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Daniel Matos, jovem inovador lacobrigense é coreógrafo, bailarino e performer

Daniel Matos, jovem inovador lacobrigense é coreógrafo, bailarino e performer

O CL esteve à conversa com o proeminente jovem lacobrigense, que continua a criar e actuar em vários palcos do Mundo. Desenvolveu uma companhia denominada “CAMA” e está sempre em busca de novos projectos artísticos. 

 Edição 345 · JULHO 2019

“Como vinha das artes plásticas apetecia-me trabalhar mais e, por assim dizer, misturar várias áreas dentro do mesmo objecto artístico(…)”

Quem é: Daniel Matos tem 23 anos e nasceu em Lagos. É licenciado pela Escola Superior de Dança e encontra-se actualmente em Mestrado de Artes Cénicas pela FCSH-UNL. É coreógrafo, bailarino e performer, colaborando com estruturas culturais como "A Casa Branca" e com coreógrafos e encenadores como Romeo Castellucci, Ana Borralho & João Galante, Amélia Bentes, Angélica Liddell, Barbara Griggi, entre outros.

Desenvolve também trabalho em artes e multimédia através de instalação de vídeo e sonora, em colaboração com Joana Flor Duarte. Desde cedo que a sua paixão pela dança foi notável, segundo ele. Embora os pais aceitassem, para o proteger sempre o direccionaram mais para actividades ligadas ao corpo, como a natação e a ginástica, até que, no 9º ano de escolaridade decidiu fazer aulas na Escola de Dança de Lagos com o dinheiro do almoço, faltando à ginástica. Eventualmente os pais descobriram e apoiaram. Era o que realmente queria fazer. Frequentou também o Teatro Experimental de Lagos desde os oito anos, sendo um sítio onde desenvolveu muitos projectos e com grande abertura. Foi aí que surgiu o gosto pelo teatro e pela dança  bem como a necessidade de os fundir. Escolheu Artes Visuais no secundário e à noite frequentava a Escola de Dança de Lagos, uma formação muito clássica e de ca
rácter. Na altura das candidaturas para a Faculdade, a sua ideia inicial era formar-se em Pintura ou Design de Moda na Escola de Belas Artes. No entanto, quando foi para Lisboa, deparou-se com a oferta formativa e descobriu uma escola de referência, chamada Escola Superior de Dança. Fez uma audição e ficou muito bem colocado.

A escola tinha três níveis diferentes e, tanto ele como a colega Adriana Xavier, também de Lagos, ficaram colocados no mais alto nível. Ambos vinham de uma escola que os preparou bastante bem, sendo isso um reflexo e mostra da qualidade do trabalho de formação que é desenvolvido em Lagos. Em relação ao ensino superior, de uma forma geral e na sua experiência pessoal, o jovem diz que "tinha alguns problemas, o ensino artístico em Portugal não funciona muito bem, é mais direccionado para o academismo, quando na realidade estão a formar profissionais ao nível da arte. Não nos preparam para o que é ser um intérprete fora deste meio académico. Houve sempre esta vontade de querer desistir porque de facto não me integrava dentro dos moldes da escola.” E por querer fazer sempre mais e fruto esse descontentamento, desde o primeiro ano da faculdade procurou integrar novos projectos de forma a construir o seu percurso. Trabalhou com a dupla de artistas Ana Borralho & João Galante, fez assistência artística a alguns coreógrafos, como Amélia Bentes, Vera Mantero, Francisco Camacho, peças para Luís Marrafa e Vitor Garcia. Teve contacto com a escola P.A.R.T.S, em Bruxelas, e faz parte da obra “Scarlett Letter” de uma das maiores dramaturgas da atualidade, Angélica Liddell e Romeo Castellucci na obra "Paixão". “Como vinha das artes plás
ticas apetecia-me trabalhar mais e, por assim dizer, misturar várias áreas dentro do mesmo objecto artístico.

O facto de ter ido para Bruxelas e ter visto outras coisas, fez com que me crescesse a vontade de voltar e querer terminar a faculdade como eu queria acabar e não como desejavam que terminasse”, refere.

Correio de Lagos - Como Surgiu o Projecto “CAMA”?

Daniel Matos - Antes de ir para Lisboa, em Lagos conheci a Joana Flor Duarte que estava num estágio de produção no Teatro Experimental de Lagos, e desde então sempre tivemos uma relação tanto pessoal como profissional muito forte. A partir daí começou a colaborar comigo, produzindo as minhas obras como diretora de produção até que, em 2014, estreou em Lagos a peça “Pólos”. Foi aí que percebemos que podíamos criar uma estrutura cultural e artística em conjunto, chamada “CAMA”, pensada desde 2013 e oficializada há cerca de um mês. É uma associação onde o foco principal é a criação artística contemporânea e pretende abrir portas a jovens artistas, tanto a nível de residência artística, como a nível de aconselhamento artístico e produção das suas obras.

CL- Quais são as suas referências artísticas e fontes de inspiração?

DM- Claramente a Joana Flor Duarte e a dupla de artistas Ana Borralho & João Galante que desde os meus 13 anos me acompanham e tiveram um forte impacto em mim. Foram o meu primeiro contacto com uma linguagem artística que nunca tinha tido acesso. Referência também a Amélia Bentes, Vera Mantero e Francisco Camacho com quem tenho estado a colaborar e com a qual me identifico, Barbara Griggi, uma professora excelente na faculdade e ainda Angélica Liddell com quem tenho tido uma tour incrível e um crescimento enorme a nível profissional. Para além destes profissionais incríveis, as pessoas que mais me inspiram são os intérpretes com quem trabalho, onde a paixão pelo que fazem é visível.

CL - Qual a sua opinião relativamente à panorâmica cultural em Lagos?

DM- Um bom programador poderia ser uma porta para que as coisas funcionassem! Há espaço para tudo, mas ao mesmo tempo a cidade não pode só viver do turismo e se queremos que o município se desenvolva em termos intelectuais, a cultura e a arte não podem ser vistas como lazer. Por outro lado, uma grande necessidade é a educação de públicos, é raro um espetáculo do género estar esgotado. Para além disso, os próprios artistas é que têm de divulgar o seu trabalho, quando a própria cidade poderia desenvolver um mecanismo de divulgação muito melhor. Montar um espetáculo não é algo fácil, trata-se da minha formação e deve ser reconhecida. Por exemplo, o Centro Cultural de Lagos tem um palco incrível, mas em termos de dinâmica cultural não tem o melhor funcionamento. A cidade tem imensa possibilidade, até porque a maior parte dos artistas que conheço em Lisboa foram formados cá.O que é certo é que a panorâmica cultural em Portugal não está fácil, não há espaço para novos jovens artistas. Sinto que o que é comercial é bem mais valorizado e não deveria ser assim.

CL-Quais os projectos e planos de futuro?

DM- Relativamente ao "Vale" iremos estar presentes em Lisboa no teatro Ibérico, em Setembro e fomos também aceites na Quinzena de Dança de Almada, em Outubro. A ideia é internacionalizar a obra, de forma a projetá-la cada vez mais. Uma obra nova já está a ser pensada e gostaria de apresentá-la até ao final do próximo ano. À parte disto, eu e a Joana estamos a trabalhar num projecto em conjunto a partir do John Cage e da Romana, tal como a peça “Scarlett Letter” que irá continuar em digressão; em Março, no Porto e em Setembro/Outubro, nos Estados Unidos. No dia 13 de Julho também estreou uma peça em que estou envolvido, trabalhada com a comunidade lacobrigense e relativa ao Aniversário de Sophia de Mello Breyner Andresen baseado no poema “Caminho da Manhã”, sobre Lagos. 

 

Os corpos encontram-se “Num Vale do Aqui” no Centro Cultural de Lagos

O Correio de Lagos assistiu à obra “Num Vale do Aqui”, da autoria de Daniel Matos,  no Centro Cultural de Lagos no dia 22 de Junho, desenvolvida em conjunto com a interpretação de Adriana Xavier, Mélanie Ferreira, Hugo Mendes, Lia Vohlgemuth e Rodrigo Teixeira. A ideia de pertença reúne o coreógrafo e os cinco intérpretes num espaço de partilha dos corpos, revelando um trabalho construtor de um universo denso, carregado de simbologias e de uma estética própria. 


"Os corpos infinitos - Num Vale do Aqui", surge como expressão da análise do corpo enquanto espaço arqueológico, sendo uma necessidade absoluta da contemporaneidade. A plateia foi levada a perceber que o “eu” físico e o “eu” emocional residem dentro de uma massa paisagem, potenciando então esta visão do corpo como centro de uma obra artística bem como a sua mutação é possível em lugar e não-lugar, tanto para si como para o outro. A coreografia incide na constante procura de um sítio onde possamos ancorar-nos como indivíduos, mas também na fuga constante, na procura constante de um encontro pessoal, reforçando a ideia de necessidade e pertença dos outros e aos outros mas é esta a questão motriz que conduz uma pesquisa do corpo como espaço arqueológico. A escavação arqueológica daquilo que está dentro dos contornos de um corpo suscita uma construção coreográfica crua, analisando esta ideia da necessidade do outro como um "mergulho" a um espaço interior. A necessidade de pertença ao outro e de aquisição do outro contamina e restringe a formação de seres individuais e coletivos, inibindo vontades, desejos, necessidades, exposições e redesenhando a maneira como o corpo se autoconhece e se apresenta. 

 

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