Artigo publicado na revista Nova Costa de Oiro em https://www.novacostadeoiro.com
Estão fartos e mais do que aborrecidos de estarem encerrados em casa, desde Março último? De terem de usar máscara quando têm de sair da «segurança» do lar para a rotina do dia-a-dia, seja para irem à padaria, ao super-mercado, à farmácia, a deslocarem-se de autocarro ou, até mesmo, quando estão no vosso local de trabalho? De frequentarem ano após ano os mesmos sítios, as mesmas praias de Lagos? Nós, na Nova Costa de Oiro, estamos...
Por essa razão, decidimos nesta edição sair porta fora e fazer um percurso, um passeio sempre junto ao mar, de Lagos até à aldeia da Figueira, no concelho vizinho de Vila do Bispo. E partilhá-la enquanto sugestão de «descoberta», para os que ainda não o fizeram.
Começamos esta viagem em Lagos, no caminho da Praia do Pinhão. Ao longe, a norte, avistamos a Serra de Monchique, a Meia-Praia e a entrada da barra de Lagos. Recordamos dias passados (e não foi assim há tanto tempo...) em que aqui havia traineiras e «enviadas», neste porto de pesca que fervilhava de movimento. E, também, o assoreamento do canal de entrada, problema que se arrasta e que persiste há décadas, quem sabe à espera de uma solução miraculosa e permanentemente adiada.
É por cima da Praia do Pinhão, evitando o perigo assinalado do desabamento da falésia (que também aguarda solução há décadas) que olhamos para a Costa de Oiro, imortalizada nas telas de Falcão Trigoso e que dá o nome a esta revista e a uma outra que existiu na década de 30 do século XX.
Ficamos longos minutos a olhar o horizonte, o movimento dos barcos, as suas velas brancas ao longe, sentindo o forte vento norte na cara e a admirar a beleza do local. Neste dia, que desejamos que seja tranquilo e agradável, decidimos evitar uma ida até à Ponta da Piedade, que fica agendada para futura edição.
Agora, vamos a caminho da Praia da Luz, pela antiga Estrada da Atalaia. Passamos por dois conhecidos e muito frequentados restaurantes e chegamos ao campo de Golf e Spa da Boavista. Aqui, atalhamos à esquerda, por uma estrada estreita e sinuosa, no meio dos campos, que nos leva até ao Parque de Campismo Orbitur Valverde (esta é uma perpendicular à estrada - EM 537 - que vai da rotunda das «Quatro Estradas» até à Praia da Luz, que espera requalificação há décadas e que actualmente já tem «luz verde» do Tribunal de Contas para ser executada, pelo valor de cerca de 1,6 milhões de euros, valor acrescido de IVA).
Chegados à antiga aldeia piscatória da Praia da Luz (Vila desde 2001), ficamos um pouco surpresos por constatarmos que, não obstante os tempos que vivemos, no areal estão veraneantes, embora não tantos como recordamos de anos anteriores.
Neste local, recordamos os ensinamentos e os textos do nosso colaborador Artur de Jesus, que publicámos em edições anteriores, quanto à defesa da Senhora da Luz. Explicou-nos, então: «[...] foi a Senhora da Luz, que proporcionava um bom desembarcadouro e um acesso directo a Lagos. Como vimos, a posição estratégica do local, associada ao perigo real das incursões dos piratas e dos corsários norte-africanos nesta faixa costeira levaram à construção do Forte de Nossa Senhora da Luz em 1670, para protecção da localidade, da sua igreja e dos seus fregueses, bem como para defesa do ponto de desembarque natural que representava».
Artur de Jesus, terminava assim o seu texto sobre a Luz: «Esta velha sentinela da nossa costa e guardiã de uma igreja e antiga aldeia, nascida e reforçada pela vontade de dois governadores do Reino do Algarve, enquadra hoje um dos mais belos cenários costeiros do Barlavento Algarvio, sobretudo sobre a bonita baía fronteira à praia e sobre o imponente cerro onde se destaca o alto da Atalaia».
Percorremos as ruas, devagar, saboreando a pacatez desta Vila. Recordamos que de localidade piscatória em finais da década de 60 do século passado, esta foi «descoberta» para o turismo e que alguma dessa notoriedade (para além da sua beleza natural) se deveu à estadia aqui pelas férias de um músico mundialmente conhecido, nada mais do que Sir James Paul McCartney, da banda «The Beatles» (mais tarde do grupo «The Wings»).
Fotografado pela sua companheira Linda Louise Eastman (imagem que se reproduz), a Praia da Luz torna-se mundialmente conhecida e este veio a ser o local escolhido de residência para muitos cidadãos estrangeiros, com largo destaque para os oriundos do Reino Unido.
Multicultural e cosmopolita, a Vila da Luz merece ser visitada com tempo e com disponibilidade, que falemos com os seus simpáticos habitantes e que nos sentemos à mesa ou na esplanada de um dos seus vários restaurantes. Entre a Avenida dos Pescadores e a Rua do Poço existem umas ruínas romanas.
Actualmente, encontram-se como se pode ver na imagem que publicamos, mas que deverão ser requalificadas num futuro próximo: «A intervenção tem como propósito criar condições para a reabertura do monumento à fruição pública, incluindo o acesso a cidadãos com mobilidade condicionada. O programa do projecto, da autoria de Pedro Alarcão Arquitectos, contempla: a criação de um edifício de acolhimento ao visitante; a implementação de percursos de visita, hierarquicamente definidos; acções de conservação e consolidação das ruínas; a interpretação do edifício termal; acções pontuais de reconstituição que permitam ao visitante percepcionar melhor a estrutura outrora existente; bem como a divulgação dos resultados obtidos e da intervenção arquitectónica implementada», segundo a autarquia lacobrigense.
Por enquanto, aguarda-se, com expectativa, que esta obra venha a ser realidade. Saímos da Luz, rumo a oeste, pela estrada dos «Montinhos da Luz», rumo à aldeia de Burgau (pequena parte que integra o concelho de Lagos e a maior no concelho vizinho de Vila do Bispo).
Esta via, tal como a que liga a rotunda das «Quatro-Estradas» à Luz não poderia estar mais necessitada de intervenção. Buracos, buracos e mais buracos, bermas que não existem, tudo o que não deveria acontecer nas rodovias portuguesas está aqui, é aqui. Quase que dá vontade de termos seguido pela Estrada Nacional 125 e termos virado à esquerda, na rotunda da «Alma Verde» (onde se verificam frequentes acidentes rodoviários), em direcção ao nosso destino. No entanto, como esta via (M537-2) é tão má como aquela que escolhemos, a nossa decisão acaba por ter sido a melhor.
Avançamos devagar, para não danificarmos a viatura e aproveitamos para desfrutarmos a beleza da paisagem e a dos campos.
É um silêncio tranquilo o destes dias estivais, cálidos, em que esta terra não cheira à terra molhada como quando chove. Hoje, tão pouco nos cruzamos com alguma perdiz ou lebre, como tantas vezes aconteceu tivemos oportunidade de vê-los aqui, pelo Outono, e no Inverno anunciado. Nesses dias em que esta terra cheira mesmo a terra....
Chegamos a Burgau, aldeia da freguesia de Budens e do concelho de Vila do Bispo (embora uma parte muito pequena integre o de Lagos). Burgau, à semelhança da Praia da Luz, foi uma aldeia piscatória.
Actualmente, é a actividade turística a que ocupa parte substancial dos seus habitantes. Aninhada entre colinas, as ruas desta localidade levam-nos até à praia abrigada da ventania, de areia clara e água transparente. Mas, até lá chegarmos, as ruas convidam-nos a um olhar demorado.
A vermos as casas arranjadas, com mimo, a maioria brancas, e as muitas flores que dão vida e cor a esta localidade. Burgau merece visita prolongada. Que venhamos aqui degustar algumas iguarias do receituário nacional, nos vários estabelecimentos de restauração que aqui existem.
E, por agora, não iremos deixar alguma indicação ou pista sobre os nossos preferidos. Que o visitante os descubra, pois...
Voltamos à estrada, rumo a oeste. Hoje não iremos visitar a «Praia dos Rebolos», que fica próxima de Burgau e que tem este nome pelo facto de não haver ai areia. Em lugar desta, há rebolos, pedras arredondadas, muito polidas pelo erosão mar. E aí não dá para se estender a toalha de banho, pois claro...
Estamos agora na Praia das Cabanas Velhas, na chamada Pedreira de Burgau. O cais arruinado, que pode ser visto aqui, deverá ter sido construído há mais de 60 anos, para retirada de pedra da pedreira existente. Recordaram os mais antigos da freguesia de Budens que um dos batelões usado para essa função está afundado a 12 braças de profundidade na Ponta do Recador e outro está a 4 braças no Cerro de Canelas. Acrescentaram que os outros rebocadores que faziam esta tarefa eram do porto de Lisboa e chamavam-se «Etral» e «Vale Campilhas».
As pessoas que habitam nesta freguesia conhecem este local como um dos pesqueiros mais seguros da zona, onde se captura sargo, safia, carapau e cavala. Quando olham para a falésia, podem ver os falcões-peregrinos, o animal mais rápido do nosso planeta e dos mais fascinantes que se pode observar na Natureza, em liberdade.
De volta à viatura e seguindo viagem, chegamos à arruinada Fortaleza de São Luís de Almádena, ou da Boca do Rio, classificada como Imóvel de Interesse Público, em 1974. Na década 40 do século passado, a propriedade desta fortificação foi transferida para o Município de Vila do Bispo, sem que, desde essa altura, tivesse sido objecto de qualquer obra de reabilitação.
Situada sobre a praia com este nome (por desembocar aqui um conjunto de rios e riachos), esta estrutura militar foi edificada em 1632 por ordem do governador da província do Algarve na época, D. Luís de Sousa, conde do Prado. O seu principal objectivo era a protecção da armação de pesca de atum que aqui existia. A fortaleza, de planta poligonal, encontra-se actualmente muito deteriorada, embora ainda se possam distinguir alguns dos elementos que a constituem. A fachada principal, onde subsiste a porta de armas, é antecedida de fosso, possuindo baluartes poligonais nos ângulos.
No interior da praça subsistem as estruturas de construções abobadadas com terraços, que deverão corresponder às casernas e ao paiol, e o que resta de uma capela. As vistas do exterior do edifício são deslumbrantes.
Para oeste, em dias de boa visibilidade é possível ver-se toda a linha de costa até onde a terra acaba e o mar começa, Sagres.
Para nascente, apresenta-se o litoral até à Ponta da Piedade, no concelho de Lagos. Retomamos a viagem, rumo à Praia da Boca do Rio. Passamos por um parque de merendas, num eucaliptal, onde alguns veraneantes piquenicavam. Na várzea, hoje seca, cultivou-se arroz no século passado e ainda se podem ver algumas ruínas que serviram de apoio a esta actividade.
Hoje já são pouco visíveis, mas ainda se notam parte das Ruínas lusitano romanas da Boca do Rio, também conhecido como Villa Romana da Boca do Rio. Existia aqui, entre os Séculos II e V d.C, um complexo de origem romana que incluía um edifício residencial, um conjunto industrial para a produção de derivados de peixe e uma zona portuária com um grande pontão.
O arqueólogo Estácio da Veiga estudou este local, em 1878, tendo posteriormente sido analisado por outras equipas científicas. Parte do espólio retirado deste local, podia ser visto até há pouco tempo no Museu Municipal de Lagos.
Há vasta informação sobre este local, destacando-se a publicado na revista digital Portugal Romano e na Wikipédia. Uma batalha naval, que ficou conhecida como a «Batalha de Lagos», teve o seu epílogo perto deste local, em 18 de Agosto de 1759, com o afundamento dos navios franceses L'Océan (com cerca de 60 metros de comprimento e que armava 80 canhões, comandado pelo almirante De la Clue) e do Redoutable (este afundado na Praia do Zavial).
Estas embarcações integravam uma frota Francesa de 14 navios, que em plena Guerra dos Sete Anos (vinda de Toulon), se envolveu num confronto com a poderosa armada Inglesa que tinha zarpado de Gibraltar. Editado pela Subnauta, o relato desta batalha pode ser lido em «Fahrenheit 1759» da autoria dos conceituados arqueólogos Jean-Yves e Maria Luisa Blot e no site Mergulho na História, que transcrevemos: «Inserida no contexto da Guerra dos Sete Anos, da qual a Inglaterra sairia como a maior potência naval da altura, a Batalha de Lagos surgiu como acção acessória da tentativa de Luís XV em invadir a Inglaterra.
O plano era simples: o exército francês, acampado em Vannes, no sudeste da Bretanha, seria transportado em barcaças a partir de Quiberon, escoltadas por uma frota composta por 21 navios de guerra da esquadra atlântica de Brest, sob o comando de Hubert de Conflans e outros 12 da esquadra mediterrânica de Toulon, sob o comando do almirante de la Clue. Mas, para de la Clue, havia um problema incontornável: como chegar a Brest sem ser detido pela frota inglesa que bloqueava Gibraltar? A 5 de Agosto, de la Clue deixou Toulon, a 17 foi avistado pelos navios do almirante Edward Boscawen, surto em Gibraltar.
Os franceses conseguem passar o estreito mas, no dia seguinte, são alcançados pela frota inglesa que, na pressa de os atacar, se dividira em duas. [...] O l'Océan e o Redoutable foram destruídos praticamente na praia, nas costas algarvias. Da tripulação do l'Océan, salva-se a maior parte dos homens, havendo a registar cerca de 25 mortos e 40 feridos, entre os quais se contava o almirante De la Clue que, gravemente atingido nas duas pernas, deu também ele em terra portuguesa, terra essa que ele ingenuamente supusera vir a ser respeitada pelos ingleses como neutral. E é exactamente essa violação da “sagrada” neutralidade das águas portuguesas que tanto indigna o Conde de Oeiras e Marquês de Pombal.
O sítio do naufrágio permaneceu sempre na memória local. Em meados dos anos 70 do século XX, o sítio do naufrágio foi pilhado, sendo muitos dos canhões em bronze do l´Ocean derretidos por sucateiros.
Em 1984, foi objecto da primeira intervenção arqueológica subaquática em Portugal, realizada por Francisco Alves, então director do Museu Nacional de Arqueologia, arqueólogo que idealizou então um itinerário descritivo pelo sítio do naufrágio, permitindo aos mergulhadores fazer o percurso subaquático por entre uma âncora de misericórdia, alguns canhões em ferro e um cadernal associado à alagem do ferro de amura».
Da Praia da Boca do Rio até à da Salema é um «pulinho».
A aldeia da Salema, tal como as que visitámos até agora, tinha na actividade piscatória a principal forma de subsistência das suas populações.
Recordamos que na década de 60 do século XX, havia aqui três calões da «arte de xávega». Nesta «arte» tradicional de pesca, os pescadores e os que não eram juntavam-se para a captura do peixe. O «calão» saía da praia, deixando uma corda em terra, afastava-se e navegava até outra zona da praia, onde deixava a outra ponta do cabo.
O barco voltava então à praia, onde a rede com o saco era puxado para terra, no esforço conjunto de homens e mulheres. No mar ficava um «bote», no meio da arte, que dava sinal para terra, no controlo da rede com o saco, de modo a que os dois grupos fizessem um esforço igual. O mestre, em terra, dava ordens: «Ala a mão da vante» (o cabo inicialmente em terra) e «ala a mão da panda» (o cabo que chega a terra).
Depois de capturado, o peixe era repartido por todos os que tinham ajudado nesta labuta, embora o melhor e a maior parte ficasse para o dono da arte e do calão (que ainda subsiste na Meia-Praia, em Lagos).
Nas últimas décadas, é o turismo que emprega parte substancial dos seus habitantes, sendo a pesca actualmente residual. Come-se muito bem nos restaurantes da Praia da Salema, razão pela qual não iremos apontar um em particular, mas que deixemos a sugestão para que os nos leitores os venham a «descobrir».
Terminamos a nossa viagem na aldeia da Figueira, no concelho de Vila do Bispo. Não visitamos a sua praia, nem o seu forte arruinado. Este local costuma ser frequentado por algumas pessoas que não se respeitam, que não respeitam os outros visitantes, nem o meio ambiente e a natureza, sem que aparentemente as autoridades competentes intervenham para pôr fim ao desordenamento que grassa por aqui. Este acaba por ser o ponto menos positivo a assinalar nesta viagem, neste passeio que teve o seu início no concelho de Lagos e que terminou no vizinho de Vila do Bispo.
Este percurso pode ser feito a pé, de bicicleta, ou de carro, seguindo as indicações da Rota Vicentina, no «Trilho dos Pescadores» (Lagos - Luz - Salema), com mapas, coordenadas de GPS e gráficos de distância e altitude, através desta ligação: https://rotavicentina.com