Artigo de opinião de Bruno Alves, enfermeiro especializado em Estomaterapia, Centro Hospitalar de Lisboa Norte
A urostomia caracteriza-se por uma ligação entre as vias urinárias e a pele (abdómen), utilizando uma porção de intestino delgado, criando um estoma (abertura) na superfície cutânea. Esta cirurgia é habitualmente realizada quando existe a necessidade de remoção da bexiga, sendo a neoplasia a principal causa. O estoma tem forma circular, com cerca de 2/3 cm de diâmetro, de coloração vermelha e drena a urina de forma contínua e incontinente.
Devido ao fluxo constante é necessário utilizar um dispositivo coletor, que é colado à pele em redor do estoma, permitindo assim recolher a urina. Estes dispositivos ficam por baixo da roupa, conferindo discrição, conforto e segurança, sendo possível a pessoa adquirir autonomia na sua substituição e gestão. Para tal, é necessário um período de aprendizagem e de treino que começa antes da cirurgia, mantido no pós-operatório e após a alta, sendo possibilitada a integração de um familiar/pessoa significativa neste processo.
Os conteúdos são abordados de forma gradual, começando com a possibilidade de a pessoa visualizar o estoma, realizar o seu toque, visualizar a retirada do dispositivo coletor, a limpeza da pele, a medição do estoma, a adaptação do novo dispositivo e o respetivo despejo. A investigação demonstra uma relação entre a capacidade de cuidado ao estoma e níveis mais elevados de qualidade de vida, por este motivo a capacitação para o autocuidado é um especial foco de atenção. Este acompanhamento é realizado por enfermeiros com formação específica em estomaterapia.
A complicação física mais frequente é a lesão da pele circundante ao estoma, podendo estar relacionada com o contacto contínuo com a urina. Existem estudos que demonstram a sua ocorrência em cerca de 40% a 50% das pessoas com urostomia. Esta complicação pode estar associada à descolagem acidental do dispositivo coletor e consequentes fugas de urina, estas situações poderão dar origem a sentimentos de insegurança, vergonha e, até mesmo interferir, com os relacionamentos pessoais. É possível evitar estes problemas com adequados cuidados de limpeza e proteção da pele, através da capacitação da pessoa para o autocuidado e com a adequada seleção dos dispositivos coletores e restantes materiais.
A pessoa com urostomia tem a possibilidade de retomar as suas atividades de vida, sem fugas frequentes de urina e com materiais que lhe proporcionem confiança. A urostomia não impossibilita a pessoa de realizar viagens (avião, comboio, barco, automóvel), praticar desportos como a corrida, natação ou o golfe, bem como, frequentar a praia e diversas atividades balneares. Também a atividade laboral poderá ser retomada, com liberdade de movimentos e com capacidade de adotar várias posturas corporais.
As alterações fisiológicas decorrentes da cirurgia e de outros tratamentos oncológicos poderão levar a problemas ao nível da sexualidade, algo que poderá ocorrer de forma diferente no homem e na mulher. Apesar destas alterações é possível a pessoa vivenciar a sexualidade de forma prazerosa. Para que a pessoa possa retomar e vivenciar as várias dimensões da sua vida é importante o acompanhamento por uma equipa multidisciplinar. As consultas de estomaterapia existem, atualmente, nas várias regiões do país, em valências do Serviço Nacional de Saúde e do setor privado, em unidades hospitalares e nos cuidados de saúde primários. O emprego, as tarefas do dia-a-dia, o lazer, a atividade física, o vestuário, a autoimagem, a autoestima, a intimidade, o estabelecimento e manutenção de relações, são áreas passíveis de intervenção no âmbito deste acompanhamento. É possível viver com urostomia e com qualidade de vida.