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Pilar do Rio: Jovem lacobrigense alcança metas no mundo da Moda a nível internacional

Pilar do Rio: Jovem lacobrigense alcança metas no mundo da Moda a nível internacional

No âmbito da rubrica «Lacobrigenses pelo mundo», e porque a edição de Março do jornal Correio de Lagos foi dedicada às figuras femininas da região, desta vez trouxemos à estampa uma jovem empreendedora, de raízes lacobrigenses e com um percurso notável na área do Design.

Marta Ferreira

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Pilar do Rio, 25 anos, Licenciada em Design de Moda pela Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, estudou em Florença, tendo completado o seu Mestrado na escola Polimoda, em 2017. Estagiou ao lado de afamados profissionais do meio, como Constança Entrudo, Designer Têxtil, e na empresa Marques'Almeida, já em Londres, onde posteriormente assumiu funções de Product Developer e Brand Assistant.

Com apenas 24 anos, levou às passerelles da emblemática "Moda Lisboa" uma colecção da sua autoria, intitulada "Past, Present, ?", na categoria "Sangue Novo". Viu também destacadas as suas produções na revista internacional "Vogue", um marco icónico para a sua carreira enquanto jovem Designer. Inclusive, acaba de sair na Vogue Portugal (edição de Março 2021) um editorial que reúne algumas peças da última colecção de Pilar – mais um feito no seu percurso. Actualmente, encontra-se a viver em Lisboa e trabalha como Designer de Moda e Directora de Arte, Fotografia e Joalharia na sob a plataforma criativa "Pilar do Rio", desde 2020.

Pilar recordou ao CL alguns acontecimentos importantes do seu currículo, nomeadamente, o momento em que foi premiada com o 2.º lugar na competição Inseta x POLIMODA, em 2018, projecto em resultado de uma pesquisa relativa à evolução do vestuário militar: «Tive a possibilidade de visitar um dos maiores arquivos de guarda-roupa na Toscânia e foi uma experiência enriquecedora», afirma a artista.

Lembrou também a «adrenalina e êxtase» sentidos nos bastidores da Marques'Almeida durante a London Fashion Week e apontou 2020 como ano de mudanças: «Ver as minhas jóias nas páginas da "Vogue" foi surreal e um dos momentos mais felizes. Posteriormente, a minha participação na "Moda Lisboa" e a onda de apoio que tenho sentido nos últimos meses deixam-me expectante e positiva para o que futuro trará. Março de 2021 marca a minha segunda participação na "Vogue", e é sem dúvida um momento muito especial para mim».

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Correio de Lagos – Conta-nos um pouco sobre ti. Quem é a Pilar?
Pilar do Rio –
Sou natural de Lagos, onde passei grande parte da minha vida. Durante 16 anos pratiquei Ballet e Dança Contemporânea na Escola de Ballet Gwen Morris. A Dança foi uma das minhas maiores paixões e sem dúvida que me definiu como pessoa. Tenho muitas saudades! Deu-me a conhecer disciplina, perseverança e uma nova linguagem. Desde muito cedo senti interesse por explorar a Fotografia e diferentes áreas plásticas, ocupando assim grande parte do meu tempo livre. Crescer perto da praia desencadeou em mim uma ligação especial ao mar e à natureza, é aí que encontro a minha tranquilidade e conforto.

CL – A veia artística sempre te foi característica? Quando é que percebeste que o teu caminho poderia passar pelas Artes?
PdR –
Lembro-me de transportar canetas, lápis e cadernos para todo o lado, de desenhar nas toalhas de papel de restaurantes, ou num guardanapo esquecido. Acho que o desejo de me expressar através de cores, formas e texturas se manifestou muito cedo na minha vida. Apesar de ter interesse noutras áreas, o exercício do processo criativo e sua materialização acabavam por reaparecer de forma espontânea, porém constante no meu percurso. Começou por ser um conjunto de decisões inconscientes e ingênuas, que por me trazerem tanta felicidade e realização outrora, moldaram a minha vida.

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«Sempre aspirei poder trabalhar como criativa, fosse em Fotografia ou Pintura»

CL – Sempre ambicionaste seguir Design de Moda? O que aspiravas ser quando eras mais nova?
PdR –
A minha decisão em seguir Design de Moda foi um misto entre intuição e medo. Não estava 100% segura pelo facto de existirem outras opções que também me agradavam. Honestamente, não foi uma escolha clara e imediata pelo facto de ser uma área bastante específica, competitiva e cujas oportunidades, principalmente em Portugal, são reduzidas.

Sempre aspirei poder trabalhar como criativa, fosse em Fotografia ou Pintura. Durante uma fase da minha vida, tinha como objectivo ser Ilustradora científica/botânica, juntando dois mundos tão diferentes mas que tanto me fascinam.

CL – Fala-nos da tua experiência em Florença.
PdR –
Estudar em Florença empurrou-me para fora da minha zona de conforto, sendo que a realidade da Moda de Luxo/High Fashion tornou-se mais palpável. Ganhei mais consistência na minha identidade enquanto designer e entendi que há um nicho para o que posso vir a desenvolver, tanto do ponto de vista artístico, como do ponto de vista desta indústria. É um país semelhante a Portugal, sendo que me senti confortável pela familiaridade e casualidade da cultura.

Na altura candidatei-me a diferentes escolas não só em Itália, mas também em Londres. Baseei a minha decisão no facto de ser uma escola internacionalmente conceituada e na atraente possibilidade de conhecer melhor a cultura italiana.

CL – Com que obstáculos te deparaste nessa experiência e que lições pudeste retirar dela? A língua foi um entrave?
PdR –
Os meus estudos foram feitos em Inglês. Apesar de me sentir confortável com a língua, na altura foi uma grande mudança adaptar-me a um inglês mais formal e académico. Por vezes, senti-me frustrada por não me conseguir expressar com a mesma facilidade e eloquência comparativamente à minha língua materna. Agora, olhando para trás, sou capaz de reconhecer a minha evolução.

Para além disso, esta experiência ofereceu-me novas ferramentas relativamente à minha independência como mulher e jovem designer. Foi um ano emocionalmente exigente, que me tornou mais confiante e flexível.

CL – Como recordas a vivência em Inglaterra aquando do estágio na Marques'Almeida (M'A)?
PdR –
Foi uma montanha-russa de emoções. Antes da Marques'Almeida estagiei com Faustine Steinmetz (Designer francesa, sediada em Londres), daí ter sido um percurso replecto de aprendizagens e novos inputs. Para além da experiência incrível que tive com a equipa da M'A, aprendi imenso sobre a indústria; acompanhar o desenvolvimento criativo, produção, criação de media e a participação na London Fashion Week, foram um passo importante para um sonho tornado realidade.

Londres deu-me a conhecer o quão versátil podemos ser como criativos, permitindo-me explorar diferentes facetas artísticas. Tive oportunidade de me associar a projectos no ramo da Fotografia, Styling, Art Direction. Tudo isto foi possível também pela energia entusiasta, proactiva e colaborativa das pessoas com quem me cruzei.

CL – Interagir de perto com tamanhos ícones do sector moldou-te de alguma forma?
PdR –
Sem dúvida que sim. Fazer parte de uma equipa com a Marques'Almeida foi uma experiência que, para além de enriquecedora, foi também acolhedora. Os valores da M'A são inovadores e trazem uma lufada de ar fresco ao mundo da Moda e à sociedade. Sempre respeitei muito isso, daí ter sido um privilégio poder acompanhar e efectivamente fazer parte do processo.

Trabalhar em Londres, uma das capitais da moda, numa marca tão bem estabelecida e cujos fundadores são portugueses, teve um grande impacto na minha percepção do talento português. Esta desmistificação tornou o meu próprio percurso mais pessoal e os meus objectivos mais palpáveis.

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«Desenvolver um projecto tão pessoal requer alguma coragem e dedicação. (...) Mais que criar um produto em meu nome, quero criar uma resposta a algo maior e com qualidade»

CL – Quem são os teus maiores suportes?
PdR –
Sinto-me muito sortuda por todo o apoio e amor que tenho recebido da minha família e amigos, principalmente neste último ano. Desenvolver um projecto tão pessoal requer alguma coragem e dedicação. Não tenho palavras para demonstrar a minha gratidão a quem me ajudou e me motivou.

CL – Tendo em conta a profissão que escolheste seguir – que decerto desafia a tua criatividade enquanto Artista –, onde costumas "ir beber" inspiração?
PdR –
A Antropologia fez parte do programa da minha licenciatura; o estudo da sociedade, de facto, tem um grande peso no meu processo criativo.

A Moda é um reflexo da sociedade – trabalhamos constantemente para o amanhã, antecipando o que poderá, ou não, ser desejado pelo nosso público-alvo, analisando também quem pertencerá a esse núcleo. O exercício de análise e de antecipação torna-se num jogo de desconstrução. Quero reflectir no meu trabalho a minha idealização do futuro, porque de alguma forma sinto que é a minha tentativa de influenciar a sociedade. Dito isto, tenciono criar uma atmosfera mais inclusiva, consciente e tolerante.

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«Ter o meu nome associado à Vogue foi como entrar num novo universo de possibilidades e expectativas»

CL – Como foi ver reconhecidas peças da tua autoria na Vogue Portugal? Era uma ambição que tinhas?
PdR –
Ter o meu nome associado à "Vogue" foi como entrar num novo universo de possibilidades e expectativas. Aos 24 anos, não esperava fazer parte de um projecto de tal dimensão. Tenho muito orgulho nesta conquista e no produto que foi resultado de uma equipa tão talentosa. Marie Dami, Sasa Thomann e Branislav Simoncik são alguns dos nomes que desenvolveram este incrível editorial em Paris, publicado na edição de Setembro 2020.

Na edição de Março 2021, algumas das peças da minha colecção SS21 foram fotografadas por Francisco Narciso, com styling de Maria Nobre e Raquel Guerreiro. Revivo o entusiasmo e satisfação em receber, novamente, reconhecimento pelo meu trabalho numa plataforma como a Vogue Portugal.

CL – Ainda que a vida profissional te apresente outras rotas, que memórias vais levar contigo da tua infância/adolescência em Lagos?
PdR –
Se pudesse eternizar uma memória, seria simplesmente o som da rebentação das ondas, enquanto deitada na areia, a sentir o calor do sol a queimar-me o rosto. Hoje em dia, esta é uma sensação nostálgica que me remete à paz e ao conforto de estar de volta a casa.

É com grande orgulho que abraço as minhas raízes. Crescer num contexto com tanta riqueza não só histórica como multicultural tornou-me uma pessoa tolerante, social e curiosa. Lagos carrega a linhagem das suas antigas gerações, acolhe uma população bastante variada e é procurado por pessoas de todo o mundo. Penso que isto se deve não só à inegável beleza da nossa costa, como também ao ambiente hospitaleiro e afável que aqui se propaga.

CL – Que planos tens traçados para o teu futuro e que nos possas revelar?
PdR –
Gosto de acreditar num futuro colaborativo e versátil. Irei continuar a desenvolver projectos em associação com outros criativos e em diferentes áreas. Mais que criar um produto em meu nome, quero criar uma resposta a algo maior e com qualidade. Sem dúvida fará sentido dar continuidade a esta plataforma associada à Moda, Joalharia, Fotografia, Direcção Criativa e Sustentabilidade, que tenho vindo a criar organicamente nos últimos anos.

Por outro lado, e tendo em conta a rede de trabalho com a qual tenho vindo a contactar, não excluo a possibilidade de me voltar a juntar a um projecto à semelhança daqueles em que me envolvi no passado. Fazer parte de um núcleo que já está estabelecido e consistente no mercado – que vem ficando progressivamente mais saturado – e a possibilidade de integrar uma equipa poderá resultar, a meu ver, em algo sólido e mais ambicioso.
Em suma, neste início da minha carreira, sinto que não me encontro na posição de me ancorar a um rótulo/posição específico(a), estando aberta a abraçar as diferentes vertentes e oportunidades que surgirem daqui para a frente.

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«Antecipa-se uma crescente onda de mudança proveniente de jovens designers, que procuram oferecer uma visão mais inclusiva. Daí ser tão importante consumir e apoiar pequenos negócios»

CL – Como vês a questão da representatividade em contexto de Moda? Consideras que existem certos padrões estéticos ainda por quebrar?
PdR –
A moda tem este importante papel de reflectir e moldar a sociedade. Os padrões estéticos que esta indústria tem vindo a perpetuar durante décadas têm, sem dúvida, um impacto brutal nos nossos standards, saúde mental, e idealização de beleza. Os padrões estéticos são implementados como uma estratégia, para que seja mais fácil vender uma certa imagem/conceito/produto e é desta maneira que a indústria capitaliza, através das fragilidades das pessoas.

Existem ainda muitos "ideais" por quebrar, porém, antecipa-se uma crescente onda de mudança proveniente de jovens designers, que procuram oferecer uma visão mais inclusiva. Daí ser tão importante consumir e apoiar pequenos negócios, cujos valores são verdadeiros, na imagem que propagam, na ética da produção dos seus produtos e respeito pelos seus trabalhadores.

CL – Sendo mulher, deparaste-te com algum estereótipo na tua carreira até aqui?
PdR –
Felizmente, nunca me deparei com nenhuma situação problemática durante o meu percurso profissional. Porém, o factor "género" ainda tem um papel muito vincado e limitativo na Moda. A perpetuação de determinados padrões normativos cria obstáculos que resultam numa indústria pouco inclusiva e superficial. Contudo, estou positiva de que a mudança é uma constante na Moda e que existe espaço para a sensibilização e inclusão.

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«O meio artístico pode ser bastante competitivo, frio, assustador e intimidante. É raro sentirmo-nos totalmente "parte do círculo". (...) Somos ensinados a jogar de maneira individualista porque não há lugar para todos»

CL – Defines o mundo das Artes como sendo competitivo? Entre tantos talentos, que conselho dás a alguém que pretenda conquistar um "lugar ao sol" neste ramo?
PdR –
O meio artístico pode ser bastante competitivo, frio, assustador e intimidante. É raro sentirmo-nos totalmente "parte do círculo", sendo que operamos num sistema de "salve-se quem puder". Somos ensinados a jogar de maneira individualista porque não há lugar para todos - uma realidade que nos é quase que incutida e que acaba por ser difícil ignorar.

No entanto, é importante ter humildade, saber pedir ajuda e estar também disponível à ideia de entreajuda. A colaboração e a troca de conhecimentos são essenciais neste meio e são a maneira mais eficaz de criar algo melhor. O sucesso do próximo não é uma ameaça para nós próprios, mas uma aprendizagem.

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Perguntas rápidas

Passatempos – Dançar, cozinhar e desenvolver novos projectos/peças/ideias «porque adoro genuinamente o que faço».
Prato/comida favorita – «Açaí e qualquer sobremesa com chocolate».
Artista/banda predilecta – Elis Regina, António Carlos Jobim, Nina Miranda e Solange Knowles.
Destino de férias de sonho – «Gostava de explorar a Ásia (Índia, Filipinas, Vietname)».
Livro preferido – Homo Deus, Siddhartha.
Filme/série memorável – Amor Fati; The Holy Mountain; The Thief and the Cobbler.
Referências na área do Design/Moda – Marine Serre, Paloma Wool, Area, Charlotte Knowles London, Florentina Leitner.

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In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº365 · MARÇO 2021

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