Artigo da revista Nova Costa de Oiro em https://www.novacostadeoiro.com/
Lagos, tal como todo o território vicentino de Vila do Bispo e de Aljezur, é actualmente um ponto de passagem, de encontro, ou de estabelecimento de pessoas das mais variadas nacionalidades.
Uns vêm em viagem, outros de férias, outros, ainda, para aqui passarem as suas existências numa das áreas mais fabulosas de Portugal e da Europa. Se os Britânicos e Alemães (por exemplo) estiveram entre os primeiros a descobrir a nossa região, mais recentemente temos assistido a um crescente interesse por parte dos Franceses.
Porém, actualmente, começa a ser cada vez mais notório, em certos espaços, ouvirmos falar Italiano e notar a presença destas gentes do Mediterrâneo entre nós. O que é um facto, é que a presença de Italianos no nosso território não constitui nenhuma novidade.
Aliás, a sua presença em Lagos e área circundante foi bastante importante no Passado e deixou algumas marcas, cujas memórias aqui recordaremos. Entre as gentes vindas da Península Itálica, foram referenciadas em Lagos, num período que podemos situar entre os Século XIII e XVI, pessoas vindas de Milão, de Veneza, de Génova e da Sicília.
As informações de que dispomos sobre eles, permitem concluir que se dedicaram às actividades comerciais e à pesca, deixando importantes marcas na paisagem de Lagos e da sua área. Marcas essas que foram materiais e imateriais, como veremos.
No meio do vasto areal da Meia Praia, numa área próxima da cidade, muito poucos de nós poderíamos supor que já existiu um templo religioso. Mas existiu. Tratou-se da Ermida de São Roque, destruída pelo terramoto de 1755. Este local de culto foi fundado por Milaneses e Sicilianos.
Já na Praia da Luz, os Sicilianos foram os responsáveis pela introdução da pesca da baleia nestas costas. Tal ocorreu pelos Séculos XIII ou XIV, nos reinados de D. Afonso III (em cujo reinado se conquistou o Algarve aos Muçulmanos) ou do seu filho, D. Dinis.
No Século XV, temos notícias da presença de outros Italianos na zona. Pelo ano de 1410, estiveram galés venezianas em Lagos, para fazer comércio. Entretanto, graças ao seu crescente interesse pelas potencialidades do Barlavento do Algarve, o Infante D. Henrique recebeu a zona circundante ao Cabo de São Vicente, da parte da Coroa, em 27 de Outubro de 1443. A este respeito, o conhecido Gomes Eanes de Zuzara, na sua Crónica dos Feitos da Guiné, de 1453, destacou a existência de uma “…honrada vila que este príncipe mandou fazer ao cabo de São Vicente… e segundo o comum entender, era que o infante queria ali fazer uma vila especial para trato de mercadores, e porque todos os navios que atravessassem do levante para o poente, pudessem ali fazer divisa, e achar mantimento e pilotos…”.
No contexto do assunto que nos levou a redigir este texto, a referência de Zurara é importante, pois, seguidamente, enfatiza que “…sendo esta vila começada, os Genoveses davam por ela grande preço, os quais, como sabeis, são homens que não empregam seus dinheiros sem certa esperança de ganho.” Este texto, juntamente com diversas outras fontes documentais de grande importância evidenciam o carácter com que a Vila do Infante, em Sagres, foi pensada pelo seu fundador: um ponto de apoio à navegação num local de grande importância estratégica, quer pela sua posição geográfica (existindo várias baías), quer pelos condicionalismos que os ventos dominantes na zona (Norte ou Sueste) impunham à navegação.
Um espaço que, nas palavras de Zurara, despertou o interesse dos Genoveses. Em Agosto de 1454, o veneziano Alvise da Cá da Mosto, mais conhecido por Luís de Cadamosto, ou apenas por Cadamosto, em viagem com as suas galés a caminho da Flandres, foi obrigado por ventos contrários a deter-se no Cabo de São Vicente.
O Infante D. Henrique, que estanciava então na Raposeira, ao saber da presença das galés em Sagres, enviou ao seu encontro o seu secretário Antão Gonçalves e o Cônsul de Veneza em Portugal, Patrício de Conti. A Cadamosto e a outras pessoas foram exibidas amostras de açúcar da ilha da Madeira, de sangue-de-drago e de outros produtos vindos das possessões de D. Henrique.
Cadamosto, vendo os produtos e ouvindo as palavras dos emissários do Infante acerca de terras fabulosas, das navegações e da possibilidade de encontrar especiarias e dos lucros associados, convencido e entusiasmado, acabou por desembarcar e encontrar-se com D. Henrique na Raposeira (ou eventualmente perto, na Quinta de Guadalupe). Desse encontro, resultou a partida de Cadamosto do Cabo de São Vicente, no dia 22 de Março de 1455, com uma caravela (de que era mestre Vicente Dias, de Lagos), rumo à Guiné.
Na Rua da Senhora da Graça
Igreja de Nossa Senhora do Loreto (Lisboa)
Na Rua da Senhora da Graça
Regressando novamente a Lagos, nos finais do Século XV, mais concretamente em 1490, sabemos que Milaneses e Sicilianos foram responsáveis pela construção da Ermida de São Pedro, na Praça de Touros (Constituição).
Já em meados do Século XVI, mais concretamente em 1553, foi fundada no Rossio de São Brás (hoje da Trindade) a Igreja de Nossa do Porto Salvo, por iniciativa de alguns nobres Sicilianos (de Messina), de Milaneses e de Genoveses.
Durante o período de construção desta igreja, sabemos que se reuniram na Igreja de São Brás, que ali existia e que foi destruída pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755.
Merece, ainda, uma alusão um outro templo religioso importante na história da cidade e que foi, igualmente, fundado por gentes vindas de Itália e que aqui se estabeleceram. Trata-se da Igreja da Senhora da Graça, cujos vestígios se situam em pleno coração de Lagos na rua do mesmo nome.
Segundo Manuel João Paulo Rocha, foi a primeira igreja que existiu em Lagos. Foi fundada por pescadores Milaneses, que laboravam na baía. Foi sede de paróquia antes de 1415 e sofreu com a acção do terramoto de 1755. Seguiram-se outras vicissitudes. A sua talha foi enviada para a Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Sagres (Fortaleza) e hoje este antigo templo religioso alberga um bar.
Lagos e Sagres serviram, assim, ao longo dos tempos de local de vivências, ou de escala, para gentes das mais variadas condições sociais vindas de Milão, de Veneza, de Génova ou da Sicília. Gentes ligadas ao mar, trabalhando na pesca, no comércio, no reconhecimento ou exploração das costas de África ou em relações próximas com o Infante de Sagres, como evidencia o caso do Cônsul Veneziano, Conti.
Fica a sugestão aos nossos leitores para percorrerem os espaços que aqui mencionamos, recordando estas memórias e heranças multiculturais, uma vez que são as mais variadas partes que formam o todo de uma Comunidade. Por fim, deixa-se uma outra sugestão, para uma próxima deslocação dos nossos leitores a Lisboa. M
esmo em frente ao Largo de Camões e junto ao Chiado, em pleno Centro da cidade, não deixem de visitar o Largo das Duas Igrejas, que faz esquina com a Rua da Misericórdia e Rua do Alecrim. Do lado Norte, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Encarnação (a Sul), encontra-se a interessante e sóbria Igreja de Nossa Senhora do Loreto, igreja da Comunidade Italiana da capital portuguesa desde 1518.
É por esse motivo, mais conhecida localmente por Igreja dos Italianos, que depende directamente da Nunciatura Apostólica. Na fachada, num grande nicho, ao alto, destaca-se a imagem da padroeira e dos dois lados da porta principal, destacam-se as notáveis esculturas de São Pedro (olhando os céus) e de São Paulo. Sob a porta de entrada, destacam-se as Armas Pontifícias, finamente lavradas (da autoria do escultor Francesco Borromini, segundo se crê).
No interior, além dos mármores e da pintura do tecto, merecem destaque os dois magníficos túmulos em mármore dos destacados membros da Igreja Gaetano Orsini di Cavalieri e Bernardino Mutti (falecidos em 1738 e 1781, respectivamente), bem como o magnífico e elegante busto do Século XVII, também em mármore, da Virgem do Loreto, da autoria do escultor François Duquesnoy.
Se as magníficas arcas tumulares que referimos merecem uma atenta visita, pela sua sobriedade e simbologia associadas à transitoriedade da vida humana (caveiras aladas, gadanhas e ampulhetas associadas às mitras e báculos da dignidade eclesiástica destes defuntos), o busto da Virgem do Loreto destaca-se pela expressão serena da retratada, pelo primoroso trabalho dos panejamentos que ostenta e pela delicadeza da sua própria base, justificando, também, a admiração desta notável obra de arte.
E não se deixe de admirar a magnífica composição escultórica dos 4 anjos que cercam as Chaves de São Pedro, abaixo da Mitra Papal, cercados por elementos vegetalistas e por um resplendor que animam a porta de entrada principal da Igreja. Símbolos e memórias de uma importante comunidade estrangeira que floresceu entre nós desde tempos bastante recuados e que contribuiu para a construção do tecido social e cultural do nosso País.
Este texto é dedicado aos Amigos Paolo, Luisa, Silvia e Giulia Biella, Liliana Alves e Elisabetta Salini.
Artur Vieira de Jesus
Licenciado em História
Bibliografia: - AZURARA, Gomes Eanes de, “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné”, Introdução, Actualização de Texto e Notas de Reis Brasil, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1989. - “Guia das Igrejas – Lisboa Cidade”, Lisboa, Patriarcado de Lisboa/Alêtheia Editores, 2016. - IRIA, Alberto, “O Infante D. Henrique no Algarve (Estudos Inéditos) ”, Lagos, Centro de Estudos Gil Eanes, 1997. - JESUS, Artur Vieira de, “O Antigo Convento da Trindade e a História dos Lugares que Hoje não têm História” in Revista “Nova Costa de Oiro”, Edição n.º 47, Lagos, 1 de Setembro de 2020, pp. 26-29. - JESUS, Artur Vieira de, “Vila do Bispo – Lugar de Encontros, Volume I, Vila do Bispo, Câmara Municipal de Vila do Bispo, 2013. - PAULA, Rui M. “Lagos, Evolução Urbana e Património”, Lagos, Câmara Municipal de Lagos, 1992. - ROCHA, Manuel João Paulo, “Monografia de Lagos”, Faro, Algarve em Foco Editora, 1991. - VALE, Teresa Leonor M., “Escultura Barroca Italiana em Portugal”, Lisboa, Livros Horizonte, 2005. - VELOSO, João, “Breve Dicionário da História de Lagos”, Lagos, Loja do Livro, 2006. Fontes Online: http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=2517