Artigo de opinião de FERNANDO ILDEFONSO |Prof. e Deputado Municipal|
|Edição 346 · AGOSTO 2019|
Por Lagos, os rituais de férias em agosto repetem-se em eventos públicos comuns, envoltos em algumas pingas de chuva e emoções mornas de quem já se resignou aos limites instituídos. No plano nacional, pelo menos alguma coisa mexeu com todos nós. A greve dos motoristas de matérias perigosas. E é este assunto que importa recuperar e não deixar escapar por entre os pingos de chuva de agosto, em jeito de balanço deste mês de paragem para muitos e, neste caso, também para os motoristas. O direito à greve, previsto no Código do Trabalho, Lei n.º 7/2009, Artigo 530.º é claro. “1 - A greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores. 2 - Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve. 3 - O direito à greve é irrenunciável.” Este direito consubstancia-se com o estipulado no Artigo 537.º do mesmo código, que prevê a obrigação de prestação de serviços impreteríveis, também designados de serviços mínimos, durante a greve. Até aqui, nada a salientar. Um direito (à greve) que deve ser coordenado com outros direitos impreteríveis que devem poder ser garantidos a todos os cidadãos. As questões que aqui se devem colocar são se o governo, por excesso de zelo, definiu a bitola dos serviços mínimos muito para além do que é considerado impreterível? E esta dúvida diluiu-se na certeza de que foram efetivamente serviços máximos. Terá havido aqui o propósito de elevar os mínimos a máximos para dificilmente os trabalhadores cumprirem esta condição, dando força à ANTRAN para resistir teimosamente às negociações e assim ter o governo o pretexto desejado para acionar a tão publicitada e oportuna requisição civil? Não estará o governo do dr. Costa a querer lavar a face da catástrofe dos incêndios recentes que culminaram com sérios prejuízos materiais e humanos com mais de 60 vítimas mortais? Não estarão estes trabalhadores a ser vítimas de uma certa instrumentalização para que toda a negligência, incompetência e desorganização passadas venham a perder-se na penumbra da memória dos portugueses em período pré-eleitoral? Forte com os fracos, fraco com os fortes. O dr. Costa, por seu lado, conta com um historial político que o fragiliza no caráter aos olhos dos que valorizam uma conduta política com ética. Recordamos a polémica forma de ascensão a Secretário Geral do Partido em contramão com o seu alegado “amigo” A.J.S.; o comportamento ligeiro durante o dramático cenário dos incêndios recentes, onde a sua pouca sensibilidade chocou os portugueses,ainda as vitimas mortais eram choradas (mais de 60); o dito por não dito que deu em relação à contagem integral do tempo de serviço dos professores e a dramatização da sua demissão; a comprovada endogamia politica (nomeações politicas com base nas redes familiares) no PS; as adjudicações ilegais a membros e familiares do governo e as alegações de que a lei que criminaliza tal prática vale apenas em função da forma como cada um a interpreta. Preocupante é o dr. Costa acreditar que os portugueses facilmente perdem a lucidez e tomam a aparência por realidade, à semelhança do que retrata Platão na “Alegoria da Caverna” (ver na internet). Mas, mais preocupante ainda, é o dr. Costa vir a ter razão. Veremos em Outubro. Neste novo cenário da greve dos motoristas de matérias perigosas, decididamente, ciente de que as eleições de outubro são a prova de fogo da sua consolidação politica, resolveu munir-se de toda a esperteza politica que lhe assiste para sobreviver no seu mundo da politica em que os fins justificam os meios, rodeou-se dos seus ministros e deu ordem para disparar… sobre os trabalhadores. A sua posição de princípio, não obstante a farsa das mediações publicitadas, teria sido garantir o apoio a ANTRAN porque esta podia garantir a viabilização material da requisição civil aliando os recursos físicos (veículos das empresas) aos recursos humanos (GNR, PSP e Exército, máquina do Estado) numa equação que visava ficar bem aos olhos da opinião pública como um épico salvador da pátria. Os trabalhadores, já tido como o elo mais fraco, representavam apenas um espigão que iria perder vitalidade à medida que os serviços “máximos”, e a requisição civil iriam conduzir ao cansaço e à exaustão, aliando-se a este cenário o momento apoteótico do acordo entre a ANTRAN e FECTRANS que caiu como a machadada final sobre estes trabalhadores. Contudo, nem o chefe do governo, nem o Ministro das Finanças, se pronunciaram sobre os esquemas alegadamente fraudulentos que incidem sobre a ANTRAN e denunciados pelos sindicatos relativamente aos pagamentos extra feitos aos trabalhadores, à margem do controlo fiscal e sem qualquer efeito para a valorização da reforma destes trabalhadores, dando aqui sinais claros de um protecionismo sobre os seus parceiros melhor posicionados neste tabuleiro de xadrez político. Neste enquadramento não são de ignorar as ligações político-partidárias do representante da ANTRAN ao PS. Segundo o Jornal
digital “Observador”, André Matias foi deputado municipal pelo PS e nomeado pelo governo de Costa para o Conselho Geral de dois fundos que têm dotação superior a 300 milhões. Cumplicidades pouco transparentes. 3. Oposição apática e Democracia em agonia. A oposição foi a grande desilusão. De Rui Rio a Jerónimo de Sousa, ninguém esteve à altura das exigências nesta conjuntura. Na verdade, para que uma Democracia seja saudavelmente sustentada, tem que ter a garantia de uma oposição atenta, inteligente, oportuna, competitiva e cooperante. E aqui a oposição tinha matéria suficiente para debater e denunciar publicamente o esquema montado. Não o fez. Também se tratava de uma conjuntura propícia à discussão da lei da greve e aqui a oposição poderia ter sido competitiva com propostas publicamente assumidas, tomando posição sobre a salvaguarda do direito à greve que aqui foi praticamente esvaziada pela forma desproporcionada como o governo conduziu este processo. E se nada for avançado sobre esta matéria, segundo os manuais de Maduro, o direito à greve fica seriamente comprometido e à mercê do livre arbítrio de políticos perigosamente ambiciosos que usam a máquina do Estado para se servirem “à la carte”.