Em entrevista exclusiva ao «Correio de Lagos», o comandante dos Bombeiros Voluntários de Lagos, Paulo Jorge Reis, que apresentou a demissão do cargo e está a aguardar autorização da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil para ingressar no ‘Quadro de Honra’, garante que sempre sentiu apoio do presidente da Direcção, Paulo Morgado, mas em relação aos restantes elementos, prefere não comentar.
Denuncia vários problemas no seio da corporação e deixa entender que se afasta do Comando para evitar casos de insubordinação e de indisciplina por parte de quem o contesta. “É preciso muita disciplina, os bombeiros têm uma hierarquia e esta deve ser respeitada”, sublinha, recusando comentar se foi alvo de boicote. E considera que a sua imagem como vice-presidente da Câmara Municipal de Lagos “não fica beliscada” perante a saída forçada do comando dos bombeiros. “Nem tinha de pesar”.
O comandante dos Bombeiros Voluntários de Lagos, Paulo Jorge Reis, apresentou a sua demissão do cargo, encontrando-se neste momento “de férias” e a aguardar a conclusão do processo para passar “ao Quadro de Honra” desta instituição, como o próprio afirmou ao «Correio de Lagos».
A demissão ocorreu no dia 12/02/2020, cerca de dois meses depois da eleição dos novos órgãos sociais daquela associação - cuja Direcção continuará a ser presidida até 2022 pelo médico e presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve, Paulo Morgado - e após uma forte disputa eleitoral entre duas listas, numa altura em que aumentava a contestação interna ao nível de bombeiros contra o comandante que agora solicitou passagem ao cargo de Comandante Honorário.
Queixas dos bombeiros e Direcção em silêncio
Um dos motivos que contribuiu para essa contestação, segundo contaram ao «Correio de Lagos», teve a ver com a postura de Paulo Jorge Reis ao longo dos anos em que foi comandante. “É arrogante, estilo quero, posso e mando, e não aceita opiniões dos bombeiros. Alguns até saíram por causa dele”, confidenciou um operacional, denunciando a existência de “lacunas” no seio da corporação.
“Por exemplo, os Bombeiros de Lagos podiam ter uma equipa de salvação em grande ângulo para resgatar de vítimas de quedas em arribas, o que se justifica em pleno num concelho onde existem zonas de risco como a Ponta da Piedade, Praia da Dona Ana, Camilo, Pinhão e Praia da Luz, mas o comandante sempre argumentou que tal não se justifica porque as corporações de Vila do Bispo, Aljezur e Portimão têm essas equipas e dada a proximidade podem intervir no nosso concelho nesse tipo de acção de socorro. Isto é caricato! Têm de vir operacionais de fora para resolver os nossos problemas e é se estiverem disponíveis na altura”, lamentou.
Outra das queixas no seio do corpo dos Bombeiros Voluntários de Lagos está relacionada, como alegam alguns críticos, com o facto de Paulo Jorge Reis não acompanhar o dia-a-dia no quartel e inteirar-se dos problemas. “É um comandante ausente”, acusa um bombeiro, criticando essa postura do comandante, sobretudo desde que eleito vereador (agora é vice-presidente) da Câmara Municipal de Lagos, com a responsabilidade pelo sector da Protecção Civil, acumulando os dois cargos. Contudo, não está em causa o socorro à população do concelho de Lagos”, garantem os bombeiros.
Quando começaram a surgir informações sobre a demissão de Paulo Jorge Reis, o «Correio de Lagos» tentou confirmar a situação e obter uma reacção do presidente da Direcção da associação, Paulo Morgado. Porém, este dirigente não respondeu a três mensagens por escrito, enviadas por telemóvel nos dias 17 e 18 de Fevereiro.
Numa situação de emergência “se o Comando Distrital de Operações de Socorro entender, suspenderei as férias”
Na quarta-feira, dia 26 de Fevereiro, o comandante Paulo Jorge Reis decidiu quebrar o silêncio, recebendo o «Correio de Lagos». A entrevista não foi gravada, a seu pedido. “Estou de férias após ter apresentado a carta demissão de comandante dos Voluntários de Lagos, dirigida ao presidente da Direcção, doutor Paulo Morgado”, confirmou Paulo Jorge Reis, de 58 anos, sócio n.º 1231 e comandante desde 29/03/2007 desta instituição à qual esteve ligado durante cerca de 35 anos como bombeiro efectivo, depois de ter sido funcionário dos serviços administrativos durante 21 anos.
“Saio com a consciência tranquila, não estou agarrado ao poder, nunca criei problemas à instituição, nem me arrependo de nada”, garantiu, com serenidade e convicção, o comandante que tinha ainda mais dois anos de mandato naquele cargo. Fez, entretanto, questão de sublinhar que, numa situação de emergência “se o Comando Distrital de Operações de Socorro entender, suspenderei as férias”. O processo de passagem ao Quadro de Honra está a aguardar a confirmação da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, em Lisboa, tendo Paulo Jorge Reis pedido para passar ao “quadro de honra” dos Bombeiros Voluntários de Lagos no cargo que detém, Comandante.
Numa alusão a críticas existentes, garantiu-nos que “não há incompatibilidade”, ao contrário do que algumas pessoas tentam fazer passar entre este cargo que desempenha como “voluntário” (não auferindo qualquer remuneração pelo cargo) desde 2007 e o de vice-presidente da Câmara Municipal de Lagos (que passou a ocupar na sequência da eleição de Joaquina Matos como deputada do PS na Assembleia da República, tendo Hugo Pereira assumido a presidência do executivo municipal).
“Falo com todos os chefes e ouço todos os bombeiros. Haver quem esteja contra mim é uma situação normal. Nunca houve ausência da minha parte mesmo quando não estive presente. Não há nenhuma actividade relevante no concelho de Lagos ao nível dos bombeiros que não decorra como está previsto.”
Confrontado com o facto de o acusarem de ser um comandante ausente, Paulo Jorge Reis garantiu que tal não corresponde à verdade. E explicou que, além do acompanhamento que faz em grande parte do tempo diariamente, acompanha a actividade dos bombeiros, através do 2º Comandante e do Adjunto do comando, elementos que fazem parte do grupo de Bombeiros assalariados da Associação e que desenvolvem a sua acção diária no quartel de bombeiros.
“Eles têm a sua função e delegação de competências que lhes atribui. Falo com todos os chefes e ouço todas as opiniões dos bombeiros. Haver quem esteja contra mim é uma situação normal. Nunca houve ausência da minha parte mesmo quando não estive presente. Não há nenhuma actividade relevante no concelho de Lagos ao nível dos bombeiros que não decorra como está previsto”, assegurou o comandante, agora demissionário. E insistiu que sempre esteve presente em todas as situações de emergência que exigiram a sua presença tanto no concelho de Lagos, como noutras zonas do distrito de Faro. Nesse sentido, apontou como exemplos incêndios rurais, urbanos e outras ocorrências, integrando as equipas de posto de comando que apoiaram as deslocações de operacionais para outras zonas do país.
“Temos as valências que garantem a operacionalidade necessária para os riscos associados ao concelho. Onde está a tão apregoada subsidiariedade??”
Sobre o facto de os Bombeiros Voluntários de Lagos não disporem de uma equipa de salvamento em grande ângulo para o resgate de vítimas de quedas ou outras ocorrências em arribas na orla costeira, Paulo Jorge Reis lembrou que uma estrutura desse tipo “obriga a ter equipas devidamente formadas e treinadas com equipamento adequado para acudir a essas situações de emergência, sendo para tal necessário despender milhares de euros. Tratam-se equipamentos com uma duração útil de vida muito reduzida, existindo por isso a necessidade de substituição, regularmente.” E questionou: “justifica-se dispor desses meios quando a 17, 20 e 22 quilómetros, temos os bombeiros de Vila do Bispo, Aljezur e Portimão, que possuem equipas de salvamento em grande ângulo, devido ao elevado número de ocorrências registadas nas suas áreas de intervenção e nos asseguram esse serviço sempre que necessário, possuindo um elevado grau de operacionalidade devido a esse factor?”
Paulo Jorge Reis aproveitou para referir que “toda a gente quer tudo.” “Não concordo com isso, pois temos que ser realistas e dotar cada Corpo de Bombeiros da capacidade de resposta adequada à realidade do concelho e não enveredar pela duplicação de estruturas que só contribuem para aumentar as despesas pagas pelo erário público”, sublinhou. E acrescentou: “Temos as valências que garantem a operacionalidade necessária para os riscos associados ao concelho. Onde está a tão apregoada subsidiariedade??”
“Cheguei ao topo do comando dos bombeiros, com naturalidade, devido às minhas capacidades, num processo de evolução e sempre por convite dos próprios bombeiros e Direcção, e não por subterfúgios e jogos de poder. Nunca me digladiei seja pelo que for”
Por outro lado, Paulo Jorge Reis garante que sempre sentiu apoio da parte do presidente da Direcção, Paulo Morgado. O mesmo sucede em relação ao principal responsável pelo Comando Distrital de Operações de Socorro, Vaz Pinto. Já no tocante a alguns dos restantes elementos da Direcção dos bombeiros de Lagos, prefere não comentar.
“Cheguei ao topo do comando dos bombeiros, com naturalidade, devido às minhas capacidades, num processo de evolução e sempre por convite dos próprios bombeiros e Direcção, e não por subterfúgios e jogos de poder. Nunca me digladiei seja pelo que for, quer pelo comando dos bombeiros, nem quando fui presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria, nem como vereador e agora como vice-presidente da Câmara Municipal de Lagos. Nunca tive ambições desmedidas. As coisas têm vindo a acontecer com toda a naturalidade na minha vida”, vincou Paulo Jorge Reis, em jeito de recado. E considera que a sua imagem “não fica beliscada” na opinião pública perante a demissão forçada nos bombeiros. “Nem tinha de pesar”, notou.
Demite-se do comando para evitar casos de insubordinação e de indisciplina por parte de alguns bombeiros que o contestam
Embora não tivesse assumido taxativamente, Paulo Jorge Reis deixou entender, nesta entrevista ao «Correio de Lagos», que para evitar que pudessem vir a surgir problemas ligados a casos de insubordinação e de indisciplina por parte de alguns bombeiros que o contestam e que, segundo diz, em nada iriam contribuir para a credibilidade da Instituição, decidiu pedir a sua demissão do comando e consequente passagem ao quadro de honra. Sentiu-se boicotado? - perguntámos. “Não comento”, limitou-se a responder. E após uma breve pausa, acrescentou: “é preciso muita disciplina, os bombeiros têm uma hierarquia e esta deve ser respeitada.”
“Alguns bombeiros foram punidos com repreensões por escrito quando os encontrei a beber álcool no bar. Tem de haver regras! Sou duro? Se calhar sou. Não admito que ponham em causa a imagem da Instituição”
No decorrer desta entrevista ao «Correio de Lagos» e ao abordar a questão levantada por vários bombeiros relativamente à sua postura de ser “quer posso e mando”, Paulo Jorge Reis lembrou que, entre outras “ordens de serviço”, emitiu uma a proibir a ingestão de bebidas alcoólicas pelos bombeiros que se encontram em serviço, tendo resultado que “alguns foram punidos com repreensões por escrito quando os encontrei a beber álcool no bar.” “Tem de haver regras! Sou duro? Se calhar, sou. Não admito situações que ponham em causa a imagem da Instituição que sirvo há mais de 35 anos e que tem uma história de 133 anos ao serviço das populações”, afirmou.
Bocas de incêndio “estão operacionais”, mas algumas têm de ser substituídas, embora os bombeiros não dependam desses equipamentos em caso de emergência porque “todas as viaturas estão dotadas de tanques próprios” para apagar fogos
Já em relação às condições de segurança na cidade de Lagos, garante que, por exemplo, as esplanadas dos estabelecimentos de restauração e bebidas situados no centro histórico “desde que devidamente instaladas não constituem obstáculo” à acção de bombeiros em caso de incêndio ou para acudir a outras situações de emergência, nomeadamente a pessoas a necessitarem de assistência. Sobre as bocas de incêndios instaladas em várias zonas, Paulo Jorge Reis assegura que “estão operacionais e são revistas com a periodicidade necessária ao seu bom funcionamento, embora reconheça que algumas têm que ser substituídas.” “São equipamentos mecânicos e é necessária manutenção ao nível das válvulas, que podem não funcionar devido à idade. Mas essa situação não invalida a rápida actuação dos bombeiros em casos de emergência, porque nenhuma acção de combate a incêndios depende na sua fase inicial dos referidos equipamentos, pois todas as viaturas estão dotadas de tanques próprios”, esclareceu.
Bombeiros de Lagos necessitam de mais elementos quer voluntários, quer assalariados
No Algarve, existem bombeiros municipais em Loulé, Faro, Tavira e Olhão. Em Lagos, a corporação conta com um total de 75 bombeiros, dos quais cerca de cinquenta por cento são assalariados, auferindo uma remuneração pelo serviço que prestam à Associação na área da saúde e prestação de serviços a terceiros. Paulo Jorge Reis admite a necessidade de dotar o concelho de mais elementos quer voluntários quer assalariados. “Por esse motivo, foi estabelecido um contrato programa entre a Câmara e a Associação, contudo a área de recrutamento é um problema transversal a todo o Algarve e que só poderá ser ultrapassado ou no mínimo atenuado, quando a Escola Nacional de Bombeiros passar a cumprir na íntegra o papel para que foi criada”, observou. E a terminar, frisou: “tão importante como ter os melhores meios materiais e valências, é ter bombeiros que abracem as duas vertentes, a de voluntário e a de assalariado.”
Carlos Conceição e José Manuel Oliveira