Artigo de Opinião de Francisco Gaspar, Representante do Ministério da Educação e Ciência; Professor; Presidente da CPCJ (Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Lagos).
A atual sociedade está marcada por situações paradoxais perfeitamente incompatíveis com a velocidade e quantidade de informação, o que impede uma consciencialização plena do que verdadeiramente ocorre. Sinónimo disso são as mais-valias do conhecimento científico e tecnológico que, se por um lado nos concede bem-estar, por outro constitui-se como causa destruidora desse bem-estar. O conhecimento científico convive a par de fenómenos sociais marcadamente irracionais e acientíficos. A atual tendência para tudo experimentar adiciona-se a uma aceitação tácita de modas vazias de conteúdo e marcadamente fundamentalistas.
No atual contexto mundial económico e comercial, a par de proliferação de sofisticadas tecnologias da informação, corre-se o risco de uma uniformização cultural e isso deve ser debatido na escola, sob risco de ascendermos a uma verdadeira negação do conhecimento e da cultura.
O uso excessivo das novas tecnologias, por parte de crianças e jovens, tem sido objeto de várias investigações, com conclusões que nos devem merecer a maior atenção. Recordo, por exemplo que, há pouco mais de 3 anos, dois dos maiores investidores na Apple, os quais detêm mais de 2 mil milhões de dólares de acções, e indo contra os seus próprios interesses, solicitaram à Apple que ajudasse a combater o vício das crianças no uso do iphone, das redes sociais e até mesmo da internet. Segundo L’Ecuyer, o facto de vivermos numa sociedade que valoriza mais o ganho de conhecimento através de um ecrã, em detrimento da dimensão afetiva, ignora uma realidade que é o modelo de vinculação que a criança tem com o seu cuidador e, isso sim, é que contribui para o seu bom desenvolvimento e não a quantidade de informação que receciona. Essa investigação sobre a vinculação, da citada autora, afirma ainda que essa é a verdadeira chave para um desenvolvimento saudável, até porque o excesso de estimulação associado às novas tecnologias inibe aquilo que é a curiosidade natural das crianças e isso repercute-se negativamente no seu processo de aprendizagem. Daniel Siegel, considera inclusive, que as crianças “ estão a viver como pequenos executivos stressados”. O mesmo investigador acrescenta ainda que “ as crianças pequenas não aprendem palavras ou outros idiomas com os DVD, por muito educativos que possam ser” e faz referência a estudos realizados que confirmam a relação entre o consumo dos DVD apelidados de “educativos” e uma diminuição no vocabulário e no seu desenvolvimento cognitivo. A própria Academia Americana de Pediatria recomendou que as crianças não sejam expostas a écrans até aos dois anos.
Não deixa de ser paradoxal que o já falecido Steve Jobs (fundador da Apple), em entrevista dada ao The Guardian, tenha afirmado que os seus filhos não usavam o Ipad. Há autores que referem que se entrega cada vez mais a responsabilidade de comunicar a quem tem capacidade de influenciar, e isso, é o que ocorre com as chamadas redes sociais e influenciadores digitais, em detrimento daquela comunicação social que tem regras e se rege por códigos deontológicos.
Nota: Importa salientar que este artigo não pretende refletir a opinião do autor mas sim promover uma reflexão por parte dos que o lerem.