou maus que passámos. Mas lá diz o velho ditado..."As atitu-des", ou "as acções são para quem as pratica" e, passados todos estes anos, orgulho-me de dizer que continuo a ser recebida pelos apoiantes e militantes do PSD em todo o lado de braços abertos. Para mim, é muito gratificante ter saído de um partido e continuar a receber manifestações de carinho. Sempre tive uma forma peculiar de estar na política e é por isso que tenho amigos e me relaciono com pessoas de todos os quadrantes políticos. Para mim, todas as pessoas são iguais e merecem o máximo respeito e consideração sem olhar à raça, cor ou credo e, muito menos à simpatia clubista ou ao partido político. Sempre estive assim na vida, motivo pelo qual venci eleições pelo PSD e pelo PS. Terminadas as eleições e as lutas partidárias das campanhas eleitorais, despe-se a camisola e não há vencidos nem vencedores, há sim união de esforços para trabalhar em prol do desenvolvimento e do bem-estar das populações. E quem pensar e agir de forma diferente, significa que afinal não merece ou não merecia ser eleito.
Conhecia muito mal Adelino Soares, mas há pessoas que não é preciso conhecer, basta olhar nos olhos. Está lá tudo... Era um jovem, cheio de força, dinamismo e com muita, muita vontade de criar e desenvolver um projecto para Vila do Bispo. Quando concorri nas listas do PSD tinha projectos, tinha ambições, tinha sonhos, conhecia a vida autárquica, pois já tinha estado na Câmara oito anos. O meu desejo era voltar, mas ao perder, nada fazia mais sentido. Iria ser uma vereadora de 15 em 15 dias, a assistir de uma forma passiva às reuniões de Câmara, ou então iria fazer aquela política, que é apanágio da oposição e que sempre critiquei: "Isto é a política de terra queimada". O que eu queria era dar o meu contributo, queria fazer parte do projecto de desenvolvimento de Vila do Bispo, queria estar junto das populações, ouvindo-as, tentando resolver os seus problemas, envidando os meus esforços em prol do seu bem-estar. E quando Adelino Soares me convida para fazer parte do seu projecto, explodi de alegria. Foi tempo de arregaçar as mangas e fazer aquilo que só sei fazer: trabalhar e contribuir, dentro das minhas possibilidades, para Vila do Bispo e sua população. Tive ao meu lado um grande homem, ainda hoje o tenho... Adelino Soares, que sempre, sempre me apoiou e sempre me transmitiu uma total confiança e liberdade de acção, não se deixando levar pela intriga e pelos “venenos”, com que diariamente o tentavam injectar. Não foi fácil... Nem para mim, nem para ele! Mas tive também ao meu lado outros grandes homens e mulheres, desde o meu Chefe de Divisão, Eng.º Vítor Vicente, até aos muitos funcionários da Autarquia, que sempre me ajudaram a tornar as minhas tarefas e o meu dia a dia mais fácil. Para todos eles um bem-haja!
CL – Chegada à liderança, como foi recebida pelas diversas bancadas das forças políticas? Tem havido a devida cooperação?
AM – Enquanto o Presidente da Câmara é eleito por ser o primeiro da lista mais votada, o Presidente da Assembleia é eleito por escrutínio secreto pelos membros da Assembleia Municipal na sua primeira reunião. E às vezes há surpresas, que mesmo sendo a lista mais votada, pode não ser eleito quem estava a encabeçá-la. A Assembleia Municipal de Vila do Bispo é composta por 19 membros, 15 eleitos e mais os 4 Presidentes das Juntas de Freguesia. Têm assento os Grupos Municipais do PS, de Juntos pela Mudança (PPD/PSD, CDS, PP, MPT.PPM) e o BE e os dois Presidentes de Junta eleitos em listas independentes: Paixão por Sagres e Lista Unitária do Progresso. Quando aceitei a liderança, o meu primeiro propósito foi de dignificar a Assembleia Municipal como órgão e como representante de todos os membros eleitos. E isso só é possível se existir isenção, rigor e transparência e o debate for sério, respeitando as diferenças ideológicas de cada força política, representada na mesma.
Costumo dizer que os exemplos vêm de cima, e o Presidente tem de saber estar e agir quando necessário. É o garante da estabilidade, funcionando como o fiel da balança. Conheço de longa data todos os membros da Assembleia, mantendo um trato de amizade com alguns e de bastante cordialidade com outros. Ao iniciar as minhas funções fiz algumas alterações ao funcionamento. Para além da elaboração de um novo Regimento, as Assembleias Municipais iniciam-se às 16:00 horas e são marcadas às Quartas-feiras, e criei a comissão permanente como órgão consultivo do Presidente da Assembleia, presidida por mim e constituída pelos membros da mesa da Assembleia, pelo líder de cada grupo municipal e pelos independentes. Existe uma total colaboração entre os membros da mesa e o funcionário que dá apoio à Assembleia, e faço questão de todos os assuntos serem previamente discutidos, antes de qualquer reunião da Assembleia, quer entre os membros da mesa, quer em sede da comissão permanente. Faz parte da Assembleia o bom trato, a educação e a cordialidade entre os seus membros e, acima de tudo, o respeito pelas suas ideias e pelas decisões que são tomadas em termos de votação. Sinto-me muita orgulhosa da Assembleia Municipal que presido e da forma como decorrem as reuniões, assim como tenho muito orgulho dos membros que lá se encontram representados, pelo seu comportamento cívico e por colocarem acima dos interesses pessoais e partidários, os interesses do Município e da sua população.
CL – A Assembleia Municipal fiscaliza as acções do executivo municipal. Que balanço faz deste ultimo mandato de Adelino Soares?
AM – Por força da lei, os Presidentes de Câmara só podem fazer três mandatos de quatro anos cada. Pessoalmente, faço a seguinte reflexão: o primeiro mandato é o da iniciação, o segundo da afirmação, e o terceiro e último da consolidação. Acompanhei o primeiro mandato de Adelino Soares, fui sua vereadora; o segundo foi diferente, porque embora perto, estive longe, e este terceiro, aqui estou ao seu lado. Os dois primeiros mandatos foram muito complicados em termos políticos. Muito pior o segundo do que o primeiro, devido a todas as convulsões políticas, nomeadamente as geradas no seio da Assembleia Municipal. Foi muito feio e nada fácil. Não sei se todos os Presidentes de Câmara deste país, e são muitos, aguentariam uma parte ínfima das situações que ocorreram nesses dois primeiros mandatos. Às vezes, a memória dos homens é curta, mas o Adelino não esquece. Neste terceiro e último manda-to, ele que me desculpe, mas vou utilizar o termo: “É o descanso do guerreiro”. Tudo está pacificado, na Câmara Municipal tem uma maioria confortável de quatro membros do órgão e um da oposição. Na Assembleia Municipal tem também maioria e tem uma Presidente da secção, fruto de uma estratégia política, para a comunidade. Infelizmente, tem um final de mandato completamente atípico, devido a toda esta pandemia que atravessamos, e ainda pelo facto de ser ele o responsável pelo COVID-19 no Município.
CL – Quais as matérias que mais preocuparam a Assembleia Municipal? Eventualmente, surgiram algumas que causaram uma intervenção particular da presi-dente?
AM - Depois da aquisição de vários terrenos para a habitação, com a respectiva autorização da Assembleia Municipal, temos estado a deliberar as transferências de competências para as autarquias locais e para as comunidades intermunicipais de um vasto conjunto de áreas, a descentralizar da Administração Directa e Indirecta do Estado. É uma matéria que preocupa a Assembleia Municipal, se essas mesmas competências tiverem obrigatoriamente de ser transferidas para a Autarquia, pois em termos de Vila do Bispo nada mais é do que transferências de responsabilidades, pois em matéria de decisão, permanecerá na esfera dos sectores intermédios do Estado (ICNF, APA, entre outros...).
Outro desafio que a Assembleia Municipal vai ter, nos tempos mais próximos, é a revisão do Plano Diretor Municipal, PDM, o inverter a tendência de decréscimo populacional. Para que se entenda a dimensão do que acabo de dizer, cerca de 96% do território encontra-se em Parque Natural e Rede Natura 2000, e os restantes 3% ou 4% geridos pela Autarquia, que são os perímetros urbanos, mas mesmo nesses, necessitamos de pareceres externos das entidades. Se não bastasse, existe um erro na Carta da Reserva Ecológica Nacional, que nos tem inviabilizado de construir nos perímetros urbanos nos últimos seis anos, por incompetência dos organismos interdistritais e nacionais, traçar o perfil do candidato e escolher o melhor para enfrentar as próximas eleições autárquicas, para Vila do Bispo.
«Nunca fecho portas, porque o dia de amanhã não se sabe, mas em Outubro de 2021 sairei da política»
CL – Já agora, a Ana Bela Martins está disponível para recandidatar-se à Assembleia Municipal ou a outro cargo político em Vila do Bispo?
AM – Diz-se que quando se fecha uma porta, abre-se uma janela. Não é o caso. Nunca fecho portas, porque o dia de amanhã não se sabe, mas em Outubro de 2021 sairei da política de Vila do Bispo. Sou uma pessoa de causas, de desafios, gosto de traçar o meu percurso, percorrê-lo, chegar à meta como vencedora e retirar-me para o merecido descanso. E como não consigo estar parada, inicio outro percurso, mas noutro sentido. A política na minha vida, terminou. Há um tempo para tudo na vida e o saber retirarmo-nos na hora certa, saindo com toda a dignidade “pela porta da frente” e com a consciência tranquila do dever cumprido, é uma virtude. É tempo de encerrar este capítulo e vou fechá-lo com chave de ouro. O mal de muitos políticos é não saberem sair a tempo e insistirem, insistirem até aos limites, sendo depois forçados a retirarem-se. Tenho ainda muitos sonhos por concretizar, muitas coisas para fazer, e a política não faz parte dos meus planos futuros.
CL – Como é que observa esta Pandemia em geral, e em particular em Terras do Infante?
AM – Quando ouço as notícias sobre a situação do COVID-19, fico sempre com a sensação de estar a ouvir ficção científica. Mas infelizmente é a realidade do dia-a-dia, não só em Portugal, mas por esse mundo fora. É incompreensível que, em pleno século XXI, estejamos a viver uma situação idêntica à vivida nos anos de 1918 e 1919, aquando da gripe espanhola, e que atingiu, nessa altura, todos os continentes, estimando-se que morreram entre 50 a 100 milhões de pessoas. Naquela altura, as condições de vida, salubridade e saúde eram bastante precárias. Estava-se num pós guerra, sofrendo ainda os seus efeitos, até em termos organizacionais. Hoje, vivemos numa era virada para a ciência e tecnologia, com avanços enormes na área da Saúde. Temos uma OMS, órgão internacional, que coordena todas as acções no mundo inteiro e no entanto não conseguimos, até agora, encontrar uma solução. Embora a saúde seja o bem mais precioso, tudo o que estamos a viver ultrapassa já esta área. Não é apenas o Coronavírus e o número de mortes que todos os dias são noticiados pelo mundo fora, os serviços de saúde em ruptura, os medicamentos, os testes que faltam, os médicos, os enfermeiros... Temos também uma pandemia social, que se alastra e faz estragos, com o isolamento, o distanciamento entre as pessoas, a situação dos lares e dos mais idosos... Uma pandemia económica, com as empresas a encerrar, os despedimentos, o desemprego, as empresas sobreviventes a adaptaram-se às novas realidades... Uma pandemia, que se estendeu a todos os sectores da humanidade e que mostra bem as nossas fragilidades, enquanto seres humanos e do planeta em que vivemos. Vivemos uma crise sem precedentes e sem sabermos quando vai parar, quando voltaremos à normalidade. E o que seremos pós COVID-19? A nível das Terras do Infante, tirando um caso pontual, os casos de COVID-19 têm sido residuais, muito abaixo da média nacional, fruto da responsabilidade das populações e do tecido empresarial e, principalmente, da excelente coordenação dos 16 Municípios do Algarve, na definição e implementação de uma estratégia regional, com o apoio de outros organismos regionais.Temos que ter esperança que melhores dias vão surgir e que toda esta situação vai ser ultrapassada e vencida.
CL – Pretende deixar alguma mensagem especial aos Vila-Bispenses?
AM – Apesar de todas as contrariedades, cumprimos e continuaremos a cumprir a missão para a qual fomos eleitos, a de servir a população. Neste momento que atravessamos, estamos a dar o nosso melhor para minorar as dificuldades e ultrapassarmos esta fase das nossas vidas. O futuro faz-se no dia-a-dia e juntos, todos temos responsabilidades de proporcionar um futuro melhor.
.
.
Carlos Conceição
José Manuel Oliveira
In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº359 · OUTUBRO 2020
In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº360 · OUTUBRO 2020