Artigo de Opinião de JOAQUIM ROCHA |Jurista|
Jornal Correio de Lagos |Edição 346 · AGOSTO 2019|
“ Quanto mais estudamos, mais descobrimos a nossa ignorância “ Mary Shelley
Caros leitores
Neste artigo vamos fazer uma abordagem às Instituições Particulares de Solidariedade Social adiante designadas IPSS as quais são pessoas colectivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa dos particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efectivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outros Organismos Públicos. Às IPSS aplica-se o regime jurídico do Decreto-Lei nº. 172-A/2014, de 14 de Novembro que abrange a organização e funcionamento das Associações de Solidariedade Social de Organizações Religiosas, Associações Mutualistas, Funda-ções de Solidariedade Social e Irmandade das Misericórdias, com excepção da de Lisboa que se rege por um Estatuto especial, estas últimas (Misericórdias) reconhecidas ainda na ordem jurídica canónica, A Irmandade das Misericórdias têm algumas especificidades em relação às outras organizações. Assim, os Estatutos denominam-se “ Compromisso”, os sócios “irmãos” a Direcção “ Mesa Administrativa “ e os Órgãos Eleitos só podem tomar posse após a Homologação de Suas Excelências Reverendíssimas os Bispos das respectivas Dioceses, o mesmo acontecendo com os Compromissos e suas alterações, assim como a alienação de obras de carácter sagrado. Todas as mencionadas organizações inserem-se na denominada Economia Social.
Constitui papel das IPSS, entre outras respostas sociais, o Apoio à Infância e Juventude, apoio à família, apoio às pessoas idosas, apoio às pessoas com dificuldade e incapacidade, apoio à integração social e comunitária, protecção social aos cidadãos na eventualidade da doença, velhice, invalidez e morte, em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, prevenção, promoção e protecção na saúde, educação e formação social dos cidadãos e resolução dos problemas habitacionais dos cidadãos mais desfavorecidos. As IPSS são apoiadas e fiscalizadas pelo Estado, conforme se encontra estabelecido no nº. 5 do art. 63º. da Constituição da República Portuguesa.
Pode mesmo afirmar -se que as IPSS se substituem ao Estado na garantia da solidariedade e segurança social aos seus cidadãos e mesmo aos estrangeiros, apátridas e cidadãos europeus que residam ou se encontrem em Portugal. As receitas das IPSS, com maior expressão, na sua generalidade, são as comparticipações mensais, concedidas aos utentes, pelo Estado, transferidas directamente para as mesmas, nos casos de vagas comparticipadas, sendo que existem muitos utentes que pagam a totalidade das mensalidades, nas vagas não comparticipadas.Os utentes, em cada equipamento, têm um custo mensal para as IPSS, cujo pagamento é assegurado em parte pela comparticipação da Segurança Social, parte das pensões de reforma do utente e ainda pelos familiares, que nem sempre dão o seu apoio financeiro, com fundamento nos seus baixos rendimentos, daí que nem sempre a mensalidade paga atinja o custo/utente, em prejuízo da Instituição. No caso de crianças e idosos a acolher nas respostas sociais das IPSS, as listas de espera contêm elevado número de candidatos.
O Estado/Segurança Social, sem que se entenda, quando em determinados municípios existam Equipamentos com respostas sociais em razoável número, superior ao de outros municípios, não obstante o significativo número de candidatos nas listas de espera, não comparticipa mais construções de novos Equipamentos. A titulo de mero exemplo se num determinado município existirem quatro, cinco ou seis Lares de Idosos, agora denominados ERPI (Estabelecimentos Residenciais para Pessoas Idosas - são o mesmo que Lares para pessoas Idosas com outra denominação) mesmo que exista uma lista de espera superior a cinquenta, setenta, cem ou mais cidadãos constituindo uma sobrecarga para a família e uma vivência sem dignidade, para o idoso, dado que a família está fora quase durante todo o dia, invocando que o município se encontra bem servido de equipamentos, em quantidade, não importando o elevado número de candidatos em lista de espera.
Em nossa opinião o critério deveria consistir no número de candidatos em lista de espera e não o número de equipamentos, em cada município. Pode haver muitos equipamentos que no entanto não conseguem dar resposta ao elevado número de candidatos, aguardando admissão. Actualmente a generalidade das IPSS vêem enfrentando grandes dificuldades de natureza económico/financeira, encontrando-se em situação deficitária,. além de dificuldades na admissão de colaboradores, nomeadamente nas zonas turísticas, na época estival, uma vez que não conseguem competir, quanto a remunerações, com outras entidades empregadoras. Um mito que se quer desfazer é que as receitas dos jogos da Misericórdia de Lisboa, ao contrário do que muitos pensam, constituem inteiramente receita desta, não auferindo as restantes qualquer beneficio dos jogos que, em nossa opinião constitui uma injustiça difícil de fundamentar.
Sempre que ocorra uma vaga, as IPSS têm na lista de espera situações dramáticas mas apenas uma ou duas são “bafejadas pela sorte”, sentindo-se os responsáveis impotentes para dar resposta aos interessados, de que resulta um grande grau de insatisfação face aos constantes pedidos dos familiares e impossibilidade de os satisfazem, em prazo razoável. Os membros dos Corpos Sociais nalgumas IPSS auferem remunerações mensais, como qualquer dirigente de empresa, enquanto noutras impera o voluntariado, sendo que os seus membros podem ser apelidados de Dirigentes Sociais Voluntários. O Estado/Segurança Social deveria fazer um maior esforço financeiro, bem como as Autarquias que, em certos municípios subsidiam as IPSS e outros não se encontram sensibilizados para assumirem qualquer que seja algum esforço financeiro, sendo que a segurança social e solidariedade para com os cidadãos tanto constitui responsabilidade do Estado como dos Governos Locais.
O seu apoio não deve ser visto como uma esmola, mas sim um direito que assiste aos cidadãos que depois de uma vida de trabalho têm direito a viver os seu últimos anos de vida com a dignidade que a pessoa humana merece. Existem muitas IPSS cujo critério quanto à comparticipação não é o mesmo igual para todos, mas carecemos de espaço para aprofundar, dependendo do tipo de apoio que prestam ao cidadão.. Na maioria das IPSS o défice não resulta de má gestão, mas sim da dificuldade em “ inventar “ mais receitas, sem que as despesas diminuam, para se garantir aos utentes melhor qualidade de vida e aos colaboradores maior motivação, e compensação dado a dureza dos serviços que prestam aos utentes, e o papel que representam, como se de familiares se tratassem. É este o panorama que todos os cidadãos devem conhecer. As IPSS não são empresas comerciais, para distribuir lucros, mas devem ter as contas equilibradas. A finalizar não é demais frisar que falamos das IPSS em geral, não resistindo a escrever algo sobre a sabedoria Budista:
“ Quanto mais tivermos em consideração o bem-estar dos outros e trabalhar-mos nesse sentido, mais benefícios recolheremos para nós próprios. Esta é a realidade. E quanto mais egoístas formos, mais egoísta será o nosso modo de vida e mais sós e miseráveis nos sentiremos. Esta é também a realidade “ Tenzin Gyatso - Sua Santidade o décimo quarto Dalai Lama.