Reportagem Exclusiva na edição impressa de Julho do jornal Correio de Lagos, por Margarida de Sousa.
Junho: mês de sol, calor e praia. O mês que marca o início do verão e que “grita” por férias no Algarve. Lagos, uma cidade turística no maior recanto do barlavento algarvio, muito conhecida pelas suas paisagens e praias de areia dourada que atrai milhares e milhares de visitantes. Contudo, suspeita-se que este ano tudo vá ter um sabor diferente. O silêncio habita naquelas ruas, as esplanadas estão vazias e sem turistas, e os trabalhadores desesperam por um verão que se vislumbra perdido.
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A famosa Praça Gil Eanes, representativa do “coração da cidade” parece despida. O mundo está a braços com uma pandemia e a crise espreita a cada esquina. O rolar das malas de viagem nas pedras da calçada já não entoa pelas ruas. Não há turistas de polaroid ao ombro, apenas ruas desprovidas de cor e música. Apesar das praias cheias, no centro histórico apenas se ouve o cantar dos pássaros. Os trabalhadores anseiam por pessoas que por ali passeiam, com o medo na algibeira. Fala-se em “verão perdido”, entre os locais, mas “a esperança é sempre a última a morrer”. Planeia-se a reabertura dos estabelecimentos neste pós-quarentena e desenham-se expetativas para um futuro próximo.
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“Lagos é uma cidade de turismo, não é uma cidade autossuficiente. Se não há turismo, não há movimento”
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Cervejaria Abrigo, restaurante popular muito antigo, que sempre foi muito concorrido. Hoje, existe apenas uma cadeira ocupada, num canto da esplanada. Nas palavras de Michael Goertz, o gerente, “o panorama mudou com o aparecimento da COVID-19. Tivemos uma queda brutal de movimento e de faturação. Estamos a lutar pela sobrevivência”. Acrescenta ainda que “é um prejuízo constante manter uma casa aberta nestas condições”, sendo que, a cada dia, afirma perder dinheiro. A chegada do vírus complicou o negócio de muitos. “Lagos é uma cidade de turismo, não é uma cidade autossuficiente. Se não há turismo, não há movimento. Já não basta o inverno ser uma fase complicada... quando, finalmente, vinha o florescer da primavera, tudo fechou. Há menos movimento do que no mês de janeiro. Grande parte das pessoas não tem dinheiro para gastar, e o pouco que têm não vão gastar num jantar fora ou num passeio. Isso agora é um luxo, e o luxo é a primeira coisa que as pessoas cortam”, desabafa. As expetativas para o verão não são altas e as previsões mostram-se cada vez mais baixas e desanimadoras.
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“Temos de dar a volta por cima e temos de nos habituar, porque isto ainda vai durar”
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Do outro lado da cidade, o Restaurante António tem uma mais-valia: situa-se numa das praias mais concorridas do concelho, Praia do Porto de Mós. O cheiro a mar e o calor do sol irradiante invadem a esplanada e a situação começa a compor-se.
Quanto às medidas de segurança, o sócio-gerente, Pedro Protásio, confessa que a adaptação à máscara é algo estranho. “Não estamos habituados, não fazia parte do nosso vestuário. Mas se tem que ser, tem que ser! Temos de dar a volta por cima e temos de nos habituar, porque isto ainda vai durar.” O número de mesas no interior é reduzido, cumprindo com as medidas da Direção Geral de Saúde (DGS) e à entrada, estão evidenciados todos os alertas da DGS, bem como o indispensável gel desinfetante. Está tudo a postos, mas, ainda assim, o futuro é incerto. Pedro afirma que o “aspeto comercial turístico” se revela “inconstante”, devido ao encerramento das fronteiras: “Não há aviões, não há nada. Mas penso que isto agora é capaz de animar. O tempo será o melhor amigo.” Já ao nível da praia, Pedro acredita que “se o tempo ajudar, ainda se faz alguma coisinha”. Por agora, a “clientela” é maioritariamente portuguesa e os visitantes sentem-se seguros. “Está tudo impecável! Conheço o restaurante muito bem e a maneira como eles afastaram as mesas... melhor do que isto não podiam fazer!”, elogia um cliente habitual que preferiu manter o anonimato.
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“As despesas são muitas e trabalho não há”
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Mais abaixo, encontram-se as escadas que dão acesso à famosa Praia do Porto de Mós, de areal extenso e arribas selvagens com vistas inigualáveis. As espreguiçadeiras encontram-se vazias, arrumadas e longe umas das outras. Avistam-se poucos clientes, praticamente nenhuns. Do outro lado da praia contemplam-se vários chapéus de sol e toalhas estendidas. “As despesas são muitas e trabalho não há. É muito complicado, não sei se vamos ganhar o suficiente para pagar as despesas. Temos muito poucas reservas, apenas cinco para o mês de agosto, e até hoje são todas feitas pelos portugueses porque os estrangeiros não estão cá”, afirma Maria Oliveira, colaboradora da concessão do restaurante António. Com as emoções à flor da pele, Maria confessa que este verão “vai ser muito triste” e que “a realidade da concessão é aquilo que está à vista, é quase zero”. Ainda assim, Maria não deixa de tentar a sorte, seguindo as regras afetas ao espaço e à higienização dos objetos, como manda a lei.
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“Do que mais sinto falta é de um beijinho e um abraço”
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Sábado de manhã e o sol brilha. Corre uma leve brisa no ar e as ruas continuam desertas. Sem turistas à vista, os alojamentos locais esperam ansiosamente por reservas que parecem nunca chegar. A apreensão torna-se cada vez mais real e para Graça Rebelo, proprietária de Merry's House: “Portugal não está no seu melhor, mas os outros países também não estão melhor que nós; também há desemprego. As pessoas estão a evitar vir de férias, por falta de dinheiro e por receio.” Os cuidados a nível de higiene são elevados e Graça encara a situação com seriedade: “Fiz várias formações do Clean&Safe, tenho um formulário de todos os detergentes, com cerca de 50 folhas.” O pequeno-almoço foi retirado às reservas marcadas, à exceção dos poucos que já a têm: “ou são servidos no quarto, ou haverá uma hora específica para cada cliente’’. Para além de todos estes imprevistos, surge também o prejuízo: “Não está fácil para ninguém, muito menos para aqueles que trabalham com turismo, como nós. Gel à entrada da porta, gel em todos os pisos; comprei uma máquina de ozono para desinfetar os quartos, que foi muito cara.” Graça, adianta que “se isto não tivesse acontecido, já tinha imensas reservas”. Inclusive, estabeleceu-se “uma nova tarifa em que a pessoa pode reservar com cancelamento gratuito, com um mês de antecedência”. Para a mesma, baixar os preços foi uma das alternativas para apelar a potenciais clientes: “Foi importante baixar os preços. Há quem diga que ficámos com um turismo fraco, mas eu não me deixo levar por isso”, revela. Num registo mais emotivo, Graça conclui: “Tenho ido tomar café e sinto-me bem. Do que mais sinto falta é de um beijinho e um abraço.”
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“Esta certamente será umas das fases mais difíceis para todos os negócios”
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Perto da famosa “rotunda da bola preta”, encontra-se o Hotel, de três estrelas, Montemar. É um hotel familiar e, dada a proximidade de pontos turísticos da cidade, é a escolha perfeita para quem gosta de explorar. Os corredores, outrora cheios, dão agora lugar a sofás afastados e recipientes de desinfetante instalados nas paredes; também as normas surgem devidamente afixadas. Tiago Santos, proprietário do hotel, refere que o regresso à normalidade tem sido difícil a par dos “muitos cancelamentos”, dificultando o processo de reabertura dos hotéis: “Infelizmente, os turistas retraíram-se. O medo e o receio são os dois principais sentimentos que reinam, neste momento. Tivemos cancelamentos para os meses de abril e maio”, afirma. Com uma queda tão acentuada das reservas, Tiago explica que “as pessoas têm de recuperar a confiança”. Com um número de funcionários reduzido, Tiago aguarda, inquietamente, a recuperação económica e financeira: “Esta, certamente, será umas das fases mais difíceis para todos os negócios”, desvenda. Para muitos, 2020 tinha tudo para ser um ano incrível, a respeito do turismo. Em tom de desabafo, Tiago refere que “o apoio do lay off não é mais que uma mera ilusão, pois comparativamente às remunerações mensais, se se fizerem contas, acaba por ser o pagamento dos impostos mensais também, ou seja, o dinheiro entra, mas sai”.
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“Estivemos três meses parados, sem ajudas nenhumas”
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Os passeios de barco pela zona costeira de Lagos são a oportunidade perfeita para conhecer a beleza das paisagens marítimas que possuem um encanto incomparável. O turismo mantém viva a tradição dos passeios, mas parece que este ano “o barco virou”. Ao contrário do que seria habitual, são poucas as empresas que abriram para iniciar uma das atividades turísticas mais requisitadas da cidade. Segundo Cristina Rio, sócia-gerente de Lagos Grutas, os passeios são poucos e as reservas quase nenhumas: “tínhamos muitas reservas e foram todas desmarcadas na altura da Páscoa.
Agora aparece uma de vez em quando, mas muito esporádicas”. Além disso, conta-nos que o público parece oferecer alguma resistência ao uso de máscara, alegando que, por ser uma atividade ao ar livre, preferem não a utilizar. Não obstante, regras são regras, e Cristina leva as normas da DGS à risca: “Fazemos questão de usar, quando as pessoas não têm, nós damos e pedimos que usem. Quando saem do barco, temos 15 minutos para fazer toda a desinfeção, incluindo as bordas dos barcos, coletes, tudo, para que o vírus não possa passar para as próximas pessoas”, esclarece.
Em termos de prejuízo, Cristina confessa ter tido “bastante”, até agora: “somos muito sazonais. Estivemos três meses parados, sem ajudas nenhumas”. Cristina confirma que o receio dos viajantes é o principal obstáculo ao negócio: “Muitas das pessoas que vieram para espairecer não têm imenso dinheiro.” Desanimada, salienta ainda que ‘’tinha uma grande perspetiva, do que lia e do que ouvia”, mas que agora sente também “muito medo”, no que toca ao futuro.