A edição impressa de Abril trouxe à estampa uma jovem empreendedora, de seu nome Inês Silva e com raízes lacobrigenses. O trabalho árduo, o espírito livre e a vontade de contar histórias através das suas criações levaram-na à televisão nacional – uma meta a ressaltar no percurso desta artista local, especialmente dada a situação pandémica que se vive e deixa muitos criadores "de mãos atadas".
Marta Ferreira
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Inês Rio Silva, lacobrigense, nascida a 14 de Março de 1994. Em 2010, trouxe à vida pelas próprias mãos a marca "ISART Design", fruto da enorme paixão por criar peças irreverentes e com um toque mais pessoal: primeiro, através de pinturas (a óleo e a acrílico) e bijutaria; hoje, através de roupa e acessórios variados, igualmente únicos.
Inês coloca um pouco de si em tudo aquilo que faz, pelo que a "ISART" não é excepção. Todas as peças são feitas à mão e sem recurso a máquinas, para que as técnicas tradicionais não se percam, sendo o resultado da fusão entre couro, pedras semi-preciosas, metais e tecidos variados.
Com visibilidade nas ruas do centro histórico de Lagos, a "ISART" alcança já grande mercado internacional ao nível do online e tem integrado, desde 2013, alguns eventos nacionais como festivais, mercados e exposições. Em 2015, a marca alcançou também destaque junto dos meios de difusão portugueses, nomeadamente, na revista "Marketeer". "Uma marca em tour pela Europa" dava nome à matéria, sendo que o projecto tinha por base o conceito de "atelier nómada": uma autocaravana com rumo a sete países, cujo intuito era participar em eventos e criar em cada um dos pontos de paragem.
As colecções de Inês já fizeram parte dos mais conceituados "Hippy Markets" de Ibiza e, inclusive, de diversas exposições colectivas de artistas de Lagos – ainda que, actualmente e por força da pandemia, Inês se dedique a 100% ao mundo online. Não obstante, mais recentemente, o programa "Outras Histórias" da RTP1 pintou a artista como «um exemplo de resiliência», no âmbito do Dia da Mulher.
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Correio de Lagos – Fala-nos de ti. Quem é a Inês por trás da "ISART Design"?
Inês Silva – Sou natural de um pequeno paraíso: Lagos. De signo Peixes, automaticamente sonhadora e super criativa. Nasci com desejo de liberdade, cheia de ideias diferentes. Para explorar todo o meu potencial criativo, decidi viver rodeada de Arte. Por detrás de uma vida de tantos detalhes e magia, sou uma pessoa bastante simples e tranquila; alguém que adora a Natureza, viver perto do mar e que vê beleza em tudo.
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«Acredito que todos viemos com alguma missão. A minha é, sem dúvida, a de espalhar Arte»
CL – A veia artística sempre te foi característica?
IS – Acredito que todos viemos com alguma missão. A minha é, sem dúvida, a de espalhar Arte. Desde muito nova, facilmente desmultiplicava e entendia as formas. Espontaneamente, realizava projectos artísticos com eficácia e sempre fui muito dedicada, persistente, organizada; tinha muitos objectivos. Todo esse meu foco desde cedo se reflecte hoje.
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«Sempre sonhei em ser pintora ou estilista, e sabia que a Arte estaria presente na minha vida de alguma forma»
CL – O que aspiravas ser quando eras mais nova?
IS – Sou recordada por ser uma menina que ficava muito tranquila numa mesa cheia de livros e desenhos. Em criança já adorava pintar, brincar com cores e desenhar roupas. Guardo nas minhas memórias de infância a obsessão por cortar meias para criar vestidos miniatura, com a minha irmã, e por pedir sempre que o meu pai me desenhasse animais para pintar. Sempre sonhei em ser pintora ou estilista, e sabia que a Arte estaria presente na minha vida de alguma forma.
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«O objectivo inicial [da marca] passava por (…) desenhar modelos especialmente e ao gosto e tamanho de cada um, como uma espécie de criadora de sonhos. A partir daí, nunca mais consegui parar e a marca acabou por tomar conta da minha vida»
CL – Tens uma marca própria e bem sucedida de roupa/acessórios. Como é que tudo começou?
IS – Comecei em 2010 com pintura e acessórios. Dois anos depois nasceu a primeira colecção de roupa, um projecto com que sempre sonhei, mas como sou 100% autodidata e sem qualquer curso nem experiência, tive de estudar como iria concretizar isso.
Depois de comprar os primeiros materiais, decidi que iria coser tudo à mão. Aventurei-me em participar em alguns mercados em Lagos e pelo Algarve e, logo de seguida, passei para o mundo online e festivais. O objectivo inicial passava por criar roupas ao estilo de cada pessoa, desenhar modelos especialmente e ao gosto e tamanho de cada um, como uma espécie de criadora de sonhos. A partir daí, nunca mais consegui parar e a marca acabou por tomar conta da minha vida.
CL – O que te inspira na hora de produzir as peças?
IS – Ao sairmos de casa, estamos a ser automaticamente inspirados por tudo. As minhas peças são inspiradas nas minhas vivências, viagens, no meu gosto por história. Cada uma tem uma alma e vem com muito do meu toque boémio e exótico. Tornou-se uma junção de tudo o que inconscientemente capto.
Depois de muitos anos a criar, hoje consigo perceber que o que mais me atrai e tem inspirado é a fusão da joalharia e do vestuário, e de como consegui que pudéssemos usá-los num só.
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«Tive de aprender a fazer tudo sozinha. Aqui, todos os dias deveriam ter pelo menos 48 horas. É um desafio (…), mas não quero que o toque pessoal e a qualidade das técnicas manuais se percam»
CL – És tu quem gere tudo sozinha ou tens uma equipa em quem confias?
IS – Cada detalhe desta marca tem muito de mim. Se fossem outras pessoas a geri-la, iria perder-se um pouco dessa mensagem, que é aquilo com que as pessoas se identificam. Hoje, os clientes cada vez procuram mais verdade nas marcas. Tive de aprender a fazer tudo sozinha. Aqui, todos os dias deveriam ter pelo menos 48 horas. É um desafio e muito trabalho, mas não quero que o toque pessoal e a qualidade das técnicas manuais se percam.
Partilho o mesmo amor pela marca com mais dois elementos: tenho a ajuda crucial do meu companheiro, Rodrigo, na realização de alguns detalhes e finalização das peças, tal como nos envios de encomendas, e da minha irmã, Mariana Silva, fotógrafa profissional e que faz magia desde o início, nos catálogos de todas as nossas colecções.
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«Já chorei muito de cansaço por trabalhar tanto, criei muitas peças sem chegar a ver a luz do dia, tive momentos em que nem conseguia mais comunicar com pessoas. (…) Um dos meus maiores medos sempre foi não ser suficiente»
CL – Com que obstáculos te deparaste nesta jornada e que lições pudeste retirar dela?
IS – Todas as histórias têm os seus obstáculos e esta não foi menos uma. Já chorei muito de cansaço por trabalhar tanto, criei muitas peças sem chegar a ver a luz do dia, tive momentos em que nem conseguia mais comunicar com pessoas... Já fiquei com as mãos em bolha várias vezes, já me cruzei com muitas pessoas competitivas. Um dos meus maiores medos sempre foi não ser suficiente, mas tudo o que experienciei transformou-se numa prova de que somos capazes de tudo desde que queiramos muito.
No final, faria tudo igual. Aprendi a ser mais forte, a batalhar pelos sonhos e que os obstáculos também fazem parte deles, e hoje são boas memórias. Se tudo fosse fácil, não tinha o mesmo gosto... Não era?
CL – Que outros interesses tens para além da Moda?
IS – Sempre desenhei muito, era uma forma de não pensar. Quando comecei a trabalhar com Moda, todos esses desenhos passaram a ser de roupa. O tempo livre para mim tornou-se precioso e gosto muito de pesquisar sobre História e Música. Há cerca de quatro anos aventurei-me a praticar Dança Oriental em Lagos, e percebi que era mais uma "peça de puzzle" que me faltava. É engraçado como tudo na nossa vida está interligado, sem nos apercebermos.
CL – Quem são os teus maiores suportes?
IS – A minha família sempre tentou passar-me a mensagem "Acredita no que amas" – um apoio que me foi muito importante para prosseguir. Quando havia algum obstáculo, sempre me fizeram vê-lo de forma positiva. O meu companheiro, Rodrigo, é a "outra metade" desta caminhada; sem ele, muitos objectivos não teriam sido concretizados. Sempre largámos tudo sem pensar e partimos na busca de continuar a evoluir profissionalmente, ele trouxe-me essa parte: sair da minha zona de conforto, aceitar os riscos e desafios, pois sou muito mente na lua, mas com os dois pés na terra.
CL – Que momentos destacas ao longo do teu percurso profissional?
IS – Hoje, sinto muito orgulho por toda minha evolução. Não podemos ter pressa, cada coisa tem o seu tempo para acontecer. Comecei por vender as primeiras peças em Lagos, e daí partiram para todo o mundo. É um privilégio poder viajar tanto, a maioria das vezes sem sair de casa. Nunca pensei que actualmente teria uma marca de sucesso internacional, mas olhando para trás, realmente eu trabalhei muito para isso. Uma das chaves para o sucesso é essa.
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«Por ser bastante discreta, acabo por colocar toda a confiança e destaque no meu trabalho. Esta aventura já fez parte de diferentes revistas nacionais e internacionais, e irei guardar mais este momento especial numa das minhas "gavetas do coração"»
CL – Como foi ver reconhecida a tua marca em plena televisão nacional?
IS – Fiquei muito feliz e honrada pelo facto de que os portugueses puderam ficar a conhecer um pouco mais da minha história e percurso profissional. Recebi centenas de mensagens muito positivas e percebi que consegui passar a mensagem principal da minha marca a quem não a conhecia, que era o que mais me preocupava... Foi mais uma prova. Por ser bastante discreta, acabo por colocar toda a confiança e destaque no meu trabalho. Esta aventura já fez parte de diferentes revistas nacionais e internacionais, e irei guardar mais este momento especial numa das minhas "gavetas do coração".
CL – Ainda que a vida profissional te apresente outras rotas, que memórias vais levar contigo da tua infância/adolescência em Lagos?
IS – A nossa casa é onde o nosso coração está. Desde muito nova, um dos meus grandes objectivos era sair de Lagos, viajar pelo mundo e ser livre. Quando criei a minha marca, ela trouxe-me todas essas coisas, e uma nova também: a vontade de voltar a casa. O sol é a minha maior fonte de inspiração, e aqui descobri o que era estabilidade e como o seu sabor também era bom.
CL – Que planos tens traçados para o teu futuro?
IS – Estou a viver uma fase em que não faço planos. Aprendi com o tempo, que quando deixamos de ter tantas expectativas é quando realmente aprendemos a viver. Tenho muitos sonhos e objectivos, e um deles sempre será ter a minha loja física, um dia. Actualmente, estou a continuar encomendas da minha nova colecção 2021, "Secret Shine", e estou focada na evolução do mundo online.
CL – Como vês a questão da representatividade em contexto de Moda? Consideras que existem certos padrões estéticos ainda por quebrar?
IS – Como marca de fusão, fujo a tendências. Pretendo que as outras pessoas encontrem a sua essência nas minhas peças e as adaptem ao seu estilo. Tal como a vida, vejo a Moda duma forma livre e coloco grande parte disso no meu trabalho. Não tenho medo da liberdade das formas irregulares, de ignorar completamente o minimalismo e adoro misturas improváveis. Desde o início, a imagem que pretendia passar é de que somos todos diferentes e é isso que nos torna únicos; assim idealizei todas as roupas, ajustáveis a vários tamanhos.
Os novos designers estão cada vez mais a quebrar os padrões estéticos. Tudo é possível, principalmente nesta área. Noto que os pequenos negócios, o que se faz à mão, está a ser mais valorizado. Quando comecei foi mais difícil, principalmente em Portugal, por isso entrei por outros horizontes. Os meus clientes ficam muito satisfeitos ao saber que têm uma peça única, criada especialmente para eles. É uma autenticidade que espero que esteja sempre presente. É uma honra que pessoas especiais possam vestir Arte, e que um pouco de mim faça parte delas. Estamos todos os dias a vestir história, e não podemos tornar isso uma coisa banal.
CL – O que tens a dizer àqueles que julgam que "lugar de mulher é na cozinha"?
IS – Lugar de mulher é onde ela acredita, e esse é o principal ingrediente de qualquer cozinha. Todas podemos ser o que quisermos, basta acreditarmos no que amamos realmente e em todo o potencial que temos, que nem sempre está tão visível. Estamos constantemente em tempo de mudança, a mulher de hoje é independente, sonha muito, voa, cai, levanta, e começa tudo de novo as vezes que forem precisas. Fico feliz por poder fazer parte dessas mulheres resilientes.
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Curiosidades
Passatempos – Dança Oriental.
Prato/comida favorita – Comida Indiana.
Estilo de música favorito – Bossa nova.
Destino de férias de sonho – Turquia, Egipto, Bolívia.
Livro preferido – "Wild Embers", de Nikita Gill.
Filme/série memorável – "Into the Wild".
Referências na área do Design/Moda – Roberto Cavalli.
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Galeria de imagens
Fotografia principal – Inês a usar “ISART”. Imagem: Mariana Silva.
Fotografia 1 – Inês a usar “ISART”. Imagem: Mariana Silva.
Fotografia 2 – Colecção “Golden Breath”. Modelo: Joana. Imagem: Mariana Silva.
Fotografia 3 – Colecção “Golden Breath”. Modelos: Diana e Bianca. Imagem: Mariana Silva.
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In: Edição Impressa do Jornal Correio de Lagos nº366 · ABRIL 2021