Artigo de Opinião CARLOS MEDINA RIBEIRO
Sempre que sou abordado em peditórios de rua, procuro saber quem está por detrás deles para, tendo em conta a credibilidade que lhes está associada, decidir se hei-de dar a minha contribuição ou passar de largo. Imagine-se, agora, que um belo dia me aparece pela frente um Grupo Excursionista a pedir o meu óbulo, mas dando-me razões para suspeitar de que, afinal, o dinheiro irá direitinho para um tal Grupo de Teatro de Marionetas. Ora, sabendo eu que se trata de entidades completamente diferentes, é natural que questione o solicitante acerca do descaminho do meu dinheiro, até porque, entre a próxima passeata dos excursionistas e a exibição das marionetas, mediará quase meio ano. Imagine-se, então, que recebo como resposta que é tudo a mesma coisa, os corpos gerentes até são os mesmos, pelo que é natural que, ao dar para o peditório de agora, esteja, na realidade, a dar para o próximo». Obviamente, a rábula é uma metáfora do que sucederá nas próximas EUROPEIAS, se o voto que nelas vamos dar vier a ser contabilizado como se fosse para as LEGISLATIVAS, numa repetição do que se passou em 2004 com Durão Barroso e, de certa forma, com Guterres, quando, dois anos antes, o PS perdeu as autárquicas.
Em ambos os casos, tratou-se de deserções imperdoáveis, pois essas duas personagens, a quem o povo havia confiado o GOVERNO do país, pegaram nos votos colocados numa urna e fizeram--nos aparecer noutra, num exercício de prestidigitação que Luís de Matos não desdenharia. E o pior é que, quanto às eleições deste ano, há boas razões para recear que algo de semelhante poderá suceder, pois já ouvimos, de-viva-voz, António Costa, Rui Rio e Nuno Melo afirmarem que «as eleições EUROPEIAS são para APROVAR ou CENSURAR o GOVERNO»; ou seja: umas “primárias” que eles inventaram, sem nos explicarem com que legitimidade o fizeram. Acresce a isso que os acontecimentos do início deste mês não são de molde a fazer-nos pensar que eles arrepiem caminho — o que será perverso, pois, numas EUROPEIAS, só seria desculpável centrar as atenções para a actuação do GOVERNO se a EUROPA não enfrentasse questões bem graves: a começar pelo défice de natalidade — que, a par do envelhecimento da população, acarreta a necessidade de imigração, que, por sua vez, facilmente alimenta o nacional-populismo e a xenofobia, como se vê em muitos países europeus. E embora, até à data, Portugal tenha estado imune aos aspectos mais extremos desses fenómenos, o “inverno demográfico” (que é o mais grave problema europeu dos últimos tempos) não dá mostras de vir a ser enfrentado pois, para os actuais políticos, o mundo termina na ponta do seu nariz, e o longo-prazo nas eleições seguintes. E problemas europeus é o que não falta: ele é o Brexit, os refugiados, a recessão sempre possível, os portugueses espalhados por essa Europa fora, a defesa europeia, a pressão da China e dos EUA, o dinheiro dos contribuintes europeus que pode deixar de vir, a PAC que tantos recursos absorve, os possíveis impostos e FA comuns, a volatilidade do turismo... para já não falar dos problemas climáticos, do facto de a Europa depender das importações de energia em mais de 50%... e por aí fora. Então porque é que, acerca dessas questões, pouco ou nada ouvimos aos que agora nos pedem o voto? Será que acham que não vale a pena perder tempo com eleitores que, na sua maioria, votarão apenas segundo as suas preferências partidárias? Não sei. Mas sei que os valores da abstenção (que todos choram com lágrimas de crocodilo) só têm a ver com a sensação da inutilidade do voto, a par do descrédito da classe política, onde não escasseiam malabaristas — como os deste “peditório” para o qual, segundo dizem, não podemos deixar de dar.