A proposta apresentada pelo Governo para os aumentos na Administração Pública mantém a lógica da perda de rendimentos e do poder de compra de todos os trabalhadores, também dos enfermeiros.
É inaceitável que Governo afirme que a sua proposta encerra uma valorização global de 5,1% quando neste valor inclui, para além da actualização da base remuneratória, o aumento de 52€, o aumento anual equivalente remuneratória (cerca de 52€) ou de um mínimo de 2% para todos os trabalhadores e, o que não está expresso, a admissão de 15 mil trabalhadores, segundo alguns economistas.
É inaceitável que a proposta do Governo proponha aumentos de 2% para trabalhadores com salário bruto acima dos 2700€ penalizando-os duplamente já que são estes que também mais pagam IRS, face à progressividade deste imposto.
Finalmente, ainda que os impactos das medidas do Governo possam atingir os cerca de 1,2 mil milhões de euros, prevê-se um retorno aos “cofres do Estado” de cerca de metade daquele valor depois da dedução dos impostos.
A evolução das remunerações dos enfermeiros entre 2010 e 2022 na Tabela Salarial da Carreira.
Determinava-se em 2010 para os enfermeiros uma remuneração base média mensal Ilíquida de 1.462€. Deduzindo à remuneração base média mensal ilíquida os descontos obrigatórios para a Caixa Geral de Aposentações/Segurança Social (11%), ADSE (1,5%) e IRS (ex: casado com 1 filho), obtém-se a remuneração base média mensal líquida de 1.075€.
Em 2022, a remuneração base média mensal Ilíquida dos enfermeiros é de 1.557€. Deduzindo os descontos obrigatórios para a Caixa Geral de Aposentações/ Segurança Social (11%), ADSE (3,5%, a contribuição para a ADSE aumentou 133%), e IRS (ex: casado com 1 filho), a remuneração base média mensal líquida é de 1076€.
Em doze anos, entre 2010 e 2022, a remuneração base média mensal líquida dos enfermeiros aumentou 95€ (passou de 1.462€ para 1.557€), e a remuneração base média mensal ilíquida aumentou, em termos nominais, apenas 1€ (passou de 1.075€ para 1.076€).
Deduzindo às remunerações Ilíquidas, o aumento de preços entre 2010 e 2022, as conclusões ainda serão mais chocantes.
Considerando que os preços aumentaram 20,4% entre 2010 e 2022 (inclui a subida de preços de 8% para este ano) a remuneração base média mensal líquida de 2022 (a preços de 2010) é apenas de 889€, ou seja, diminuiu -17%. Em euros é -185€.
O quadro seguinte apresenta para todas as categorias e escalões a remuneração base Ilíquida (em 2010 e 2022), a remuneração base líquida (após descontos para a CGA/SS, ADSE e IRS (ex: casado com 1 filho) (em 2010 e 2022), ambas nominais, e, a remuneração base líquida de 2022 a preços de 2010 (preços reais), também apresenta a redução, em % e em €, do poder de compra das remunerações de 2022 face a 2010.
A base da carreira especial de enfermagem inicia-se na categoria de Enfermeiro, nível 15 da Tabela Remuneratória Única. Em 2010 a remuneração Ilíquida era de 1.201€, e, em 2022 era de 1.216€. Em 12 anos aumentou 14€.
A remuneração Líquida de 2010 e 2022 (após descontos para a CGA/SS, ADSE e IRS (ex: casado e 1 filho)) era de 931€ (em 2010) e de 890€ (em 2022), o que dá uma diminuição de 42€.
Mas, se descontarmos o aumento de preços verificado nestes 12 anos, a remuneração Líquida de 2022 (890€), a preços de 2010 passa para 735€ o que dá uma diminuição de 21% e -196€, face à remuneração de 2010, em termos reais.
Em todos os níveis da carreira especial de enfermagem, verifica-se uma diminuição do poder de compra das remunerações Líquidas de 2022 face às de 2010, variações que em percentagem se situam entre -20% e -24%, e em euros entre -196€ e -512€ (nível 57).
A análise leva à conclusão que o poder de compra das remunerações Líquidas (após descontos p/ CGA/SS, ADSE e IRS) da tabela da carreira especial de enfermagem, deduzindo o efeito corrosivo do aumento de preços é, em 2022, significativamente inferior à de 2010:
- Categoria de Enfermeiro: diminui entre 20% e 23% e em euros -196€ e -425€;
- Categoria de Enfermeiro Especialista: diminui entre 20% e 23%, e em euros -207€ e -417€;
- Categoria de Enfermeiro Gestor, diminui entre 21% e 24% e em euros -328€ e -512€
Quando um dos problemas do SNS é a dificuldade na retenção de enfermeiros, face ao exposto, torna-se perceptível uma, pelo menos, das razões. Este problema manter-se-á com a atual proposta de aumentos salariais do Governo. Ou seja, não é verdade que estejam a ser adotadas medidas para atrair profissionais qualificados e, mais importantes, que se mantenham na esfera da Administração Pública e, em concrecto, no Serviço Nacional de Saúde.