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Colóquio Internacional revisita Lagos de Sophia de Mello Breyner Andresen


O jornal Correio de Lagos divulga uma reportagem de Sophia em sua homenagem presente na Edição Impressa  348 · OUTUBRO 2019. Por ser um vulto da cultura Portuguesa foi-lhe atribuído o  Grande-Colar da Ordem de Sant'Iago da Espada, mas a sua arte é intemporal e incomparável como a sua essência.

Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal Dai-me a claridade daquilo que é exatamente necessário Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo (Poema inédito de Sophia de Mello Breyner Andresen declamado por Maria Andresen Sousa Tavares) 

Teve lugar no Centro Cultural de Lagos no dia 3 de Outubro, o Colóquio Internacional intitulado “Lagos onde reinventei o mundo”. Integrado nas comemorações do Centenário do Nascimento da poetisa Sophia e organizado pela Comissão Coordenadora do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen e pelo CNC (Centro Nacional de Cultura). O evento contou com o apoio da Câmara Municipal de Lagos. Dada a importância de Lagos e do Algarve na vida e obra da autora, ao longo do ano, o Município tem contado com uma programação cultural diversificada que visa celebrar o centenário do seu nascimento, tendo como valor simbólico, o términus destes colóquios na cidade. “Lagos onde reinventei o mundo” simboliza um dos pontos altos da programação, organizado em quatro-mesas redondas, o colóquio abordou alguns tópicos e temas relevantes presentes na sua obra literária. Os companheiros de sofá, em apresentações cativantes e intelectualmente fascinantes, evocaram temas presentes na vasta obra de Sophia. O mar, o diálogo com os poetas do Sul, a importância dos contos para crianças e a presença do sagrado na sua poesia, foram a base para um “mergulhar de olhos abertos” na arte literária e essência humana da autora. Ao longo do dia, as mesas redondas contaram com a presença de ilustres autores, investigadores, professores e especialistas com ligação a Sophia e à sua obra. De realçar a presença das suas duas filhas Maria e Sofia que deram um importante contributo na compreensão da dimensão humana, relacional e criativa da obra da sua mãe. A sessão de abertura esteve a cargo de Hugo Pereira (Presidente da Câmara de Lagos), Paulo Águas (Reitor da Universidade do Algarve), Maria Andresen Sousa Tavares (filha da autora e criadora da Comissão para o Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen), e Guilherme d’Oliveira Martins (Comissão Coordenadora do Centenário). Hugo Pereira proferiu um discurso conciso, onde teceu elogios a todos os presentes pela excelente iniciativa realizada em Lagos, com ilustres oradores que conhecem profundamente a obra da autora. Enalteceu a vontade e dedicação da Câmara Municipal, com especial destaque para a anterior presidente da autarquia lacobrigense recém eleita deputada à Assembleia da República, Maria Joaquina de Matos, que muito contribuiu para estas comemorações.

Descreveu as diversas iniciativas realizadas pela autarquia a este vulto maior da cultura tais como o concurso literário de Sophia, o mural com trechos do caminho da manhã, atribuição de um título póstumo da medalha de honra da cidade, entre outros. O objectivo é continuar a evocar esta distinta figura da história recente, designadamente através da conclusão da obra na Ponta da Piedade, dando a todos o prazer de contemplar a beleza natural da nossa costa que tanto inspirou a artista das palavras. Concluiu dizendo que é um orgulho ver a cidade de Lagos representada no Mundo através da intervenção cívica, política, obra e talento excepcional de Sophia de Mello Breyner. Maria Andresen Sousa Tavares, revelou algumas memórias da sua infância em Lagos, com as vivências e particularidades da essência dos primeiros verões no Algarve. A rudimentaridade e gosto pela frugalidade por parte da sua mãe e a forma de vislumbrar o mundo e a vida. Referiu a intransigência que as vezes chamou “fúria” que atravessava o brilho da sua linguagem seja qual fosse o motivo. Como Antígona escreveu “Eu sou aquela que não aprendeu a ceder aos desastres”.

Foi emocionante ouvir  Maria mencionar que a sua mãe se encontrou maravilhada em  Lagos, como a cidade, como um lugar onde o mundo se reinventa, onde o tempo se suspendeu e do visível sem memória ( sentimento presente nas suas obras Lagos I e Lagos II).

Guilherme d’Oliveira Martins demonstrou na sua intervenção que é um defensor fervoroso e apaixonado pela obra de Sophia bem como por tudo o que esta representa para a sociedade e cultura Portuguesa. Fez menção à actividade política e activista da autora, refere que a sua obra “Mar novo” de 1958, tem a ver com um grito de revolta relativamente ao Algarve pela anulação do concurso do projecto de Barata Feyo, João Andresen e Júlio Resende que deveria invocar o centenário da morte do Infante Dom Henrique em Sagres. Hoje sabemos o que perdemos por não ter sido reconhecido o monumento ao Infante, em Sagres.

Durante a manhã, confortavelmente sentados no sofá, António Branco, Cláudio Trognoni, Maria Inês Castro e Silva e Joana Matos Frias abordaram o tema da “A presença do mar”. A omnipresença e fascínio do mar de Sophia, são elevadas ao ponto de uma quase “apropriação e sentimento de posse” do mesmo na sua obra. Com vários elementos autobiográficos, intimamente ligados às suas temporadas em Lagos, o mar de Sophia é um “mar de contrastes” em que o justo e o belo coexistem com o misterioso e o assombroso. Este elemento causava um deslumbramento na autora, que sempre procurou encontrar as palavras perfeitas para o descrever, “aprendi a viver rente ao instante mais nítido e presente”.

Na segunda mesa composta por Carlos Mendes de Sousa, Alva Martínez Teixeiro e João Minhoto Marques, a conversa incidiu no tema “Os contos para crianças e a poesia”. Sophia de Mello Breyner Andresen fez-se poeta já na sua infância, quando, tendo apenas três anos, foi ensinada “A Nau Catrineta” pela sua ama Laura, isso teve um profundo impacto na sua vida. As várias temáticas presentes nos seus contos infantis, como a figura da “mãe e da casa”, o intenso “mergulhar de olhos abertos” associado à curiosidade e ao enfrentar de temas mais negros, o sobrenatural e a dicotomia entre os espaços citadinos e campestres, em especial o “jardim”. Todos eles revelam uma forma de escrita matriz, que pretende proporcionar momentos de conhecimento do mundo e não só. Mostrar às crianças as complexidades do mundo através das palavras.

À tarde foi apresentado o tema “Os Poetas do Sul” com discursos de grandes referências na literatura, Nuno Júdice, Fátima Freitas Morna, Fernando Cabral Martins e Gastão Cruz. Várias gerações foram marcadas pelos seus textos e a sua obra é eterna. A presença do Algarve é uma constante nas suas composições literárias bem como a analogia à grandiosa Grécia e mediterrâneo. As suas capacidades de percepcionar os mundos manifestam-se no dom da sua linguagem imaginativa. Foi feita uma inédita referência à influência de Federico Garcia Lorca na sua inspiração e a força visual.

Os ilustres oradores da mesa final foram Federico Bertolazzi, José Pedro Serra, Maria Andresen Sousa Tavares e Pedro Mexia. Falaram sobre a complexa temática da “Poesia e Sagrado". Em intervenções entusiasmantes foram realçadas temáticas de presença do Sagrado na poesia de Sophia como a transcendência de um Deus invisível uno, relegado no céu e a sua imagem que reverbera nas próprias coisas. Alertaram para o perigo de transformar o sagrado e religioso em moral e conformismo cultural. A relevância da criação artística, essência humana, raízes culturais e crenças religiosas na sociedade têm em comum serem actos de fé. O aspecto indomável e selvagem da experiência da poética verdadeira de Sophia revela-se na sua relação com o sagrado. O ideal da inteireza é sóbrio e simples e deve contar com a fraqueza que nos é própria e a Luminosidade de Sophia também surge em jardins à noite. O solar nem sempre é diurno, convém mergulhar de olhos abertos na “fúria”.

As considerações finais ficaram a cargo de Fernando Cabral Martins, da Comissão Organizadora do Colóquio. Durante estes dois anos foi realizada a organização destes colóquios, que terminaram na Cidade de Lagos. O modelo foi um sucesso apesar de todas as flutuações, com temas que reuniram várias comunicações com uma unidade muito forte. Também integrada nas Comemorações do Centenário de Sophia, está patente, até 26 de Outubro, no Centro Cultural de Lagos, a Exposição Fotográfica “Lugares de Sophia” já divulgada no Correio de Lagos na sua edição impressa de Setembro. Até ao final do ano, estão também previstos o espectáculo “Memórias de Criada”, de Neusa Dias (6 de novembro), o Recital “O meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo”, por Pedro Lamares (7 de Novembro), o Prémio Musa – Concerto Coral (9 de Novembro) e um concerto pela Orquestra de Jazz do Algarve (30 de Novembro). 

Hugo Palma

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