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Património cultural em Lagos - Desleixo e abandono (parte I)

Património cultural em Lagos - Desleixo e abandono (parte I)

Artigo da revista Nova Costa de Oiro em https://www.novacostadeoiro.com

Iniciamos nesta edição da Nova Costa de Oiro, um conjunto de reportagens sobre o património cultural existente em Lagos, focando-nos não só no estado de abandono e de desleixo a que aparenta estar votado mas, essencialmente, no sentido de o dar a conhecer aos nossos leitores e de levantar duas questões pertinentes: A primeira, saber-se porquê, qual a razão para o património se encontrar como as imagens mostram?

A segunda, que a comunidade reflicta e debata se a simples existência deste património não poderia ser um contributo, uma significativa alavancagem na afirmação de Lagos enquanto destino de qualidade e que vale (mesmo) a pena visitar, conhecer e explorar não só na região algarvia, como também no nosso País. Fica o desafio e o convite!

A Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro estabelece «as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura».

E mais: «A política do património cultural integra as acções promovidas pelo Estado, pelas Regiões Autónomas, pelas autarquias locais e pela restante Administração Pública, visando assegurar, no território português, a efectivação do direito à cultura e à fruição cultural e a realização dos demais valores e das tarefas e vinculações impostas, neste domínio, pela Constituição e pelo direito internacional».

Neste diploma legal esclarece-se que, entre outros «integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização.

[...] O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, linguístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade. Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas».

Em Portugal e no que se refere ao património edificado, compete à Direcção-Geral do Património Cultural a sua classificação e protecção, nas vertentes histórica, cultural, estética, social, técnica e científica.

Assim, em função do seu valor relativo, os imóveis podem obter uma de três classificações: «Monumento Nacional», «Imóvel de Interesse Público» e «Imóvel de Interesse Municipal». Pesquisando o seu sítio de Internet, é possível encontrar, em Lagos, 19 locais.

Destes, três estão classificados como «Monumento Nacional». A saber: as muralhas e os torreões de Lagos, a Igreja de São Sebastião e a Igreja de Santo António.

O nosso percurso pelos Monumentos Nacionais, em Lagos, começa pelas muralhas e torreões que envolvem a cidade, ou seja, no seu núcleo primitivo.

Do site da Direcção-Geral do Património Cultural, ficamos a saber que «Em 1253, aquando da conquista definitiva do Barlavento algarvio, o castelo de Lagos tinha já um passado islâmico, como ponto de defesa da costa e um dos acessos privilegiados à cidade-capital de Silves.

Infelizmente, desse primitivo reduto islâmico, que se pensa poder recuar aos primeiros anos da época califal, quando toda a península islâmica foi sujeita por Abd al-Rahmman III, nenhum elemento material foi, até agora, identificado, e as muitas obras por que toda a cidade passou, nos séculos seguintes, determinaram a destruição deste castelo e o seu sucessivo melhoramento.

As obras patrocinadas pelos nossos primeiros monarcas são também bastante desconhecidas. Sabemos que elas se iniciaram logo no reinado de D. Afonso III, mas notícias mais ou menos fidedignas dão conta da continuação do estaleiro pelos reinados de D. Afonso IV e de D. Fernando, pelo menos, esta última notícia relacionada, provavelmente, com uma campanha modernizadora, em plena crise europeia da Guerra dos Cem anos.

No reinado de D. Manuel empreendeu-se o mais ambicioso projecto de arquitectura militar da praça, reconstruindo-se grande parte da cerca medieval e alargando-se o seu perímetro, para albergar os numerosos fogos que cresceram como arrabaldes do burgo.

Da campanha então executada, constava uma segunda cerca de muralhas e, mais importante, quatro baluartes, situados nas zonas mais sensíveis da fortaleza, precisamente aquela virada ao mar e à ria.

Desses fortes, apenas se conserva o da Porta da Vila, a Sudoeste das muralhas, tendo os restantes sido suprimidos pela expansão urbana em direcção à ribeira, restando apenas o seu topónimo em algumas ruas, como as da Barroca e da Porta de Portugal.

Em 1556 D. João III ordenou a conclusão das obras iniciadas por seu pai, mas conferiu especial atenção à muralha ocidental, por oposição ao projecto manuelino, orientado no sentido de fortificar as secções meridional e nascente. Esta alteração dotou a fortaleza de mais dez baluartes, tornando-a a primeira muralha plenamente abaluartada do território nacional».

Após visita a este Monumento Nacional, constatámos que não só não é possível aceder aos torreões e muralha e, daí, desfrutar de extrardinária vista da cidade (como acontece em Marvão, por exemplo), que existe um depósito de entulho a céu-aberto, frente ao pano de muralha perto da Escola do bairro Operário, e que estão por concluir as obras de intervenção, cuja conclusão estava prevista em 2018.

Lê-se no site da Câmara Municipal de Lagos que «O objectivo desta intervenção é fazer face a cinco situações de degradação acentuada do imóvel que colocam em risco a segurança de pessoas e bens».

E mais: «As Intervenções Prioritárias que se pretendem fazer nas Muralhas e Torreões de Lagos foram divididas em duas fases. A primeira fase terá início físico em Junho e término em Outubro de 2017, contempla intervenções urgentes que colocam em risco pessoas e bens, no Pano Sul e Caminho de ronda do pano Sul e Nascente da Cerca Medieval das Muralhas de Lagos, no Baluarte Porta da Vila e Postigo do Jogo da Bola e Remoção das Jambas do Baluarte das Freiras.

A segunda fase é uma intervenção de manutenção e contenção da degradação no Pano Nascente da Cerca Medieval das Muralhas de Lagos que terá início em Novembro de 2017 e término em Março 2018».

Aí, diz-se ainda, que o custo total elegível é de 235.270,22 euros e que o apoio financeiro da União Europeia é de 141.162,13 euros.

Dois anos após a data prevista para conclusão desta obra, constata-se que tal ainda não aconteceu. Tão pouco, nas inúmeras visitas que efectuámos ao local para a elaboração desta reportagem, avistámos quaisquer trabalhos, ou trabalhadores no local.

Pelo contrário, chamou-nos à atenção a situação em que se encontra o espaço abaixo da chamada Janela Manuelina, onde a tradição refere ter o rei D. Sebastião assistido a uma missa antes da partida dos exércitos para a fatídica batalha de Alcácer Quibir (se bem que desconheçamos quaisquer fontes que suportem ou que confirmem tal tradição).

Usado como latrina ao ar-livre, este local, este sítio que é Monumento Nacional, deveria invocar a nossa reflexão colectiva e que tivéssemos direito à resposta à pergunta mais simples, mas que se impõe: porquê?

A nossa viagem pelo Património de Lagos conduz-nos agora à Igreja de São Sebastião, o segundo dos três Monumentos Nacionais da nossa cidade. Recorremos ao livro «Lagos, Evolução Urbana e Património», da autoria do arquitecto Rui Mendes Paula, para apresentarmos esta edificação religiosa:

«Situa-se no local da Ermida de Nossa Senhora da Conceição, edificada em 1325, e que no século XIV era já Sede de Freguesia.

Em 1463 a Ermida é transformada em Igreja e dedicada a S. Sebastião. Os devotos da Sra. da Conceição constroem então a 2.ª Ermida no local da Pedra da Eira, onde posteriormente se situa a Igreja de N. Sra. do Carmo.

Até ao séc. XVI o edifício vai sendo ampliado, atingindo então a sua forma actual. O Terramoto de 1755 causa-lhe grandes estragos, sendo reedificado por um benemérito de Portimão.

É uma Igreja de grande presença urbana, fundamental na definição da imagem da cidade. Foi pólo de desenvolvimento de um núcleo extra-muros e base de uma situação de dualidade urbana que marcou os séc. XIV e XV.

Assenta numa plataforma elevada e recua em relação aos planos marginais dos arruamentos, criando um espaço semi-público ao seu redor.

A torre sineira, com relógio, é de grande porte e situa-se no cunhal que constitui o gaveto para a Rua Faria e Silva.

Tem uma porta lateral do lado Sul, em estilo Renascentista, que foi a porta principal da anterior Ermida de N. Sra. da Conceição.

Apresenta 3 naves, separadas por colunas dóricas, sendo a central mais alta que as laterais. Tem uma Capela dos «Ossos», Capelas Laterais e Altar em talha dourada».

A poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen retratou assim esta Igreja, no seu poema «Caminho da Manhã»: «[...] Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada. Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível».

Ainda antes da situação que decorre da COVID 19 não era fácil visitar este Monumento Nacional da cidade de Lagos. Invariavelmente de portas bem cerradas, excepto aquando das missas que ali se realizam, ou de um ou outro concerto.

Fica a pergunta: quantas localidades do nosso País não gostariam de ter um Monumento Nacional como este e de o dar a conhecer a todos, locais e turistas?

Visitamos, agora, a Igreja de Santo António, o terceiro classificado como Monumento Nacional, em Lagos.

Lê-se no site da Direcção-Geral do Património Cultural que «A igreja de Santo António de Lagos, anexa ao actual Museu Dr. José Formosinho, foi reedificada em 1769, por vontade de Hugo Beaty, Comandante do Regimento de Infantaria de Lagos, que administrava a Confraria de Santo António, existente desde 1702.

Irlandês de nascença, Beaty instalou-se em Lagos aquando da guerra com Espanha, sob o comando do Conde de Lippe, tendo aí permanecido até falecer, como testemunha a lápide sepulcral que se encontra no pavimento da igreja (FORMOSINHO, 1994, p. 38).

Todavia, muitas são as referências documentais que atestam a existência de uma igreja anterior à que hoje observamos (ROCHA, 1991, pp. 145-146). Esta, teria sofrido grande ruína com o Terramoto de 1755, o que conduziu à sua reedificação em 1769.

A relativa simplicidade da fachada contrasta fortemente com o interior, de nave única e sem capelas laterais, totalmente revestido por talha dourada, e por isso mesmo, considerado um dos exemplos mais notáveis de templo forrado a ouro existente no Sul do país.

A obra do retábulo, que sobreviveu ao Terramoto, foi encomendada pela Confraria de Santo António, datando de 1718 o contrato celebrado entre o comandante de Infantaria Álvaro Pereira de Lacerda (irmão do cardeal de Lacerda, Bispo do Algarve) e o entalhador Gaspar Martins (1676-1746). O valor contratado era de 612$000 réis e o retábulo deveria estar concluído no ano seguinte (LAMEIRA, 2000, p. 165).

Trata-se de um dos exemplos mais significativos de retábulo de Estilo Nacional no Algarve, composto por quatro colunas pseudo-salomónicas, com tribuna central e trono piramidal com a imagem de Santo António.

A restante obra de talha, patente nas paredes laterais, coro baixo e parede de entrada, deverá ser de época posterior, e tem vindo a ser atribuída ao entalhador Custódio Mesquita (LAMEIRA, 2000, p. 165).

Entre os muitos elementos que integram esta composição, salientam-se "as figuras de atlantes que suportam as diversas pilastras - soldados romanos, cariátides, etc., mas também as pequenas figuras que populam por diversos locais com representações da matança do porco, a pesca, a caça, personagens com trajes de mouriscos, etc».

As imagens que aqui publicamos, não carecem de comentários, nem de explicações de maior.

Quanto às obras de «Santa Engrácia» do Museu, estas serão analisadas profundamente em futura edição.

A nossa viegem pelo Património edificado e cultural de Lagos chega ao seu fim, nesta edição, no «Armazém do Espingardeiro - Selaria», edificado em 1665, situado na Rua Dr. Júlio Dantas – Travessa da Coroa.

Reproduzimos, mais uma vez, a informação disponibilizada pela Direcção-Geral do Património Cultural, quanto a este Monumento Classificado como IM - Interesse Municipal: «A Oficina do Espingardeiro localiza-se na secção meridional do burgo medieval de Lagos, sendo, mesmo, um dos mais interessantes edifícios pré-pombalinos da cidade.

Ao que tudo indica, a sua primeira função foi a de Selaria, integrada no complexo de edifícios designados por Quartel da Coroa (PAULA, 1992, p.203).

Ao longo dos séculos teve outras funcionalidades, opções que, todavia, não contribuíram para uma substancial alteração da sua traça original.

A sua construção data de 1665, ano constante de uma inscrição colocada no edifício, e que marca os derradeiros momentos do primeiro mandato de Nuno da Cunha Ataíde, enquanto Governador da Praça Forte de Lagos.

Por esta data, e pelas muitas semelhanças construtivas para com o Armazém Regimental, na Praça principal da cidade, é possível perceber serem edifícios integrados no mesmo processo de desenvolvimento e racionalização das estruturas de apoio à guarnição militar, analogia reforçada pela presença de uma pedra heráldica, em tudo semelhante à que identifica a ampla fachada do Armazém Regimental, sobrepujada por um brasão com as armas de Portugal, elementos colocados no principal cunhal desta oficina.

A planta é igualmente relacionável com a do Armazém Regimental, desenvolvendo-se o interior num espaço único rectangular e bastante amplo (com uma área de aproximadamente 160m2). Ao longo dos séculos, as diversas funcionalidades de selaria, oficina e arrecadação determinaram uma progressiva degradação do imóvel, facto ainda hoje bem visível».

Entretanto, este prédio urbano foi recuperado e inaugurado por ocasião da celebração do Dia do Município, em 2008, como «Centro de Interpretação da Evolução Urbana de Lagos», cerimónia que com a presença de vários familiares do arquitecto Rui Paula, uma vez que o conteúdo deste importante núcleo museológico é dedicado à sua vida e extensa obra.

Recorda-se que, então, o também arquitecto e filho de Rui Mendes Paula disse que «esta foi a homenagem mais justa que se poderia ter feito a uma pessoa que fez tanto pela cidade de Lagos».

Segundo o jornal Barlavento, e «falando de alguns dos muitos projectos liderados por Rui Paula para a cidade, o filho destacou uma das obras que terá tido mais impacto e importância na vida de Lagos – a requalificação do seu centro administrativo, obra que teve em início em 1985.

A terminar recordou que a requalificação do Armazém do Espingardeiro era uma das aspirações de seu pai, razão pela qual “esta homenagem é tão importante para nós”».

De algum tempo a esta parte, encontra-se encerrado ao público. Porquê?

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