Artigo da Revista Nova Costa de Oiro em https://www.novacostadeoiro.com/
A pesca foi, em tempos não muito remotos, uma actividade central económica não só da região algarvia, bem como de outras áreas do litoral português.
Nos anos 60 do século XX, o Algarve «virou-se» para outras actividades que, de certa forma, permitiram uma melhor redistribuição da riqueza regional e que, eventualmente, se traduziram numa melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.
Nos últimos 50 anos, o «turismo» e a «construção civil» tornaram-se a principal forma de subsistência de partes substanciais da população activa, na região.
Na década de 70, assistiu-se a um declínio acentuado da actividade pesqueira e conserveira. Foram muitas as fábricas de conservas que encerraram portas e muitos os barcos retirados da frota nacional.
Com a entrada de Portugal na «Comunidade Económica Europeia» (CEE), hoje chamada «União Europeia» (UE), aumentaram as limitações à actividade.
O número de embarcações registadas sofreu um grande decréscimo, de 17.997 embarcações, em 1986, para 8.492, em 2010 e 7.855, em 1 de Janeiro de 2019. A frota de pesca nacional caracteriza-se por uma prevalência de embarcações de pequena dimensão, em que cerca de 90% das unidades registadas têm um comprimento de fora-a-fora inferior a 12 metros e têm uma arqueação bruta reduzida, que no seu conjunto representa apenas 13% do total nacional.
A idade média da frota registada ronda os 33 anos e, em termos de frota licenciada, ronda os 24 anos, de acordo com a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos.
Em 2016, descarregaram-se no Porto de Lagos 1.596 toneladas de pescado fresco ou congelado. Os crustáceos atingiram as 33 T, os moluscos 444 T e os animais marítmos 2 T.
As pescas, no seu sentido geral, a zona portuária, a de lota e a de arrumos estão sob jurisdição da Docapesca – Portos e Lotas, SA. Esta é uma empresa do Sector Empresarial do Estado, tutelada pelo Ministério do Mar, que, nos termos do Decreto-Lei n.º 107/90 de 27 de Março, tem a seu cargo no continente português, o serviço público da prestação de serviços de Primeira Venda de Pescado, bem como o apoio ao Sector da Pesca e respectivos portos.
A Docapesca – Portos e Lotas, SA, sucede nas funções e atribuições das zonas portuárias à extinta Junta Autónoma dos Portos (JAP) e ao Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM). Em Maio de 2009, a revista Nova Costa de Oiro questionou por repetidas vezes a JAP, quanto às situações de aparente desordenamento da sua área de jurisdição e quais os seus planos para proceder às correcções apontadas, até hoje. E fê-lo novamente, 21 anos depois, à Docapesca (que tem actualmemente a jurisdição sobre este equipamento), sem ter recebido qualquer resposta até ao fecho desta edição.
Perguntámos à Docapesca: «Em Maio de 1999, enquanto Director Adjunto da revista Nova Costa de Oiro, efectuei uma reportagem no local que hoje se encontra sob jurisdição da Docapesca. Constatei então, o visível desordenamento da área e escutei as opiniões de vários pescadores sobre as melhorias que deveriam ser efectuadas no local.
PERGUNTA: Como justifica a Docapesca que em Maio de 2020, as situações reportadas, vistas e fotografadas no local, em Maio de 1999, persistam hoje com a mesma necessidade de intervenção que foram relatadas há 21 anos? Em Novembro de 2008, o IPTM, foi obrigado por lei a solicitar à Câmara Municipal parecer sobre o estudo-prévio Reformulação do Plano Sectorial da Doca de Lagos, apresentado pela Marina de Lagos (MARLAGOS).
A ser edificado o então pretendido, tal significaria que a Marina se apropriaria da mais-valia e do melhor do investimento público no porto. Dos lugares em flutuação na doca, 170 seriam para grandes barcos da marina, até 40 metros, e para as marítimo-turisticas. Para pesca profissional, ficariam 26 lugares de 8 até 15 metros, e só 1 até 20 metros. Os restantes seriam para pequenos barcos locais, profissionais e desportivos.
Vendo o aparente estado de abandono a que o Porto de Pesca de Lagos parece estar votado, PERGUNTA-SE: Qual a actual posição da Docapesca não só face às pretensões de expansão da Marina de Lagos, nunca desmentidas publicamente, como também as da empresa SOPROMAR, estaleiro que tem vindo a ocupar ao longo do tempo uma maior área na zona sob a vossa jurisdição»?
Estas perguntas não tiveram resposta até ao fecho desta edição, embora tenhamos recibo comprovativo de leitura da entidade questionada. Para mais, registe-se que o site de Internet da Docapesca não só está desactualizado, como também apresenta inúmeras falhas a nível informativo e de ligações, algo difícil de se entender e de se aceitar numa entidade desta dimensão e natureza, para mais tutelada pelo Ministério do Mar.
Pergunta-se, agora: como estão as pescas e o Porto de Pesca de Lagos, no ano de 2020? O que mudou aqui desde a nossa reportagem de Maio de 1999?
À primeira vista, pouco ou quase nada. Segundo as nossas fontes, persiste o desordenamento do espaço sob jurisdição da Docapesca, em Lagos, como se demonstra pelas imagens destas páginas.
Por outro lado, a actividade pesqueira parece ser pouco atractiva e merecedora de ser considerada pela massa laboral, incluindo a que se encontra em situação de desemprego.
Diz-nos Carlos Manuel dos Santos, de Lagos, pescador há 43 anos, que vê as «pescas» com muitos altos e baixos. «O preço do peixe varia muito. O mar está muito poluído. Todo o tipo de lixo que o ser humano criou está no fundo do mar. Há muita poluição no mar. Nem imaginamos… As condições climatéricas também se têm alterado bastante...».
A nível das embarcações que desenvolvem a sua actividade, em Lagos, esclarece o nosso interlocutor: «As embarcações, cada vez, são menos. Traineiras, já não temos nenhuma. Só temos três ou quatro “rapas” pequenos. E, o resto, os barcos grandes têm desaparecido todos».
Quanto às condições de trabalho, na zona sob jurisdição da Docapesca, afirma Carlos Santos: «Não são grande coisa. O espaço para pôr “artes”, para “encostar” as embarcações não têm grandes condições. [...] É muito mal orientado...», conclui.
A falta de mão-de-obra é outro dos problemas referidos por este pescador lacobrigense: «Há muita falta de “pessoal” para trabalhar na pesca. É muito complicado vir para a pesca. [...] Para vir para a pesca, tem que ir para uma escola. Não há escolas nenhumas em aberto.
Para tirar uma carta profissional tem de haver “malta” suficiente para a tirar. É por isso que há muita falta de pessoal de pessoal, na pesca. E há muita gente desempregada que poderia vir para a pesca. No meu tempo, eu comecei a andar ao mar, aprendi a trabalhar, tirei a “cédula” e fui aprendendo e tirando as cartas... Eu acho que hoje o pescador podia vir para a mar, aprendia a trabalhar e tirava a “cédula”, através da Capitania, como era antigamente».
João Marreiros, lacobrigense, de 54 anos é pescador desde 1982. Começou a sua actividade em Lagos. Quando tinha 16 anos foi trabalhar para a Praia da Arrifana (no concelho de Aljezur), «de mochila às costas, uma aventura», diz.
A Arrifana era problemática, na altura, não só devido às más condições atmosféricas características da zona, bem como às deficientes estruturas portuárias do local. Um dia, numa madrugada de Inverno, naufragou: «Correu tudo bem. Ninguém se feriu. Ninguém ficou mal. Foram só danos materiais», recorda.
Mais tarde, regressou a Lagos, tendo optado por continuar a sua formação profissional e embarcado em arrastões, o que o levou para longe de Lagos.
Como é que se está a pesca, em Lagos? «Eu nunca ouvi dizer que a pesca estivesse boa. O meu pai já era pescador. E já me falava dos problemas da falta de “pessoal”. Mas conseguia arranjar-se. Umas vezes melhor, outras pior, mas conseguia arranjar-se.
De há alguns anos para cá, à medida que o “pessoal” mais velho vai desaparecendo, vão-se reformando, não há quem ninguém que o substitua.
Ultimamente, fazem-se muitos cursos em Lagos, para se atribuírem “Cédulas Marítimas”. É verdade! Só que, se calhar, 98% dessas “Cédulas” que são atribuídas são-no a pessoas que vão todas directamente para as embarcações turísticas. Trabalham com ordenados fixos no período do Verão e no Inverno subsistem às contas do Fundo de Desemprego».
Como a «pesca» não dá garantias de uma remuneração fixa e garantida mensal, uma vez que se baseia em percentagens da venda do pescado, a falta de mão-obra especializada e qualificada é uma das maiores dificuldades para que este sector de actividade económica continue a existir no futuro mais próximo.
Na opinião de João Marreiros, as capturas de pescado, desde que é profissional, têm tido momentos de altos e baixos, com alturas boas e outras menos. Só que, adianta, «O grande problema a que se assiste desde o início dos anos 90, salvo erro, após uma Lei emitida por Cavaco Silva quando este foi primeiro-ministro, e que por ordem da União Europeia, é que se acabou com as percentagems que eram impostam na venda a retalho ao pescado.
Ou seja, os compradores compravam o pescado em Lota e tinham uma margem de comercialização sobre o peixe que compravam, limitada em cerca de 25%. Hoje em dia, a liberalização da venda do pescado é só para um lado, para a parte intermediária. A parte da pesca ficou exactamente na mesma.
Nós depositamos o nosso peixe em Lota e a partir desse momento deixamos de ter qualquer direito sobre ele. Não podemos interromper a venda do pescado, se acharmos que está a ser vendido demasiado barato».
Na Lota é feito um leilão (também se efectua online), destinado aos compradores devidamente registados, de contagem decrescente, após funcionários da Docapesca atribuírem um valor a cada lote de peixe, ou de moluscos capturados, em função dos preços correntes de mercado dos dias anteriores.
Quando o comprador decide proceder à aquisição, pressiona um dispositivo electrónico (algo semelhante ao comando electrónico de uma viatura) e consuma-se a transacção. Só que, diz João Marreiros, «Muitas vezes é atribuído ao peixe um valor em euros e depois é vendido por cêntimos. Muitas vezes, o peixe que foi vendido em Lota por 40 ou 50 cêntimos chega ao mercado para ser vendido ao consumidor final a 6, 7 euros. São discrepâncias abismais!».
E esta, afirma o nosso interlocutor, tem sido a grande luta dos pescadores: que voltem a ser reintroduzidas margens de comercialização do pescado, não de 25% como já aconteceu no passado, mas até ao máximo de 100%. Desta forma, crê, o intermediário, o pescador e o consumidor final iriam beneficiar economicamente.
E, para o confirmar, relata-nos experiências que conhece e que viu noutros Países: «Há sistemas de venda de pescado que, no meu ponto de vista, são muito mais benéficas para o pescador e para o consumidor final. São eliminados os intermediários, o que permite ao pescador vender o peixe directamente ao consumidor.
O pescador vende o peixe mais caro e o consumidor compra-o mais barato. A margem de comercialização que existe, a tal diferença abismal, é então repartida pelo pescador e consumidor final.
Quem vive da pesca já consegue obter mais rendimento; não só os armadores, mas também dos seus marinheiros». Desta forma, acredita, seria possível fazerem-se planos de investimentos a longo prazo, que se perpetuassem no tempo e a «pesca poderia ser um sector económico viável, que não é neste momento», conclui.
Foram efectuadas, recentemente, obras de dragagem na barra e Ribeira de Bensafrim, que rondaram cerca de meio milhão de euros. Aspiração e necessidade antiga dos pescadores lacobrigenses. E quais os resultados deste investimento? «Das conversas que tive com o Comandante da Draga e do acesso que tive ao Caderno de Encargos, quanto ao número de metros cúbicos a serem removidos, em nada iriam resolver os problemas.
E não resolveram. Está à vista, para quem quiser ver. É só deslocarmo-nos à zona do Cais da Solaria em plena maré baixa e, neste momento, conseguimos atravessar a pé da Praia da Solaria, contornar a ponta do cais e ir para a Praia da Batata.
Todo aquele plano em que era para ser dragada a doca pequena da Ribeira, junto ao Forte, toda a zona da Solaria, o Porto de Pesca interior, isso foi tudo para esquecer...».
E o futuro da actvidade pesqueira, em Lagos? Irá esta acabar a longo prazo? «Acho!». João Marreiros é peremptório na sua opinião. E explica porquê: «Já foram criados novos “lobbies”, “lobbies” esses que estão muito em muito em cima do que é tradicional na nossa zona, visto que é uma cidade ribeirinha e que viveu largos anos dependente da pesca».
E, quanto aos “lobbies” referidos, não se adianta mais por agora. Essa matéria ficará para investigação e eventual publicação futura (embora se recomende leitura atenta da opinião de José Veloso, nesta edição, secção «A Abrir»).
O vídeo com as entrevistas está aqui: