Em tempo de pandemia de Covid 19, o Movimento Juntos pelo Sudoeste (JPS) denuncia o favorecimento do sector agrícola intensivo dos pequenos frutos, que fez recentemente uma série de reivindicações para compensar perdas de negócio e conseguiu do Governo pelo menos parte daquilo que pretendia.
Três organizações de produtores de pequenos frutos – Lusomorango, MadreFruta e AHSA (Associação dos Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur) solicitaram uma série de medidas como:
- a eliminação por 6 meses da TSU e o adiamento do pagamento de IRC;
- o encaminhamento de recém-desempregados de outros sectores de actividade ou em regime de lay-off para o sector dos frutos, carente de mão-de-obra;
- o regresso de trabalhadores estrangeiros que possuam já contrato de trabalho, comprometendo-se os produtores a manter esses trabalhadores em quarentena profiláctica;
- e, sobretudo, que fosse accionado um mecanismo europeu de retirada de produto do mercado, de forma a adequar e a regular a oferta à procura, dado o custo de venda actual ser inferior ao custo de colheita – este mecanismo contemplava já outras frutas, como pêra, melancia ou tomate, mas não incluía até agora a categoria dos pequenos frutos.
Surpreendentemente, uma vez mais o sector da agricultura intensiva debaixo de plástico, que tem trazido forte degradação ambiental e social ao Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), volta a conseguir uma vantagem da parte do Governo: os grandes produtores de pequenos frutos, como morangos, framboesas ou mirtilos, vão poder retirá-los do mercado e receber em troca uma compensação financeira. Segundo o Jornal de Negócios de 7 de Abril, “Face à quebra acentuada das vendas (…) o Ministério da Agricultura aprovou a inclusão dos pequenos frutos na lista de produtos agrícolas que podem ser retirados do mercado, mediante uma compensação financeira”. Por cada cem quilos de fruta retirados, os produtores recebem, no máximo, 40% do seu valor de mercado. A título de exemplo, o apoio máximo atribuído às framboesas é de 309 euros por 100 quilos, ou seja 3,09€/kilo, sendo que o preço de venda apenas há 3 semanas se situava nos 2,50€/kg.
Quanto aos frutos retirados do mercado, serão encaminhados para instituições de cariz social, isto é os produtores oferecem aquilo que já lhes foi pago pelo Estado, numa acção perfeita de lavagem de imagem, passando por beneméritos sem na realidade o serem.
Este Movimento de Cidadãos vem novamente desmascarar o sector da agricultura intensiva de pequenos frutos do Perímetro de Rega do Mira, se não vejamos:
• Não querendo incluir nesta reflexão os pequenos produtores, no caso concreto aqui relatado trata-se de empresas multinacionais que têm beneficiado de milhões de euros de fundos europeus para instalar culturas intensivas debaixo de plástico, em pleno PNSACV/Rede Natura 2000, arrasando valores ecológicos únicos, sem qualquer tipo de fiscalização, causando visível degradação ambiental, o não cumprimento de compromissos do Estado a nível nacional e europeu, assim como uma forte escassez de água disponível na barragem de Santa Clara, que abastece o Perímetro de Rega do Mira.
• São também empresas que acenam constantemente com elevados números de facturação à custa da importação massiva de mão de obra estrangeira barata, sem qualquer preparação ou dignidade. Trabalhadores anónimos desprotegidos, recrutados por empresas estrangeiras de trabalho temporário, em situação precária e vulnerável, cujo número já ninguém sabe precisar. Não falam português, são transportados em carrinhas com a lotação completa, vivem amontoados em casas degradadas e sem condições de higiene adequadas, nem admissíveis numa época “normal" quanto mais para fazer face às necessárias medidas de contenção durante o surto de Covid-19. Ora, são estas mesmas empresas que vêm agora comprometer-se com quarentenas? Realizadas exactamente em que condições e vigiadas por quem? • Quando pretendem valorizar a sua actividade, as multinacionais de pequenos frutos fazem um alarido enorme sobre o seu impacto económico no PIB e exportações. No entanto, param um mês e imediatamente colocam o seu lobby a funcionar, reivindicando as suas necessidades, para que o Estado, com o nosso dinheiro, venha subsidiar a produção. Na prática, pergunta o JPS, quem controla o mecanismo de retirada de produto do mercado, os volumes em causa, os limites, e até se os clientes ficaram ou não com o produto e pagaram?
• Este é um sector que veio causar uma evidente disrupção social nos concelhos de Odemira e Aljezur, provocando grandes carências ao nível dos serviços e infraestruturas públicas, sem que se vejam quaisquer contrapartidas para a comunidade. Se estas multinacionais quisessem de facto contribuir para a solução da crise que vivemos, poderiam não pesar ainda mais ao Estado, sacrificar parte da campanha e reduzir a pressão sobre a mão de obra, de forma a minimizar os riscos para a saúde pública; no fundo é o que estamos todos compelidos a fazer.
• Já o Governo, ao apoiar as multinacionais dos pequenos frutos, está a desviar verbas importante para as comunidades, dando o sinal de que quem vai pagar esta crise serão os mesmos de sempre - os contribuintes. Por outro lado, as associações de produtores sempre utilizaram a grande procura do mercado para estes produtos, para justificar o aumento de área de produção. Neste momento o que o mercado diz é que não há procura, que estes frutos não são bens de primeira necessidade e que o seu preço é elevado. E é o Estado que se substitui agora ao mercado? Durante quanto tempo?