Tempos de espera, número de ciclos e limite de idade são alguns dos obstáculos para quem quer ter filhos
A 20 de maio de 2006 surgia a APFertilidade, na sequência de um movimento cívico protagonizado por pessoas com problemas de fertilidade. Segundo a presidente da associação, Cláudia Vieira, “na altura, o acesso ao apoio à fertilidade apresentava várias limitações e dificuldades a nível médico, psicológico, social e económico para quem precisava de ajuda para concretizar o seu projeto de parentalidade”. Volvidos 14 anos, muito já se conseguiu, mas “o acesso ao apoio à fertilidade através do SNS, a idade limite da mulher para poder ser submetida a tratamentos e o número de ciclos comparticipados pelo Estado” continuam a ser desafios atuais, que precisam de ser ultrapassados, até porque “a infertilidade é uma doença que afeta cada vez mais a sociedade. A escala do problema exige ação concertada por parte das diversas entidades envolvidas na saúde e no apoio social”.
Cláudia Vieira sublinha que “o SNS continua a não dispor de mecanismos capazes de dar uma resposta atempada a mulheres e casais que necessitem de recorrer a ajuda médica para terem filhos. Os tempos de espera continuam a ultrapassar o razoável, podendo chegar a mais de um ano ou ano meio para a realização de um primeiro tratamento”. O número de ciclos de tratamento é outra questão que preocupa a associação, uma vez que o Estado apenas comparticipa três ciclos de tratamento. Esgotadas as três tentativas previstas no SNS, que podem ou não ser realizadas respeitando os intervalos considerados viáveis pela comunidade médica e científica para aumentar a hipótese de uma gravidez (consultas, período de diagnóstico e posteriormente um tratamento), uma mulher ou um casal têm apenas como alternativa centros de PMA privados. Os custos avultados, que podem variar entre os 5.000€ e os 10.000€, representam para muitos casais um obstáculo inultrapassável ou apenas possível através de empréstimos.
Além do aumento do número de ciclos de tratamento no SNS, a APFertilidade defende ainda que a idade mínima de acesso da mulher aos tratamentos de segunda linha (fertilização in vitro e injeção intra-citoplasmática de espermatozoide) deve passar dos atuais 40 anos, para os 45 anos de idade. “Tendo em conta que um casal só é considerado infértil após um ano de tentativas sem ocorrer uma gravidez espontânea e que normalmente só pensam em constituir família depois de conseguida alguma estabilidade profissional, é fácil perceber que, conjuntamente com as condicionantes de acesso a tratamento em tempo útil e as limitadas taxas de sucesso de cada tratamento, a mulher pode não conseguir ser mãe antes dos 40”, explica Cláudia Vieira.
A resposta aos casais inférteis fica ainda comprometida pela distribuição dos Centros de PMA a nível nacional. Aqui, a luta da APFertilidade continua a ser “a criação de pelo menos um centro público de PMA na Zona Sul, para poder responder às necessidades da população do Alentejo e Algarve, e um centro de PMA nos Açores, no sentido de descongestionar os centros de PMA da Zona Lisboa e Vale do Tejo, já de si incapazes de providenciar apoio os beneficiários vindos dos arquipélagos e da zona Sul”. A este problema, associa-se também o número insuficiente de profissionais de saúde para dar resposta aos casais inférteis. Na opinião da presidente da APFertilidade “duplicar ou triplicar o número de profissionais pode não responder no imediato às necessidades nacionais, mas poderá levar a médio prazo a que se reponha uma situação razoável”. Para tal, é necessário investir “no reforço das equipas de médicos e técnicos e no apoio psicológico”, este último essencial “para acompanhar as mulheres e homens que lutam contra a infertilidade ou que após tratamentos sofrem com a perda gestacional, por exemplo”.
Para o futuro, Cláudia Vieira fala de “duas campanhas, uma destinada à preservação da fertilidade na doença oncológica e outra focada na sensibilização para a prevenção da infertilidade, tendo em atenção os hábitos e estilo de vida atuais que possam condicionar uma gravidez no futuro”. Infelizmente, com o atual contexto de pandemia que vivemos, as ações previstas para estas campanhas ficaram comprometidas. O trabalho da APFertilidade passa também por “continuar a alertar os deputados para as necessidades jurídicas ainda sem resposta na área da fertilidade. Um dos temas que queremos ver retomado o mais rapidamente possível é a criação de um suporte legal para a gestação de substituição”. Sobre este último aspeto, a presidente da APFertilidade avança que “depois do veto presidencial, que compreendemos, é urgente que sejam respeitados os direitos dos casais que têm nesta alternativa a única hipótese de serem pais biológicos. Não responder às exigências apresentadas pelo Tribunal Constitucional em 2018 e impedir a criação de novas normas é desrespeitar o direito constitucional que estas pessoas têm de constituir família”.
Por isso, Cláudia Vieira acredita que os próximos anos “irão continuar a ser certamente de muito trabalho, motivado pelo enorme e crescente apoio que temos tido de quem ajudamos e que nos dá total confiança para continuar a trabalhar em sua defesa”.