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"Lugar de mulher... É onde ela quiser!" — Catarina Oliveira: O dinamismo da juventude

"Lugar de mulher... É onde ela quiser!" — Catarina Oliveira: O dinamismo da juventude

«O lugar de uma mulher é onde ela quiser, onde se sente bem e realizada, seja na cozinha, num emprego, numa oficina, no campo (...)», afirmou Catarina em entrevista ao CL.

Marta Ferreira

Beatriz Maio

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Ainda no âmbito da rubrica "Lugar de Mulher... É onde ela quiser!", a edição de Março 2021 do Correio de Lagos (CL) deu a conhecer Catarina Oliveira, Mestranda em Direito Penal e Ciências Criminais e colaboradora assídua do jornal Correio de Lagos desde a vitória do "Prémio Literário Correio de Lagos".

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Quem é Catarina?

Catarina Emília de Campos Prates de Oliveira, nasceu a 04/08/1995 em Almada e reside em Lagos desde 2001. É licenciada em Direito, estando a frequentar o 1.º ano de Mestrado (aguarda defesa da Dissertação). Trabalhou no Banco Popular (Estágio Profissional), na Call Center Connecta, na companhia Science 4 you e, de momento, para a empresa E&Y, desde 2019. Áreas de interesse: Música; Teatro; Cinema; Escrita; Direito; Filosofia; Psicologia; Neurociência; Espiritualidade; Desporto.

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Catarina mudou-se para Lagos com 7 anos e desde cedo que encerra em si a paixão pelas Letras. Gosta de ler textos e «poemas intensos», assim como questionar os mais diversos temas, ainda que nem sempre obtenha conclusões. Define-se como uma pessoa espiritual, adora animais e é fascinada pelo mar e pela Natureza. Não aprecia rotinas e vive sempre à procura de saber mais. Admite que se sente inspirada pela melancolia, embora se considere uma pessoa positiva.

Assume-se como «reservada por natureza», tendo mais facilidade em expressar-se através da escrita: «É através do que escrevo que transmito o que sinto. Sempre me foi mais fácil escrever uma folha a elogiar alguém do que através da fala». As suas opções académicas passavam por Lisboa e Coimbra, tendo estas sido as únicas universidades a que se candidatou. Como tem família em Almada, escolheu Lisboa para poder estar mais perto dos avós. Não se arrepende da decisão, embora considere não ter experienciado como gostaria o espírito académico, à semelhança do que se vive em Coimbra.

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Correio de Lagos − Sempre ambicionaste seguir Direito? O que te levou ao Mestrado em Direito Penal e Ciências Criminais?
Catarina Oliveira −
Direito surgiu um pouco por exclusão de partes. O meu sonho sempre foram as Artes Performativas. Adoro Teatro, Música e tudo o que seja associado ao mundo do espectáculo e expressividade. Enquanto adolescente, imaginava conciliar a escrita com aquelas áreas. Durante o Secundário percebi que o meu forte era a escrita… E comecei a ponderar Direito, pois seria uma área desafiante, na qual escrever seria algo que usaria diariamente. Ainda assim, gostava de ter mais tempo para escrever os meus textos e divagações.

Chegada ao Direito, deparei-me com cadeiras um tanto aborrecidas. Contudo, foi no 3.º ano do curso que tive Direito Penal. Aos poucos, e graças a uma professora da faculdade, comecei a interessar-me pelo pensamento de quem pratica um crime, o que é que leva aquela pessoa a chegar àquele ponto, daí o meu interesse pelas Neurociências, Psicologia e Filosofia, no intuito de explicar aqueles comportamentos e a importância que têm para o Direito. Foi por este caminho que decidi enveredar no Mestrado em Direito Penal e Ciências Criminais, para elaborar a minha Dissertação sobre a valoração da perícia psiquiátrica e a importância que a interdisciplinaridade tem para todas as áreas, inclusive o Direito. Foi a forma que encontrei para criar algo em que acreditasse nesta área.

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«Trabalhei muito ao longo da Licenciatura, diverti-me pouco e coloquei uma grande pressão em mim mesma»

CL − Que momentos destacas ao longo do teu percurso?
CO −
Há vários momentos que poderia elencar aqui: no primeiro ano, um professor de uma cadeira optativa pediu-nos para comentar uma obra de Política, na qual muitos de nós deram a sua opinião pessoal. Recordo-me desse professor nos ter dito que a nossa opinião não interessava, que ninguém queria saber. Foi algo que me marcou e me fez pensar sobre o caminho que estava a escolher, porque a nossa opinião interessa, seja falada ou escrita, e não deveria valer menos só por sermos alunos. Houve um outro professor que nos disse, nas primeiras aulas, que não existia justiça. Foi mais um golpe para mim… Mas, mais tarde, percebi - e não existe, de facto. Mas acredito que podemos reverter isso, ainda que seja algo que não vai acontecer do dia para a noite.

Percebi que nada seria facilitado, sinto que trabalhei muito ao longo da Licenciatura, diverti-me pouco e coloquei uma grande pressão em mim mesma… Uma das coisas que mais me marca até hoje foi o dia em que soube que estava licenciada e me candidatei ao meu primeiro estágio. Percebi que conseguia as oportunidades sem problema, ou seja, se fosse hoje, creio que teria encarado tudo de forma diferente, mas acredito que todo aquele esforço compensou.

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«No Mestrado tive dois colegas juízes e um deles costumava criticar muito mulheres juízas que tinham constituído família e que priorizavam os filhos, o que, na sua óptica, colocava em causa o seu profissionalismo»

CL − Que disparidades identificas nesta área relativamente ao género? Consideras que existem ainda padrões por quebrar?
CO −
Pessoalmente, nunca senti discriminação pelo facto de ser mulher, mas sei que existe. Na Advocacia nota-se, cada vez mais, uma mudança: temos muitas mulheres como advogadas e em sociedades de nome, onde, outrora, apenas havia advogados. Não tenho experiência em Advocacia; aquilo que aqui digo advém das conversas que tenho com amigos/as que trabalham no ramo. Na Magistratura, sei que é diferente: existe um quadro de juízes muito antigo, composto por homens, o que ainda vai levar alguns anos a mudar. Temos o exemplo de Clara Sotto Mayor, que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça e uma das coisas que abordou em entrevista foi, precisamente, o número minoritário de mulheres na carreira.

No Mestrado tive dois colegas juízes e um deles costumava criticar muito mulheres juízas que tinham constituído família e que priorizavam os filhos, o que, na sua óptica, colocava em causa o seu profissionalismo. Para além disto, temos também várias sentenças, com um cunho extremamente machista… E continuam a surgir, especialmente nos tribunais do Norte do país.

Considero que continua a haver algum estigma relativamente às mulheres, especialmente, em carreiras como a Magistratura, apesar de se ouvir, cada vez mais, nomes femininos na Procuradoria Geral da República, Ministério da Justiça… O que considero ser um grande passo para se começar a evoluir. Mas ainda há muito para se fazer e padrões para derrubar.

CL − Que memórias tens da tua infância/adolescência em Lagos?
CO −
Tenho memórias muito boas de quando estive em Lagos, especialmente na adolescência. O Clube de Teatro da Gil Eanes foi um marco muito importante para mim: estava numa fase um pouco difícil nessa altura - “idade do armário” ao mais alto nível – e estar no clube foi algo que me permitiu fazer o que sempre adorei e expressar-me a todos os que me ali me viam. Adorava caminhar pela cidade, fazia quase tudo a pé e eram sempre “os meus momentos”. Gostava de ir sozinha, a ouvir música, imaginar tudo e mais alguma coisa, era o que mais me inspirava e tranquilizava.

Às vezes, estava mais de duas horas sem autocarro para ir para casa, então ia para a Praia da Batata, ficava ali a ver o mar e aproveitava para escrever. Foram momentos simples, mas que marcam muito até hoje e me deixam saudade, pois cada vez mais é-me difícil ter esses encontros.

CL − Quais os planos que tens traçados para o futuro em termos de ambição profissional?
CO −
O meu objectivo, desde que entrei em Direito, sempre foi a Magistratura. A carreira de juiz é algo que me apela. Recentemente, depois de muito ler sobre o tema e falar com pessoas da área, passei a ponderar também ser procuradora. A preparação para um juiz ou um procurador é comum a ambos, no entanto, a carreira deste último tem algumas nuances que me cativam, desde logo poder trabalhar na área de Penal, em específico, sem ter de estar anos a fio a trabalhar com outras que não me interessam tanto.

CL − Foste destacada com um Prémio de Mérito Escolar no âmbito da Cerimónia de Melhores Alunos do concelho. Como foi receber tal galardão?
CO −
Foi algo que não estava à espera na altura. Eu considerava-me boa aluna e recordo-me de estudar para a média. Não pensava nos prémios de mérito, nem sabia bem como é que funcionavam. Então, quando soube, foi uma surpresa para mim. Fiquei muito feliz e provou-me na altura que não havia necessidade de eu ser tão exigente comigo mesma ou de achar que nunca nada era suficiente; mostrou-me que o que eu fazia acabava por dar frutos, não era preciso pensar tanto sobre o assunto, pois aquilo em que menos pensei, foi exactamente o que veio ter comigo.

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«Foi o vosso jornal que me permitiu exteriorizar mais quem sou e o que penso»

CL − Ganhaste o “Prémio Literário Correio de Lagos” há uns anos. Posteriormente, foste convidada a ser colaboradora do nosso jornal. O que é que isto significou para ti?
CO −
Lembro-me que chorei. Penso que foi a primeira vez que chorei de alegria por alguma coisa. Eu era uma adolescente que vivia tudo com muita intensidade, mas para mim própria. A forma que tinha de exteriorizar era através da escrita. Ver que estavam a valorizar isso, que aquilo que entreguei ao jornal na altura foi lido por tantos ao ponto de me ser atribuído um prémio e convidarem para colaboradora do jornal significou tudo naquele momento. Senti uma valorização que nunca tinha sentido.

Foi um dos momentos mais importantes para mim e orgulho-me de o ter sentido tão jovem. Sou, até hoje, colaboradora do jornal, com muito menos regularidade que antes, por uma questão de tempo, mas sempre que posso envio algo, pois foi o vosso jornal que me permitiu exteriorizar mais quem sou e o que penso. Agradeço muito por isso.

CL − Apesar da criminalidade em Portugal ser baixa, vemos que os crimes contra a autodeterminação sexual são os mais impactantes. Dentro do ramo do Direito Penal e sendo tu uma futura juíza, como propões mudar esse paradigma?
CO −
Falta em Portugal − e em todos os ordenamentos jurídicos − uma abordagem que permita compreender o que vai na mente de quem comete um crime, inclusive, crimes contra a autodeterminação sexual. De um modo geral, a maioria dos arguidos que o fazem também sofreram esses crimes na infância, ou viveram em ambientes familiares que não lhes deram outro exemplo, e desde criança até à idade adulta, estas situações ficam gravadas e a tendência é, muitas vezes, repeti-las. Existem pessoas com patologias específicas que lhes inibem o discernimento quando cometem um crime desses.

Estas são questões que, actualmente, se têm vindo a debater, mas, se lermos decisões dos tribunais, é dada pouca importância a estes temas. O objectivo tem sido concluir a sentença, atribuir uma pena e, no final, a base do problema permanece. Desta forma, não temos em Portugal practicamente nenhuma reinserção social. É muito comum alguém que cometeu um crime desses voltar a repetir o mesmo acto.

Esta é uma questão que, a meu ver, não se resolve apenas com base no Direito: a educação tem um papel fundamental neste aspecto, a forma como se aborda a sexualidade, os ambientes familiares, o apoio psicológico que não existe na dimensão que deveria existir... A base é a formação humana daquele indivíduo, e isso está em falta; não há base na maioria das vezes. O Direito surge numa fase muito posterior e acaba por tentar remediar algo que poderia ter sido evitado se existisse um acompanhamento devido de pessoas com tendência a estes comportamentos.

CL − O que respondes àqueles que dizem que “o lugar da mulher é na cozinha”?
CO −
Costumo dizer a essas pessoas que, se experimentassem ir à cozinha estrelar um ovo, veriam que isso não lhes reduzia a inteligência ou qualquer outra capacidade, tal como não o faz com as mulheres. O lugar de uma mulher é onde ela quiser, onde se sente bem e realizada, seja na cozinha, num emprego, numa oficina, no campo, ou em vários em simultâneo.

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In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº365 · MARÇO 2021

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